Um front para a arte contemporânea no Setor Comercial Sul
A Casa da América Latina (CAL), da Universidade de Brasília (UnB), recupera seu espaço na cultura de Brasília
atualizado
Compartilhar notícia
Entre portarias de prédios comerciais e vitrines de lojas vazias, Ana Catarina Mousinho novamente escala o andaime de ferro para afixar mais uma série de pás de ventilador na marquise do Edifício Anápolis.
Tarde de segunda-feira no Setor Comercial Sul, todo mundo que passa por aqui parece estar atrasado para chegar logo sabe-se lá onde. As pessoas desviam do andaime, dando uma volta apressada perto dos carros estacionados, olham para cima ligeiro, seguem adiante.
A casa é um braço do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília (UnB) em plena quadra 4 do Setor Comercial Sul, pertinho das Lojas Americanas. Agora pretende reassumir sua verdadeira vocação e ser também um front para a arte contemporânea.
As atividades da CAL sofreram nos últimos anos com as intempéries financeiras e administrativas próprias às universidades federais brasileiras. Ao assumir a UnB, no final de 2016, a reitora Márcia Abrahão pediu um projeto de reestruturação do local, na intenção de que a casa voltasse a justificar seu nome, retomando esquecidas parcerias com nossos vizinhos latino-americanos.
Professor do Departamento de Filosofia, Alex Sandro Calheiros foi nomeado diretor da CAL e, enquanto vem se reunindo com adidos culturais e embaixadores para agitar projetos a médio e longo prazos, vem também aquecendo a casa para que ali se crie, em curto prazo, um estado permanente de atividades culturais.
O primeiro fruto mais ostensivo desse trabalho, que pretende extrapolar o meio acadêmico e atrair o público brasiliense em geral, acontece na noite da quarta-feira 23/8. Quando será aberta a mostra coletiva “Quando as Formas se Tornam Relatos”.
Sob curadoria de Ana Avelar, a mostra reúne os brasilienses Paul Setúbal e Raquel Nava com mais dez artistas brasileiros. Entre eles, Laís Myrrha, Renato Pera, Fernando Piola e Jaime Lauriano — este último apontado na semana passada como um dos vencedores do Prêmio Marcantônio Vilaça.
Ana Avelar, aliás, concorria na categoria de curadores. E ela aproveitou bastante a viagem para São Paulo a convite da premiação. Pôde trazer na bagagem de mão alguns desenhos de Laura Andreato, cartazes de Fábio Tremonte e um HD com o filme “Dreamwaves” de Gustavo Von Ha. Todos para a mostra da CAL.
Formada em letras com pós-graduação em artes visuais pela Universidade de São Paulo (USP), a paranaense Ana Avelar é professora do Instituto de Artes da UnB desde 2014. Ao lado do colega Gregório Soares, foi convidada por Alex Sandro Calheiros para compor o conselho de curadores da CAL.
Esta sua primeira exibição na CAL vale para Ana Avelar como carta de intenções. Historicamente, as mostras de artes visuais da casa sempre se conformaram aos espaços previamente destinados a exposições, as três salas burocraticamente estipuladas pelas “convocatórias”, aqueles editais que definem que artista ocupa que lugar.
A saber: a Galeria Acervo, no segundo andar do prédio; a Galeria CAL, que fica no subsolo, e a pequena Galeria de Bolso, no térreo, com sua vitrine para a calçada lá fora.
Tudo muito certinho e careta demais para Ana Avelar. Ela já avisou que não vai se restringir aos lugares habituais. Quer se espalhar pelos três andares que a CAL ocupa no Edifício Anápolis, usando os halls de cada patamar, descendo as escadas e atingindo os pontos cegos, os recônditos de cada fim de corredor, escapando para a calçada, chegando até a garagem, vazando pela rua de serviço nos fundos do prédio — rua que Ana já chama carinhosa e orgulhosamente de “o meu beco”.
“Tudo em Brasília é tão monumental que a CAL parece um patinho feio, né? Se formos pensar em termos de galerias no sentido museológico, temos na cidade galerias mais bem estruturadas que as nossas, com melhores possibilidades de iluminação e maior pé direito”, compara Ana Avelar. “Por outro lado, temos aqui andares inteiros a serem ocupados. Temos uma arquitetura de repartição num prédio que não foi pensado como espaço expositivo, mas que na contemporaneidade pode assumir essa função.”
Nesse clima, Fernando Piola vai montar suas obras nos banheiros da CAL. E fazer uma performance dentro da sala da diretoria, usando suas prateleiras cheias de livros.
Na semana anterior à exposição, a CAL já estava movimentada. Enquanto Ana Avelar subia e descia as escadas com sua equipe para dar conta da montagem, Paul Setúbal erguia sua obra no segundo andar com a ajuda do pai, o artista Carppio de Morais, e Ana Catarina Mousinho completava sua instalação na marquise, a partir de ventiladores quebrados, catados num depósito de velhas tranqueiras da UnB.
Ana Catarina já cumpriu sua temporada como residente na CAL e participa, esta semana, da abertura da exposição. Mas a artista plástica Iris Helena ainda está em plena residência. Assim como o coletivo de poesia Assum Preto.
Alex Sandro Calheiros então anuncia que a CAL receberá, a partir de setembro, projetos de extensão de professores da universidade e oferecerá residência para alunos artistas em situação de vulnerabilidade. Uma pequena sala de cinema para vinte pessoas, a ser criada no terceiro andar, e um café com uma livraria da UnB, para o térreo, também fazem parte de seus planos.