Coletivo de artistas empresta nova dinâmica ao Elefante
O local tornou-se também ponto de encontro para integrantes do movimento cultural e polo de debate
atualizado
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Ali entre as oficinas e os restaurantes da 706 Norte, o Elefante Centro Cultural é mais do que uma fachada vermelha a surgir dentro dum estreito beco. Em cinco anos de funcionamento, vem sendo ateliê em caráter permanente e servindo de abrigo para exposições. Se tornou também ponto de encontro para artistas e polo de debate e circulação de ideias sobre as artes de Brasília.
A tal ponto que Matias Mesquita, criador do espaço em 2013, ao lado da amiga Flavia Gimenes, admite que esse Elefante meio que fugiu de controle – já não tem mais dono. Tem, isso sim, um grupo de gente que o alimenta, se preocupa com ele e o mantém ativo.
Matias Mesquita e Cinara Barbosa, diretora artística do Elefante, receberam a coluna Plástica nesta semana justamente para falar sobre a nova dinâmica que eles bolaram para manter a casa funcionando – e os desafios em tempo de crise não são poucos.
Paredes foram movidas e uma nova configuração se estabeleceu nos três andares do imóvel, na intenção de privilegiar o ambiente de trabalho e criar uma espécie de coletivo. Coube a Matias convidar cada um dos artistas que, já faz um par de meses, se mudou para o Elefante. O critério, ele conta, passou por afinidade e respeito, além de sua certeza no trabalho profissional. A saber: Adriana Vignoli, Alina Duchrow, Débora Mazloum, Gisel Carriconde Azevedo, João Trevisan e Silvie Eidam – além do próprio Matias Mesquita, claro.
Valendo como carta de apresentação, a mostra coletiva [Re] Invenções reúne um trabalho de cada um dos sete envolvidos – até 31 de janeiro.
O convite para Silvie Eidam, conta Matias, surgiu entre algumas cervejas no bar Pardim. Os dois se conhecem há tempos. O Elefante abrigou uma mostra dela em janeiro de 2017. Adriana Vignoli também já tem história no endereço. Sua segunda exposição individual, Vãos, foi aberta em outubro de 2016, com curadoria de Manuel Neves, então diretor artístico do centro.
Mais ou menos na mesma época, Adriana, Alina Duchrow e Débora Mazloum dividiram espaço com Matias no piso inferior do Elefante, estrategicamente próximo à área de serviço, um lugar ventilado, mais adequado para mexer com tinta, química, solventes e materiais agressivos em geral. João Trevisan, antes de tomar parte da atual empreitada, também tinha passado por ali, ajudando Matias com suas pinturas.
Gisel Carriconde Azevedo, que completa o time do Elefante-2019, também já tinha dado um pulo na casa, participando de coletiva em maio de 2017, sob curadoria de Cinara Barbosa. Mas nem precisava de tal credencial. Figura conhecida na cena brasiliense, Gisel tem trajetória própria, além de agitar à frente da galeria deCurators. Com o ateliê de sua casa, no Lago Sul, já lotado de materiais e obras, ela buscava um lugar para trabalhar com aquarelas.
E Matias segue com seu ateliê de pintura montado no piso inferior do Elefante desde meados de 2013. Agora divide o andar com Gisel e Trevisan. Subindo dois lances de escada, no piso superior, trabalham Adriana, Alina, Débora e Silvie. E o espaço para exposições, que antes se espalhava da porta de entrada da casa até o segundo patamar, agora está apenas no térreo.
Toda essa engenharia foi feita para manter o Elefante ativo. A opção de Matias Mesquita e de Cinara Barbosa foi chamar aqueles em quem confiam e tornar explícito o vínculo do centro com esse grupo de artistas, apostando no talento e na pesquisa de cada um deles – para que isso se reverta mais ali adiante, inclusive financeiramente.
Os custos do Elefante para 2017, e sobrando um tanto para 2018, conta Matias, foram cobertos por uma feira de arte promovida por Cinara. A própria diretora, no entanto, lembra que o Elefante não é galeria comercial e não pretende se tornar, não tem acervo de peças de arte nem pretende formar. Matias completa o raciocínio dizendo que a questão colocada está justamente em como equilibrar os dois lados – financeiro e artístico – sem perder a proposta que permanece no centro de interesse.
“Este é o momento de reavaliar algumas condutas”, diz Cinara. “Não somos uma galeria comercial, não temos um acervo de obras. Mas se as pessoas quiserem vir aqui comprar, seria importante. Temos um percentual combinado com o artista e um percentual para nós. E isso mantém o projeto. Muitas vezes, a pessoa procura o artista diretamente ou espera que determinada peça entre numa mostra numa galeria particular para ir lá e comprar. Gostaríamos de aproveitar esse momento para que a sociedade entendesse que estamos investindo no desenvolvimento da arte da cidade.”
“O comércio de obras é importante”, admite Matias. “A feira sustentou o Elefante por um ano e meio. Sem ela, teríamos simplesmente fechado as portas. Mas acho importante o foco não ser esse. Se pensarmos muito nisso, acabamos perdendo a força da experimentação.”
Esses sete artistas estão investindo no Elefante e o centro está investindo de volta neles. Esse retorno, conta Cinara, virá através de contatos no sistema das artes, de relações externas, de visibilidade e de uma programação dentro do Elefante que ela e Matias pretendem desenvolver nos próximos meses.
Aproveitando o espaço como ateliê permanente, Cinara quer estabelecer uma programação que envolva o acompanhamento de curadores da cidade, especialmente convidados para visitar a casa e trocar ideia com os artistas, e também curadores vindos de fora, que possam conhecer o processo de cada um dos envolvidos. E a própria Cinara, claro, uma das curadoras mais ativas da capital e professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, se coloca como interlocutora constante nessas atividades desde já.
Aproveitando o calendário mais enxuto de exibições, Cinara pretende também promover as “semanas de residência artística”, atraindo outros realizadores da cidade para que passem uns dias e trabalhem ali. Entre os nomes que ela pensa para esse projeto, dois camaradas que têm vínculos com o Elefante: Antonio Obá e Paul Setúbal.
Tudo sob a intenção de criar uma atmosfera de busca, pesquisa e provocação – em que cada artista acabe naturalmente se intrometendo no ofício de quem está do lado, até de forma inconsciente, desencadeando uma sequência de aproximações, contaminações e perturbações ainda imprevisível. A ver o que acontece.