metropoles.com

Perigo de gol: o jogo das emoções na Copa do Mundo

Chegará uma Copa do Mundo que ganhar ou perder não fará diferença e só importará o congraçamento entre os povos. Só que ela ainda não chegou

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Christopher Furlong/Getty Images
17.06 – perigo de gol foto 4
1 de 1 17.06 – perigo de gol foto 4 - Foto: Christopher Furlong/Getty Images

Assim como acontecia com meu grande ídolo Nelson Rodrigues, posso dizer que minha memória é um chão todo juncado de clássicos e peladas fenecidos. Volto aos meus cinco anos de idade. O ano era, claro, 1982. Encontro as poucas memórias que sobreviveram à hecatombe da amnésia infantil encobertas pelo denso nevoeiro do olvido. Em meio à imprecisão do quase esquecimento, surpreendo genuínas lembranças daquele mundial. Sendo absolutamente sincero, essas lembranças hoje calam fundo no âmago do meu espírito de torcedor, de modo que não poderia dizer se são memórias reais, de quem as viveu, ou memórias falsas, implantadas pela cultura e pelos vídeo tapes.

Em todo caso, são minhas. Memórias inalienáveis dos caras de 1982, uma das maiores — quiçá a maior — equipe de futebol de todos os tempos. O sentimento, o único possível, que nutro em relação a Copa de 82 é a Gratidão. Sou grato àquela Seleção e àqueles caras pelo seu legado histórico. A marca indelével que insculpiram nos anais do esporte, em muitos casos, transcende até mesmo aquilo que o sempre irascível e exigente torcedor brasileiro de fato merece.

E se, para mim, o sentimento de 1982 é gratidão, 1986 é a Copa da incompreensão. Ainda resta muito que não foi resolvido daquele duelo contra a França de Platini, meu primeiro verdugo francês. Aos meus nove anos, era incapaz de entender as variadas acepções da competição esportiva. Não importava o rival, se por algum motivo o meu time era o Brasil, ele deveria (e só poderia) vencer. Vencer sempre. Vencer a qualquer custo. Qualquer derrota para qualquer outra seleção — como acabou acontecendo — não respeitava a lógica simples fundada no meu inocente ego infantil.

Em 1990 reinou a indiferença. Algo me dizia que era inútil tentar ou lutar. Não havia possibilidade de vencermos ninguém, pois éramos apenas o fraco Brasil da era Dunga, condenado a vagar pela eternidade em meio às suas pequenas e medíocres ambições, tendo ainda que conviver com o peso de um passado glorioso incapaz de ser resgatado. A água batizada, a falta que o Dunga não fez no Maradona e o gol de Caniggia foram um gesto de piedade. Só encontramos o inevitável de uma maneira mais rápida, mas lá no fundo eu não estava nem aí. Aquilo era o mais esperado. Não foi indolor, mas não poderia me queixar que tenha me pegado desprevenido.

Mas logo chegou a Copa de 1994, carregando em seu ventre a certeza da fé. Naquele ano, tudo podia ser diferente. Se tinha alguém responsável por essa certeza absurda que todo mundo tinha de que seriamos tetracampeões, era o Romário. Ele era capaz de deixar e fazer a gente sonhar. Deu no que deu.

Ronaldinho

Quando chegou a Copa da França em 1998 essa confiança toda tinha sido potencializada pelo talento incrível de Ronaldo, então Ronaldinho. Nunca tive tanta certeza de que seríamos campeões do mundo. Minto, em 2006 e, também, em 2010 eu tive a mesma certeza. Mas essas foram as copas da arrogância. Nosso time era tão melhor que os outros que só poderíamos perder para nós mesmos. Isso era falso, como acabou demonstrando a França duas vezes, nas duas sob o comando de Zidane e a Holanda de Sneijder. A queda é sempre mais dolorida, quando se cai do pedestal do salto alto.

2014 foi ilusão. Depois de uma Copa das Confederações em casa, de uma goleada num grande rival na final, a gente achou que estava pronto pra tudo. Ledo engano. A ilusão virou aversão, bloqueio, trauma, não gosto nem de pensar nos 7 gols daquele fatídico 8 de junho de 2014.

Mas eis que 2018 nos reserva outra Copa do Mundo e muita esperança. Chegará talvez uma Copa do Mundo que ganhar ou perder não fará a mínima diferença e só importará o congraçamento entre os povos. Só que essa Copa não chegou ainda. Russia 2018 é uma Copa feita pra gente ganhar e deixar nosso ego escalar as alturas vertiginosas dos píncaros da glória mais uma vez. Já conhecemos essa escalada e o efeito do ar rarefeito que respiramos lá em cima. Ele nos faz imaginar que esse esporte foi feito para nós e que fazendo-o somos insuperáveis.

Não há sentimento melhor do que esse. Deixem-me senti-lo outra vez.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?