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A revolta hoje é quilombola e por vacina

“Temos razões para crer que até 90% da população quilombola pode ficar sem vacina”

atualizado

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El ultimo quilombo
1 de 1 El ultimo quilombo - Foto: Divulgação

Prata Preta liderou um dos primeiros grandes levantes populares do início da República no Brasil, em 1904, que passou para a história como a Revolta da Vacina. Ele voltou à boca do povo nesses tempos de negacionismo, mas pelos motivos errados. Estivador e capoeirista, Prata Preta não era movido por obscurantismo cego, como alguns hoje em dia. Havia se passado somente 16 anos da chamada Abolição e ele se batia, na verdade, contra o poder público da época, que negava à população negra os direitos mais básicos. Se vivesse nos dias atuais, estaria lutando pela garantia de que todos pudessem ser vacinados e estivessem praticando o isolamento social em segurança.

“Vidas quilombolas importam!”: a pandemia nos deixou em situação especialmente vulnerável e certamente Prata Preta se uniria ao nosso grito. Segundo o Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a taxa de mortalidade entre nós é de 11,09%, mais que o dobro da média da população em geral – que está em 4,9%.

Fomos largados ao deus-dará e, assim como nossos irmãos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) se viu forçada a entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), para obrigar o governo a tomar medidas para nos proteger. Também como eles e o consórcio de imprensa, estamos fazendo nossa própria contagem de mortos e infectados. É um trabalho árduo e extremamente doloroso.

Temos razões para crer que até 90% da população quilombola pode ficar sem vacina, simplesmente porque o Estado não sabe quantos somos e nem onde nos encontrar. Até por seu processo de formação – quilombos começaram como esconderijos – alguns de nós se encontram em situação semelhante a indígenas isolados. Para se ter uma ideia, nem 1% da população quilombola sequer conseguiu se cadastrar para receber o auxílio emergencial; calculamos que chegamos hoje a 16 milhões.

Em 2020, o IBGE faria o primeiro censo dedicado a nós e teríamos um número total mais aproximado. Lamentavelmente, porém, não sabemos quando isso acontecerá; primeiro, a pandemia o impediu e agora, o corte em seu orçamento feito pelo governo o inviabilizou por tempo indeterminado. Sabemos que os dados do órgão estão defasados: ele lista 5.972 comunidades no país, enquanto a Conaq estima que sejam 6.300.

IBGE

A história conta que Prata Preta botou a polícia para correr com um canhão falso; em nossa luta por visibilidade, temos a informação como arma. Tanto em sua contagem de vítimas da Covid-19 quanto em nosso censo particular, recebemos números aos quais muitos poucos têm acesso, fornecidos por nossas coordenações estaduais e por associações locais. Sabemos que o IBGE é uma instituição séria que, assim como várias outras, vem sendo esvaziada e desacreditada.

Quando as estruturas do Estado estão abaladas, cabe ao cidadão ajudar a fortalecê-las. A Conaq se põe à disposição.  Quilombos são grandes aliados da preservação do meio ambiente e guardiões de saberes únicos. O Brasil importa. Vidas importam. Vidas quilombolas existem, importam e fazem diferença.

*Denildo Rodrigues de Moraes, Sandra Maria das Silva Andrade – coordenadores executivos da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Vercilene Francisco Dias, assessora jurídica da instituição

 

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