metropoles.com

Para cavoucar as longas raízes de Ana Miguel

A artista se interessa pela escala do íntimo, das delicadezas, miudezas e minúcias

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Bernardo Scartezini/Metrópoles
foto-de-abre1
1 de 1 foto-de-abre1 - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Mais do que vista, uma obra de Ana Miguel deve ser esmiuçada. Mais do que visitada, deve ser adentrada.

Por isso o trabalho que traz a artista fluminense Ana Miguel de volta a Brasília, a cidade onde forjou boa parte de sua linguagem, é mais do que apenas uma peça inédita, mais do que um novo episódio dentro de uma carreira ímpar na arte contemporânea brasileira. Este trabalho em exibição na Alfinete Galeria, por si só, apresenta-se como um pequeno evento.

Uma breve aventura. E “pequenina” porque a Ana Miguel interessa a escala do íntimo. A escala das delicadezas, miudezas e minúcias. Dos fragmentos de memória. Das antigas lembranças, aquelas já quase esquecidas.

“Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas” é o título deste novo trabalho. Essa frase, anos atrás, ela escreveu em seu caderninho. E ficou lá, escrita e apenas escrita por muito tempo, rebimbando em significados mil, enquanto Ana Miguel dava voltas e voltas em torno dessas palavras, tentando extrair delas sugestões e implicações.

7 imagens
1 de 7

"Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas" na Alfinete Galeria

Bernardo Scartezini/Metrópoles
2 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
3 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
4 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
5 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
6 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
7 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles

Voltas e voltas até fazer aquelas palavras brotarem. Uma árvore de raízes muito antigas, ela percebeu, pode ser a memória de uma pessoa, pode ser a memória dela própria, Ana Miguel.

E ela já sabia que, ao tratar de suas miudezas pessoais, ao tratar de sua autobiografia, ela poderia muito bem roçar em algo maior que isso. Poderia roçar naquele espaço em que as vivências individuais de cada um se encontram.

Descendo do teto da Alfinete Galeria, pendendo dentre as lâmpadas, as longas raízes de Ana Miguel aqui se apresentam como peças de lã, costuradas pela própria artista.

Entrando na instalação de Ana Miguel,  estamos a passear entre suas raízes. São elas que, de certa maneira, conformam o ambiente ao delinear o espaço ocupado pela obra na sala e ao emprestar verticalidade (“ligando o céu à terra”, diz Ana) a um trabalho que, em larga parte, se passa no rés do chão.

7 imagens
1 de 7

Detalhes da instalação "Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas"

Bernardo Scartezini/Metrópoles
2 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
3 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
4 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
5 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
6 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
7 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles

“Um dia encontrei esse vidrinho de perfume”, conta Ana Miguel, apontando para um pequeno frasco vazio, escondido debaixo de uma caminha de bonecas, que por sua vez serve de teto para uma construção de bloquinhos de madeira. “Na infância, a gente sempre via alguém com esse perfume.”

Levantando o estrado da caminha de bonecas, Ana acende uma pequena luz dentro do frasco. Esse perfume se chama Fleurs de Rocaille. “Esse vidrinho e a sua caixinha são tão lindinhos”, ela sorri. “Ao mesmo tempo, tem a brincadeira com o nome. Num pensamento de criança, a gente fazia a tradução literal: flor de pedrinhas. Curioso esse nome, não? Bonito e curioso. Como seriam essas pedrinhas? Como podiam nascer flores assim?”

O jardim de rocaille é criado sobre pequenas pedras, uma espécie de paisagismo que tomou forma e se desenvolveu dentro da jardinagem francesa entre os séculos XVI e XVII.

Porém, mais do que elucidar uma antiga curiosidade graças a um verbete da história da arte, Ana Miguel quer brincar com as impressões de cada um, despertar memórias pessoais dos visitantes – desdobrar sentidos e significados.

“Esta não é uma narrativa fechada. Está aberta”, ela oferece, passeando entre as raízes de lã. “São elementos que você pode recontar para você mesmo.”

Recontar para você mesmo uma narrativa que Ana já vem contando para ela própria. “Todos esses materiais ficam um bom tempo no meu ateliê”, explica. “Vou depurando e construindo, fazendo experimentos. Entre devaneios, vou trabalhando as possibilidades de construção de imagens.”

7 imagens
1 de 7

Detalhes da instalação "Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas"

Bernardo Scartezini/Metrópoles
2 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
3 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
4 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
5 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
6 de 7

Bernardo Scartezini/Metrópoles
7 de 7

"

Para construir suas imagens, Ana Miguel também pode eventualmente lançar mão de obras alheias. Aqui apropria-se de uma cena específica da versão do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini para “As Mil e uma Noites” (1974), que fica girando em loop num tablet devidamente envolvido em crochê.

Vale lembrar que antes desse empréstimo, na instalação “Hoje Todos Devem Amar” (2012), ela tinha ido ao russo Andrey Tarkovski. A cena da festa pagã no icônico “Andrei Rublev” (1966) servia ali como comentário sobre o encontro do colonizador europeu com os índios nativos do Brasil, tema daquela obra de Ana Miguel.

Tanto Tarkovsky quanto Pasolini são memórias afetivas mui caras à artista. “Cinema sempre foi importante para mim, faz parte da minha vida, da minha experiência de vida e de pensamento”, justifica. “À medida em que eu trabalho com memórias, muitas vezes me lembro vivamente de fragmentos de filmes. Então venho colecionando também cenas de cinema. Fico com elas guardadas como quem guarda um lápis de cor e, aqui ou ali, elas vão encontrando seu lugar.”

Aliás, foi justamente quando esteve em Brasília, no final do ano passado, para a montagem de “Hoje Todos Devem Amar” e de outras duas instalações dentro da mostra coletiva “Nós”, na Caixa Cultural, que Ana Miguel conheceu a Alfinete Galeria na comercial da 103 Norte.

Esse era um convite antigo de seu amigo Dalton Camargos, o dono da Alfinete. Ana Miguel e o galerista colaboraram intimamente quando trabalharam com os diretores de teatro Adriano e Fernando Guimarães, no final dos anos 1990, para uma série de montagens de Samuel Beckett. Dalton como iluminador. Ana como cenógrafa e figurinista.

À época, Ana Miguel morava na capital federal e cumpria mestrado em filosofia na Universidade de Brasília. Participou ativamente da cena brasiliense de artes visuais. Entre suas mostras desse período, cabe citar a coletiva “Gentil Reversão” (2000), ao lado de Gê Orthof, Ralph Gehre, Élder Rocha e Chico Amaral, curadoria de Marília Panitz.

De certa forma, “Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas” trata não apenas de memórias. Trata também de regressos e reencontros.

Bernardo Scartezini/Metrópoles
Dalton Camargos e Ana Miguel: reencontro de colaboradores desde o teatro

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?