Uma viagem pelas constelações de Pedro Alvim
Pintura a Vela, exposição de Pedro de Andrade Alvim, segue em cartaz até 30 de novembro.
atualizado
Compartilhar notícia
Luis Jungmann Girafa está feliz e quicando. Reformou a Galeria Matéria Plástica e arejou as ideias. Agora ampliado e mais iluminado, o espaço de exposições divide com seu ateliê de pintura os fundos da casa em que vive no Altiplano Leste, dentro do Condomínio Privê Morada Sul.
Na noite de quinta-feira, Girafa recebeu por lá seus amigos e clientes para abrir Pintura a Vela, exposição de Pedro de Andrade Alvim. Com visitação sob agendamento, segue em cartaz até 30 de novembro.
Apesar de serem personagens bem atuantes no cenário das artes plásticas do Distrito Federal, Girafa e Pedro não se conheciam pessoalmente até há pouco tempo. Foi o toque de um amigo em comum, o pintor Nelson Maravalhas, que fez com que os dois se aproximassem. Maravalhas sugeriu que Girafa visitasse Lugares e Ficções, a exposição de Pedro no Museu dos Correios em meados do ano passado.
Uma boa parte das telas apresentadas aqui na Matéria Plástica, vale notar, tinha sido exibida antes no Museu dos Correios. Natural que seja assim, pois essas pinturas formam o centro da produção mais recente de Pedro Alvim – e foram elas que cativaram Luis Jungmann Girafa no primeiro momento.
No entanto, aqui elas parecem diferentes aos olhos do próprio Pedro Alvim. Isso tem a ver, ele acredita, com a iluminação providenciada por Girafa. Tem a ver também com o proverbial formato de cubo branco que a Matéria Plástica adquiriu após a reforma. E tem a ver ainda com a maneira com que os quadros foram repartidos entre dois ambientes.
Uma larga vertente da produção de Pedro Alvim está sendo exibida no cubo branco da galeria propriamente dita. Trata-se do aspecto mais imaginativo de seu trabalho, criado sob permanente diálogo com a história da arte. Enquanto a outra corrente do trabalho de Pedro pode ser seguida ao longo do corredor que separa a galeria do ateliê de Girafa. Essa seria a pintura de observação, feita pelo artista diante da paisagem da cidade.
Pedro Alvim conta que a presente dinâmica entre sua pintura e arquitetura do espaço de Girafa foi encontrada durante a montagem. Deve muito às provocações feitas pelo galerista – que é também pintor e arquiteto. E essa ideia, complementa Pedro, é fruto também da própria cidade de Brasília, tema de muitos destes quadros, e do fato de esta exposição estar rolando no novíssimo bairro do Altiplano Leste.
“Brasília está criando um tipo de topografia muito novo, que esta galeria representa muito bem. São casas que cercam o Plano Piloto sobre um terreno mais acidentado, num processo de crescimento orgânico, ou mesmo celular, quem sabe até atômico, e irrefreável. Daqui a pouco o Plano Piloto vai ser como um centro histórico. A lei natural vai vencer a lei ideal e vamos entrar numa outra realidade. Talvez, como artista, eu esteja olhando para essas duas coisas. Toda obra de arte tem um lado naturalista e um lado conceitual, que seria um lado mais Niemeyer. Nesta exposição, isso aparece de uma forma especial.”
O lado mais explicitamente conceitual do trabalho de Pedro está dentro da galeria. E o lado abertamente naturalista está a descer pelo corredor. Onde os quadros foram pendurados bem próximos uns dos outros, fazendo valer cada pedaço de parede. O visitante que quiser apreciá-los mais de perto deve percorrer a estreita passagem – um por vez – olhando para o lado, para o outro, olhando para cima, para baixo.
Uma experiência de imersão. De uma forma que vinha sendo deixada de lado, pelo menos, desde os anos 1950, quando a estética modernista impôs amplas paredes para a melhor espacialização e fruição de telas que estavam se tornando maiores e maiores e maiores.
A ideia, trazida por Girafa, de ocupar todo o corredor – apresentada como quem dá “um cutucão”, brinca o galerista – fez com que Pedro Alvim reencontrasse um interesse pessoal e artístico. Professor de disciplinas tanto práticas quanto teóricas no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, Pedro aqui pôde se reportar a um passado anterior ao momento modernista. Por exemplo, aos salões de arte parisienses do século XVIII.
“A ruptura modernista foi necessária porque essa forma de apresentação dos quadros já estava desgastada, já não dizia mais nada. Mas agora, quando você propõe o retorno a esse modelo, você volta a ele de outra forma”, acredita. “Quando esse tipo de proposta dá certo, as relações entre os quadros se criam como se forem constelações.”
Viajando pelas constelações de Pedro Alvim, descendo o corredor, o observador pode redescobrir a cidade lá fora. Brasília, a capital federal, está recriada sob um olhar mui íntimo, quase cúmplice. A colossal arquitetura de Oscar Niemeyer se torna fugidia ali ao fundo da imagem – enquanto aqui no primeiro plano nos detemos numa touceira de capim, num respiro de cerrado.
Noutra cena, a estrutura vertical de um prédio sendo erguido. E cá embaixo, aos pés do edifício em construção, há um revolver de terra. Paisagem cotidiana na Brasília do século XXI que conversa diretamente com aquilo que, segundo a história da arte, recebeu o termo de “pitoresco” no fim do século XVIII. A grosso modo, esse entendimento considera que seria tão mais interessante a paisagem quanto mais imperfeita e assimétrica.
Assim como faziam alguns de seus heróis, de François-Auguste Biard (1799-1882, inspiração de obras como Mar Glacial) a Paul Cézanne (1839-1906), Pedro Alvim deixa o ateliê e vai pintar en plein air. A céu aberto. Coloca-se diante da paisagem e, com a tela sobre o cavalete, ou mesmo apoiada diretamente no chão, tenta apreender o que se abre aos olhos.
Daí as pinceladas ligeiras, o gesto veloz de quem precisa registrar o que percebe – antes que a luz mude e com ela a natureza se altere. Mas também acontece, conta Pedro Alvim, de ele voltar ao mesmo cenário algumas vezes em diferentes horas do dia. Porque assim busca assumir a passagem do tempo, dentro de uma composição, através das mudanças de luz.