A lei dos faróis baixos e a ganância sem fim das autoridades
Somente nos quatro primeiros dias de vigência da determinação, 14,9 mil motoristas foram autuados apenas nas rodovias federais
Renato Ferraz
atualizado
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Entre 2015, o Detran-DF arrecadou R$ 356,1 milhões — sendo R$ 259 milhões apenas com os serviços prestados. Só com as multas aplicadas ao longo do ano, pôs nos cofres R$ 97 milhões. E quanto a instituição gastou mesmo com a educação no trânsito? Míseros, para os padrões, R$ 12 milhões (a maior parte, com publicidade). Leis e normas que surgiram desde o estabelecimento do novo Código de Trânsito são claras: esse dinheiro deve ser aplicado para educar crianças, jovens, adultos – e condutores profissionais ou não, pedestres, ciclistas, motociclistas.
Pois é: educar deveria ser algo primordial, talvez a razão suprema da existência dos Detrans, certo? Mas, que nada: o Detran-DF, por exemplo, parece existir para se autossustentar: dos R$ 356,1 milhões que caíram no cofre da instituição no ano passado, a rubrica “administração de pessoal” ficou com impressionantes R$ 171 milhões. A concessão de benefícios a servidores, por sua vez, levou R$ 29,5 milhões (ou mais que o dobro do investido em educação). A sinalização horizontal e vertical nas regiões administrativas? Apenas R$ 1,6 milhão. E mais: na recuperação de rodovias, o DER-DF somente dispendeu R$ 16,6 milhões no ano passado. Já na manutenção de veículos, liquidou (efetivamente aplicou) R$ 4,9 milhões (1/4, portanto). Sem falar que muitas metas do DER-DF nem sequer foram cumpridas: o índice desejado de malha rodoviária em estado ótimo ou bom deveria de ser 68%, mas só se alcançou 45%.
A reflexão sobre o papel dos Detrans, e de outros órgãos de fiscalização e gerenciamento de trânsito – responsáveis pela mobilidade, segurança e convivência social – volta à tona em função do, digamos assim, mau comportamento dos seus profissionais e gestores. Vejamos: a lei que obriga o uso do farol baixo durante o dia em rodovias entrou em vigor no dia 8 de julho e, com apenas umas 100 horas de vida, já causa alvoroço – um deles, o mais grave, provocado pelos burocratas: o excesso de zelo no cumprimento da legislação, sem campanhas educativas e de preparação e esclarecimentos prévios à população, passando a impressão de que se quer mesmo é arrecadar indiscriminadamente.
Somente nos quatro primeiros dias de vigência da determinação, 14,9 mil motoristas foram autuados apenas nas rodovias federais (de sexta, 8, a segunda, 11 de julho). Goiás foi o recordista, com 1.767 autuações, seguido de Paraná (1.516), Santa Catarina (1.092), Minas Gerais (966) e Rio Grande do Sul (825). Isso dá quase R$ 1 milhão a mais nas contas da União. No Distrito Federal, já passa de 2 mil a quantidade veículos multados em apenas cinco dias de vigência (e mais uns R$ 170 mil nos cofres estatais). Vale lembrar: a infração rende quatro pontos na CNH e multa de R$ 85,13.
Em Recife, o jornalista Silvio Menezes denunciou que, na sexta-feira (8), início da vigência da lei, os agentes do DER-PE acordaram cedinho e madrugaram para multar motoristas nas rodovias ao norte da capital pernambucana. A incredulidade com o comportamento dos guardas locais levantou indignação nas redes sociais e o governo, acuado e talvez envergonhado, recuou e suspendeu a aplicação de multas por 40 dias. Nesse ínterim, deve promover campanhas educativas.
Não se questiona, aqui, as razões da lei – que é aumentar a segurança nas estradas. Há estudos provando que a possibilidade de acidentes frontais é reduzida em até 10% com o simples hábito de se usar luzes acesas mesmo durante o dia. As lanternas permitem que o veículo seja visualizado a uma distância de até 3km por quem trafega em sentido contrário.
Para piorar, as autoridades estão mais confusas do que os soldados da Guerra do Cão Perdido – ocorrida em 1925, quando Grécia e Bulgária entraram em conflito por causa de um cachorro que cruzou a fronteira. Nem os militares gregos ou búlgaros nem os gestores de trânsito brasileiros sabem o que faziam e fazem – nem por quais razões.
Vejamos: o Denatran diz que farol baixo não pode ser substituído por farol de milha, farol de neblina ou farolete. Entretanto, admite que o uso de faróis de rodagem diurna (o DRL, aquele filamento em carros mais caros) ou faróis de LED é válido. Porém, no Rio Grande do Sul, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) divergem totalmente sobre o que é “farol baixo”. Os agentes do governo do estado simplesmente ignoram o DRL. Alegam que o Denatran não tem competência para “interpretar leis”, mas sim o Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Sobrou para quem? O consumidor, pois nenhum dos dois órgãos parou de multar: em três dias, a PRF aplicou 825 multas; a PM gaúcha, 1.021.