A pílula da bariátrica e, de quebra, do Alzheimer
Obesidade é uma doença multifatorial. É viral, genética, metabólica, neuroquímica, hormonal, psiquiátrica, crônica, recidivante. Um desafio. Nitidamente, a conscientização sobre alimentação saudável e atividade física – embora extremamente importante – não foi suficiente para combater essa epidemia que mata centenas de milhares de pessoas anualmente e reduz a expectativa de vida em alguns países. Da mesma forma, um […]
Flavio Cadegiani
atualizado
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Obesidade é uma doença multifatorial. É viral, genética, metabólica, neuroquímica, hormonal, psiquiátrica, crônica, recidivante. Um desafio. Nitidamente, a conscientização sobre alimentação saudável e atividade física – embora extremamente importante – não foi suficiente para combater essa epidemia que mata centenas de milhares de pessoas anualmente e reduz a expectativa de vida em alguns países.
Da mesma forma, um único medicamento dificilmente consegue combater uma doença tão complexa e multifacetada, por não atuar só em um único (ou poucos) alvo(s) e, principalmente, pela forma errada como utilizamos: por pouco tempo e com interrupção abrupta, quando o uso de medicamentos para obesidade deve ser crônico e seu desmame lento, igual a toda e qualquer doença crônica recidivamente. E não há nada de controverso ou polêmico nisso. O que tem é desconhecimento e ignorância de quem se posiciona contrariamente.
Porém, algumas novas moléculas modernas e tecnológicas têm sido estudadas para o tratamento da obesidade e de suas consequências metabólicas: diabetes, Alzheimer, infarto, entre outras). A primeira classe é uma imitação de um hormônio GLP-1 (tudo aquilo que traz a comunicação entre células, e não somente os hormônios da menopausa ou da tireoide) produzido no intestino. Esse hormônio, embora atue principalmente no pâncreas, tem ações muito benéficas para o cérebro, coração e gordura (e não existem os riscos que se imaginava).
Essa classe é chamada de análogos de GLP-1, com os nomes de liraglutida (nomes comerciais: Saxenda e Victoza), dulaglutida (Trulicity), entre outros, e o novo, que irá chegar ao Brasil até o ano que vem, é mais potente que essas anteriores, chamada semaglutida (Ozempic). Essa classe pode induzir a uma perda de peso entre 10% a 15%. A depender do paciente e da dieta, temos resultados até melhores.
Agora, as moléculas que estão sendo estudadas atuam não somente imitando o hormônio GLP-1, mas também o hormônio glucagon (o oposto da insulina, também produzido no pâncreas, que serve para manter o açúcar no sangue e induz quebra de gordura) ou então o GIP. A classe dessas novas drogas agonistas duais (“duais” = com ação dupla, no GLP-1 e glucagon, ou GLP-1 e GIP, ou outras combinações). Esses agonistas duais podem gerar perdade 20% a 25% do peso, o que já é excelente.
Essas drogas estão começando a ser estudadas em humanos (fase 2 e 3 da pesquisa clínica).
Contudo, uma classe ainda mais potente (chamada de pluriagonista ou triagonista) é capaz de atuar como vários hormônios ao mesmo tempo, todos com ação para perda de gordura, que se potencializam (um efeito que chamamos de sinergismo).
No caso, as moléculas desenvolvidas atuam no GLP-1, no GIP e no glucagon ao mesmo tempo. Quando os pesquisadores foram administrar uma dessas moléculas em ratinhos obesos, os animais quase morreram de inanição de tanto que perderam peso (mais de 70%). Então, eles reduziram a dose, e os bichos perderam, em média, de 50% a 55% do peso, o que corresponde a resultados superiores à cirurgia bariátrica.
Isso com bom perfil de segurança, sem trazer danos para os rins, pâncreas ou coração. E, de quebra, a molécula ainda foi capaz de acabar com o diabetes tipo 2 (mais comum), com quase todos os problemas de colesterol, de gordura no fígado, e de prevenir em praticamente 100% o Alzheimer.
Agora, os estudos com seres humanos estão começando e, se tudo der certo, em seis ou sete anos teremos uma pílula que poderá substituir a cirurgia bariátrica, corrigir quase todos os problemas metabólicos (incluindo diabetes) e, pela primeira vez, prevenir de forma muito efetiva a demência mais comum de todas, o Alzheimer (também chamado de diabetes tipo 3, por conta da similaridade), e quem sabe, tratar essa doença tão perversa.
É esperar e torcer para dar certo.
- * Flavio A. Cadegiani (MD, MsC e PhD) é médico endocrinologista