Transborda Brasília traz registros da cena de arte contemporânea
Dos 12 envolvidos, quatro foram apontados como os vencedores da premiação: Gu da Cei, Hilan Bensusan, Laura Fraiz-Grijalba e Raquel Nava
atualizado
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Entrando nos últimos dias em cartaz na Caixa Cultural, a mostra coletiva que gira em torno do prêmio Transborda Brasília 2018 apresenta uma seleta da recente produção de uma dúzia de artistas da cidade.
Dos 12 envolvidos, quatro foram apontados, há um par de semanas, como os vencedores da premiação. São eles: Gu da Cei, Hilan Bensusan, Laura Fraiz-Grijalba e Raquel Nava. Os trabalhos deles e os dos demais colegas seguem em exibição na galeria acervo da Caixa Cultural até sete de outubro.
Nesta terceira edição do certame, a seleção ficou a cargo de um júri interestadual formado por críticos e pesquisadores: Agnaldo Farias (atuante em São Paulo), Clarissa Diniz (Pernambuco), Guga Carvalho (Piauí), Lisette Lagnado (São Paulo) e Marília Panitz (Distrito Federal). Eles selecionaram os doze finalistas a partir de um universo de 197 artistas inscritos. Como nas edições anteriores, o projeto contou com aporte financeiro do Governo do Distrito Federal, através do Fundo de Apoio à Cultura.
Dito isso, aproveitemos este texto para nos determos sobre algumas das obras em exposição…
A contribuição de Raquel Nava para o Transborda Brasília 2018 pode ser encontrada logo num dos primeiros recônditos da galeria acervo da Caixa Cultural. Entrando na sala e quebrando à esquerda, o visitante encontra a série fotográfica Paleta (2018). Trata-se do mais recente episódio de um interesse que acompanha a artista há um bom tempo – e vem atravessando suportes bi e tridimensionais.
Desde seu mestrado no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, Raquel Nava trata do ciclo da matéria orgânica em relação aos hábitos e desejos culturais da sociedade de consumo. Numa parceria com o Hospital Veterinário da UnB, ela desdobrou essa pesquisa até a taxidermia.
Os trabalhos aqui se encaixam nesse meio-caminho entre a taxidermia e a arte contemporânea. Foram feitos em parceria com o fotógrafo de Diego Bresani – por coincidência também selecionado para esta edição do Transborda em sua carreira solo. Outras imagens dessa mesma série, e aparentadas dela, foram exibidas por Raquel há pouco na mostra Apresuntados.
Também premiada neste Transborda Brasília, Laura Fraiz-Grijalba é uma jovem artista de 22 anos. Está presente com dois vídeos. Um deles é bem recente. Mordente (2018) foi pensado para recriar o ambiente online de internet com múltiplas janelas, pelas quais a artista distribui um tanto de performance, de linguagem verbal, transversalidades de informação e forte inclinação política. O outro trabalho, Inside my baby, foi gravado em 2006.
Ela tinha dez anos de idade. Inside my baby, portanto, não deixa de ser uma brincadeira de boneca. Mas muito peculiar, a brincadeira. Nas imagens, a pequenina Laura traz nas mãos uma bonequinha de plástico – a ser devidamente desmembrada e estripada. De dentro de seu interior, serão reveladas e extraídas, uma a uma, pequenas peças de carne crua.
Laura trouxe o vídeo de antigamente para sua preocupação estética atual e então o apresenta em um canto escurecido da sala, as imagens saturadas rodando em loop dentro de um antigo aparelho televisor, ligado sobre uma cômoda de madeira. Na parede, emulando cenário doméstico, um prato está pendurado à guisa de decoração. O mesmo prato que, às horas tantas, aparece numa cena climática do vídeo.
Laura Fraiz-Grijalba e Raquel Nava, cada uma a seu modo, em fotografia e vídeo, montam composições esteticamente bem fechadas e assim levam suas narrativas para esses espaços construídos. Colega de ateliê de Raquel, a artista Cecília Bona aqui aparece num exercício de outra ordem. Ela está a tomar conta do espaço público.
Avalanche (2017), vídeo que registra uma ação coletiva no Setor Comercial Sul, é o tratamento mais recente de uma ideia que já vem rolando desde, pelo menos, o primeiro semestre de 2017. Dentro do grupo Coordenadas Orbitadas, ligado à artista Karina Dias, professora do Instituto de Artes da UnB, Cecília apresentou nessa época a primeira versão do trabalho.
O outro trabalho de Cecília nesta mostra, o vídeo Travessia (2017) também foi realizado no Setor Comercial Sul, dentro de uma das salas da Casa da Cultura da América Latina, no Edifício Anápolis, onde cumpriu residência artística no final do ano passado. Tanto Travessia quanto Avalanche são trabalhos que partem de um elemento simples, natural e bruto: a pedra. Cecília, vale lembrar, vem dando tratos às pedras desde que voltou de temporada no interior gélido e pedregoso da Islândia.
Também ligado ao Instituto de Artes da UnB, por onde se graduou e onde agora cursa mestrado na linha de Métodos e Processos, José de Deus apresenta três trabalhos em diferentes abordagens, atacando por variados aspectos a paranoia social do capitalismo s/a.
Imperdível 1 (2018) é uma colagem aparentemente sem fim de hiperbólicos e histéricos comerciais de televisão a anunciarem descontos sensacionais, prazos imperdíveis e toda algazarra de baixa retórica do varejo popular. O gerente ficou maluco (2016-2018) traz uma coleção de registros fotográficos de mínimas intervenções feitas nas prateleiras dos supermercados, discretas porém estratégicas para a atenção do prezado cliente.
E Sorria! (2017) pode ser entendido como um metafilme de circuitos de segurança. José de Deus filmou as câmeras de segurança. Suas imagens são apresentadas numa tela dividida em quatro partes, exatamente como se dividem os monitores em que os vigilantes acompanham o que aquelas mesmas máquinas capturam incessantemente dia e noite.
Rodrigo de Almeida Cruz tem sido um dos pintores mais frequentes nos espaços da cidade nos últimos quatro, cinco anos. Participou de coletivas em galerias como a Referência e a Matéria Plástica antes de apresentar sua primeira mostra individual, Constrangimento do Tempo, na Alfinete, em 2017.
Para aquela ocasião, Rodrigo levou uma série de telas em que se debruçava sobre aspectos essencialmente práticos e plásticos de seu ofício. Da espessura das camadas de tinta sobre a tela até o gesto repetitivo do pincel a cobrir a superfície plana. Mas haviam também alguns retratos de conhecidos, expostos lado a lado com breves relatos do cotidiano daquelas pessoas.
Agora Rodrigo apresenta oito pinturas em pequenos formatos. Seis delas pertencem a uma série que teve o título emprestado ao poeta Augusto dos Anjos (1884-1914): Ninguém assistiu ao formidável enterro de sua última quimera, somente a ingratidão – esta pantera – foi sua companhia inseparável (2018). De certa forma, é como se aqui ele estivesse a associar os dois interesses que ainda estavam separados na mostra anterior: uma especulação sobre a pintura (e a história da pintura) e um exercício de cronista.
Também estão nesta mostra os finalistas Alice Lara (pintura), Cleo Alves Pinto (fotografia), Ju Lama (cartazes) e Kabe Rodríguez (performance). O catálogo tem lançamento marcado para o dia primeiro de novembro, às 19h, n’A Pilastra.