2017 na arte de Brasília: reencontros e reinvenções da cidade
Para além das grandes mostras de artistas e franquias internacionais, a capital produziu muita coisa boa
atualizado
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Momento propício para dar uma olhada pela temporada 2017 e tentar entender um pouco do que se passa no campo das artes visuais do Distrito Federal. Para além das grandes mostras de artistas e franquias internacionais que estiveram na cidade em algum momento ao longo dos últimos doze meses, convém lançar um segundo olhar para as criações do próprio DF.
Nesse sentido, o Museu Nacional Honestino Guimarães reafirma sua vocação e segue a magnetizar toda a cena ao seu redor. No meio do ano, abriu as portas para artistas de rua numa tentativa de arejar as noções de arte canônica e arte contemporânea. Na sequência, aproveitando os ares plúmbeos de 2017, revisitou a arte brasileira que carrega intenções e dimensões políticas. No fim do ano, acolheu a coleção do advogado brasiliense Sérgio Carvalho e assim legitimou uma arte que não é só feita em Brasília e circula pelos espaços culturais de Brasília como também pode ser reconhecida, estimada e adquirida pelos próprios brasilienses.Dentro do circuito de galerias independentes, soa auspiciosa a mudança da Referência Galeria de Arte novamente para uma loja maior, na comercial da 202 Norte. Ainda mais promissora foi a abertura do “Projeto Fuga”, parceria da Alfinete Galeria com o ateliê de Valéria Pena-Costa, na QI 26 do Lago Sul, em busca de novas dinâmicas de exposição.
Semelhante ideia de levar a experiência da arte para diferentes mediações, perseguindo propostas expositivas menos ortodoxas, está nos planos da nova diretoria da Casa da Cultura da América Latina, uma extensão da Universidade de Brasília em pleno Setor Comercial Sul, que assim tenta se reinserir como protagonista no circuito das artes.
Isso dito, podemos dar um pequeno passeio pela ladeira da (recente) memória, revisitando de leve algumas das exposições da temporada que passou…
Professora da UnB ao longo de quase três décadas, a carioca Bia Medeiros mudou definitivamente o panorama da arte brasiliense à frente do coletivo Corpos Informáticos, fazendo com que seu pensamento multidisciplinar e sua política do corpo reverberassem por vida e obra de várias safras de alunos-artistas.
Uma carreira devidamente celebrada no mês de junho. Enquanto o Museu Nacional recebia a retrospectiva “Corpos Informáticos: 25 anos”, dedicada ao registros de performances do grupo, a Alfinete Galeria apresentava “Per-fura, Per-muta, Per-verte”, um apanhado do trabalho individual de Bia Medeiros em desenhos, pinturas e performances.
Assim como acontece com Bia Medeiros, o Instituto de Artes da UnB funciona como um campo aberto para exercícios, ao mesmo tempo teóricos e práticos, muito propícios para a professora Karina Dias e seu grupo de alunos-artistas criarem uma linguagem em comum.
Com mais de vinte anos de produção individual, pela primeira vez Karina pôde apresentar uma mostra reunindo variadas vertentes e fases de sua carreira. Aberta em outubro na Caixa Cultural, “Tempo Paisagem” valeu como rara oportunidade para o público brasiliense conhecer mais detidamente o pensamento estético que fez Karina Dias se tornar uma das artistas mais influentes da cidade.
Ana Miguel foi personagem ímpar para a cultura brasiliense na virada dos anos 1990 para 2000. À época, fazia mestrado em filosofia na UnB, enquanto se espalhava entre as artes cênicas (trabalhando com os Irmãos Guimarães) e as artes plásticas (formando o coletivo Gentil Reversão com Elder Rocha, Gê Orthof, Ralph Gehre, Chico Amaral e Marília Panitz).
De certa forma, portanto, a instalação “Eu Sou uma Árvore com Raízes Muito Antigas”, erguida em outubro na Alfinete Galeria, pode ser entendida como uma espécie de volta ao lar. É bastante sintomático que esse trabalho inédito da carioca Ana Miguel parta justamente de suas memórias pessoais.
Há tempos que a arte contemporânea vem colocando em xeque a questão do espaço expositivo convencional e todas as limitações intrínsecas a esse formato. Como uma alternativa ao ambiente de galeria, o “Projeto Fuga” se desenvolveu em três sucessivos movimentos ao longo da temporada 2017.
Ocupando o ateliê de Valéria Pena-Costa e transbordando pelos jardins da casa, o galerista Dalton Camargos e a artista Luciana Paiva propuseram uma dinâmica em que diferentes realizadores se alternavam — muitas vezes sobrepondo os trabalhos de uns aos dos outros.
Em cartaz no Museu Nacional até 25 de fevereiro, a mostra “Contraponto” apresenta um recorte de 420 peças feito pela curadora Tereza de Arruda sobre a vasta coleção de arte contemporânea formada pelo advogado brasiliense Sérgio Carvalho ao longo de 15 anos.
Carvalho se tornou personagem fundamental da cena artística da cidade ao se interessar — especialmente — por criadores locais, inclusive por aqueles jovens valores que despontam no circuito. De modo que a coleção de Carvalho mantém, aqui na cidade, um rico acervo de artistas brasilienses de diferentes gerações, todos ainda em plena atividade, como João Angelini, Camila Soato e Elder Rocha.
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, Athos Bulcão e Burle Marx. Falta ainda um quinto nome nesta lista de pais fundadores da arte brasiliense em meio século de capital federal. O nome do baiano Rubem Valentim (1922-1991). Ele nunca foi comissionado para ter uma obra pública em Brasília, mas aqui viveu por três décadas — ensinando arte para uma ou duas gerações de brasilienses.
De tal forma que a mostra “Construção e Fé”, recebida pela Caixa Cultural em abril, valeu como reencontro com um antigo conhecido. Para tanto, o curador Marcus de Lontra Costa apontou a espacialidade das peças de Valentim, fruto de sua vivência brasiliense, ao mesmo tempo em que evidenciou o inesgotável diálogo do artista com a religiosidade de matriz africana, aspecto esse que por si só já garante por agora e por mais um bom tempo a urgência e a permanência de Rubem Valentim.