Dimensões de espaço e tempo, por Karina Dias
Em cartaz nas galerias Piccola 1 e 2 da Caixa Cultura, “Tempo Paisagem” ganhou forma nas conversas da artista com a curadora Cristiana Tejo
atualizado
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Karina Dias e Cristiana Tejo foram vizinhas na quadra 2 da Octogonal. Década de 1980. Quem sabe não tenham se encontrado inúmeras vezes na distância entre os blocos B e F?
“Eu era uma pirralha de uns seis anos, a Karina era uma adolescente”, pensa alto Cristiana Tejo, calculando as possibilidades de diálogo naquela época. “Acho que ela nem daria muita bola para mim.”
Karina sorri. Porque elas duas têm conversado um bocado ultimamente. Há um par de anos, ao ter sido apontada como vencedora da primeira edição do prêmio Transborda Brasília, a artista Karina Dias ganhou a possibilidade do acompanhamento da curadora Cristiana Tejo.Depois de sua família ter trocado Brasília por Recife, Cristiana se aproximou das artes contemporâneas e se tornou uma curadora de projeção nacional. Entendeu essa recente parceira com Karina como uma forma de reencontrar a cidade de sua infância.
E Karina percebeu que era chegada a oportunidade de levantar a exposição “Tempo Paisagem”, sua primeira mostra retrospectiva em duas décadas de carreira.
Em cartaz nas galerias Piccola 1 e 2 da Caixa Cultural desde quarta-feira, “Tempo Paisagem” vinha ganhando forma nas conversas entre artista e curadora por mais de ano. Mas, na prática, a mostra foi tomando volume e acontecendo apenas durante os dias que antecederam sua abertura.
Como trabalha basicamente com vídeo-projeções e vídeo-instalações, mesmo Karina Dias ainda não tinha visto suas obras juntas assim, todas montadas e funcionando ao mesmo tempo.
E a intenção de Cristiana Tejo é justamente (re)apresentar aos brasilienses uma das artistas mais celebradas da cidade, uma das professoras mais queridas e influentes do Instituto de Artes da Universidade de Brasília – mas ainda pouco conhecida do grande público.
As galerias Piccola, arquitetonicamente, são duas salas gêmeas, ambas estreitas e fundas, partindo do mesmo ponto. É dali que, forçosamente, a visita começa. Foi dali, portanto, que Karina e Cristiana começaram a criar “Tempo Paisagem”.
Como quem começa a contar uma história que vai se encompridando ali adiante, elas primeiro apresentam quatro objetos da série “Souvenir Brasília”. Assim como outros trabalhos de Karina aqui reunidos, esses já foram exibidos dentro de mostras coletivas em espaços como o Museu Nacional Honestino Guimarães.
Desta feita, funcionam como ponto zero para as observações de Karina. Dentro de caixinhas retangulares, que lembram os cobogós tão queridos da arquitetura brasiliense, os vídeos trazem pequenos recortes do cotidiano do Plano Piloto
Como quem espia a vizinhança ao se debruçar numa janela, Karina abraça a dimensão do espaço e a dimensão do tempo. A paisagem que lhe desperta o olhar pode ser aquele mesmo velho lugar comum de todos os dias. Mas a duração do vídeo parece um ponto ou dois mais prolongada do que seria uma mera espiada descuidada.
É a isso que Karina Dias e Cristiana Tejo chamam de “espessura do tempo”.
Para entender mais sobre essa relação entre tempo e paisagem, pode-se tomar o caminho da direita. Nessa primeira galeria, as vídeos-projeções dominam as paredes. Tratam-se de paisagens observadas e vividas, que aparecem ou desaparecem de acordo com o movimento dos corpos ou de acordo com a mudança da luz natural.
Pela própria linguagem da obra, projeções em vídeo, pode-se num bater de olhos já perceber do que se trata. Mas convém se deter diante das imagens para poder ir além do que de imediato se entrega.
Assim uma paisagem se torna noite e se torna dia e se torna noite e se torna dia infinitamente (“Janela 1”). Assim um trem correndo em sentido contrário a outro trem faz com que os vídeos desses percursos se transformem numa unidade geograficamente impossível e poeticamente improvável (“Passageiro 1”).
“Tanto a paisagem quanto o tempo são construções humanas”, explica Cristiana Tejo. “Há o tempo cronometrado, claro. O khronos, como diziam os gregos. Mas há também o tempo subjetivo, o káiros, que é uma experiência com a densidade, com a espessura do tempo. Você não sabe o quanto vai levar. Mas vai levar o suficiente para poder acontecer o que de fato acontece. É esse tempo que Karina dá a seu trabalho. É esse tempo que seu trabalho pede ao espectador.”
28 – L’air de Montagne – Expo Cumes – 2016 -5’30”-mepg4 from karina dias on Vimeo.
Tal decurso do tempo se torna ainda mais sólido na galeria à esquerda, a segunda galeria. Aqui o corpo de Karina Dias, que já estava presente intuitivamente em todos os trabalhos anteriores, à medida que enxergamos suas paisagens a partir dos pontos de onde ela própria enxergou, assume o protagonismo.
As obras desse trecho foram feitas na Patagônia, descendo a fronteira gelada e ruidosa entre Chile e Argentina até onde o chão acaba, até Terra do Fogo, a Finis Terrae. Karina Dias, ao lado do marido e parceiro de viagens, Albert Ambelakiotis, vem visitando a região seguidamente desde 1997.
“Como Medir uma Exígua Faixa de Terra” (2016/2017), o trabalho que abre esta página lá no alto, é justamente o registro de uma ação de Karina na Patagônia. Ela própria aparece em cena, afinal o nosso corpo nos permite a mais exata métrica de um espaço. Uma figura mínima, diminuta, diante da imensidão do mar, os picos gelados lá no fundo.
“L’Air de Montagne” (2016), o vídeo acima, traz Karina diante da Cordilheira dos Andes. Uma tentativa da artista de chegar mais e mais perto, vencer a distância, abraçar o imenso. “A maneira de se chegar mais perto é com o olhar”, ela ensina. “Vou olhar, vou olhar, até a montanha estar dentro de mim.”
“Custei a entender isso como um método de trabalho, sabe? Tem a ver com a escolha de não se precipitar. A escolha de esperar. Deixar acontecer. Tenho pensado muito nisso. Meu método seria: não se precipitar, esperar, permanecer e, sei que isso pode soar meio dramático, não abandonar a vista. Não abandonar, não perdê-la. Se você desviar atenção, já perdeu. Se tirar o olho, já perdeu.”
Assim a última sala da exposição, reservada à vídeo-instalação “À Vista”, de repente se abre num campo florido de dentes-de-leão. Desta vez, ao espectador é possível se aproximar, dar passos para dentro da obra, deixar-se cercar por ela. Então basta seguir o método de Karina Dias e não se precipitar, apenas deixar acontecer.