Chácaras vão perder área em Vicente Pires
GDF pretende utilizar parte dos terrenos para a construção de equipamentos públicos, como escolas e hospitais
atualizado
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Em meio à selva de pedra que virou Vicente Pires nos últimos anos, um resquício do cinturão verde, função original da região, permanece intacto. A missão de manter o local como colônia agrícola é levada a sério por alguns moradores que utilizam suas áreas para a produção de frutas e hortaliças. Eles estimam que, das 418 chácaras existentes no início, apenas 40 não foram parceladas. Para o GDF, o número é maior: 83. Porém, independentemente da quantidade, elas estão com os dias contados. Isso porque o projeto de regularização da RA obriga que parte das áreas das chácaras seja ocupada por equipamentos públicos, como hospitais, escolas e praças. Assim, só será permitido aos produtores comprarem, por venda direta, 2.500 metros quadrados de terra. Para se ter uma ideia, as propriedades têm até 40 mil metros quadrados.
A destinação de 10% da RA para a instalação dos equipamentos públicos é necessária para que o processo de regularização avance. É muito mais complicado para o GDF derrubar casas já existentes, construídas pelos invasores nos lotes parcelados, do que ocupar espaços verdes ou destinados a criações ou plantações. A decisão foi anunciada nesta terça-feira (8), quando o governador Rodrigo Rollemberg esteve na RA para assinar ordem de serviço autorizando obras de infraestrutura na cidade.
“Podemos ser punidos porque mantemos nossas chácaras. É um absurdo”, indigna-se o presidente da Associação de Chacareiros de Vicente Pires, Sebastião Machado, que cultiva plantas, frutos e flores ornamentais num terreno de quatro hectares.
É uma indignação total. Não pelo parcelamento em si, mas se vai parcelar que se faça de forma regularizada. Aqui se faz coisa de tudo que é tamanho e nada organizado.
Sebastião Machado, chacareiro
Além de hortaliças, a RA também produz vinho e tem até uma criação de pombos-correios, com aves que disputam torneios internacionais. Esses empreendedores resistiram à especulação imobiliária e não foram seduzidos pela possibilidade de enriquecerem com o parcelamento de suas propriedades.
A opção, entretanto, os colocou em confronto direto com grileiros, que vira e mexe tentam se apoderar de suas terras. “Já chegou gente me pedindo para ditar um valor que eles pagariam, mas não quero vender. Não há preço que pague o que eu construí aqui”, dispara Djair Bernardo da Silva, 77 anos, produtor de vinhos artesanais, frutas e hortaliças.
Vinho made in VP
“Só não produzo leite, sal e arroz”, conta o produtor Djair. Ele tem seu terreno árvores nativas do cerrado e centenas de parreira, sendo a primeira plantada em 1999. Dali, consegue fazer 20 mil litros de vinho tinto por safra. “Me falaram que era impossível, mas fui lá, topei o desafio. Comecei a fazer e consegui”, orgulha-se. A bebida é vendida a amigos e conhecidos. Quando não há a produção de uvas, como no atual período, Djair investe na produção de abóboras. A renda obtida da terra é complementada pela aposentadoria no valor de dois salários-mínimos (R$ 1.576).
Desde 1986 em Vicente Pires, o servidor público aposentado Luiz Carlos Coelho, 73 anos, produz mangas. Hoje, tem em seu terreno mais de 1.500 pés. Os filhos ajudam na administração do negócio. “Se nós recebemos a área para ser agrícola, temos que mantê-la. Quem parcelou a terra agrediu a lei. A agressão foi total e desenfreada, pois o governo fechou os olhos. Agora que 50 mil casas construídas, querem proibir derrubando aqui e ali. Deviam ter feito isso antes”, desabafa.
Pombo-Correio, voa depressa…
Na mesma linha de seus vizinhos está Walter Achilles, 67. Em Vicente Pires desde 1987, utiliza sua chácara para a criação de pombos-correio. “Vim pra cá acreditando no governo, que aqui sempre seria uma chácara, que era o meu sonho. Resisti, pois nunca vi esse local como fonte de dinheiro, mas como qualidade de vida para mim. Sempre gostei da natureza. Mas tem gente que não consegue ver isso. Em uma área vê que dá para construir um prédio de 28 andares, mas eu vejo que dá para plantar várias árvores’”, argumenta.
O advogado conta com mais de 100 pombos-correio. “É um negócio, vendo alguns filhotes, mas não sobrevivo somente disso”, explica. Sua paixão pelas aves vem desde criança, quando assistiu a documentários sobre a Segunda Guerra Mundial em que soldados conseguiram sair de uma emboscada graças às mensagens cifradas enviadas pelos pombos. Quando se instalou na chácara, decidiu por ampliar a sua paixão e se tornar especialista na arte. É o atual campeão mundial de columbofilia. Além das competições, utiliza os pombos como meio de comunicação: “Quando vou pescar, sempre levo um para informar aos meus familiares de que cheguei bem”.
O outro lado
Em nota, a vice-governadoria – responsável pelas administrações regionais – admite que está prevista a cessão das terras para a criação dos equipamentos públicos comunitários: “No processo de regularização, tocado pela Terracap, há a hipótese da cessão, por parte dos chacareiros, de parte das terras com a possibilidade de compensação com direito a um potencial construtivo maior ou o abatimento no preço proporcional à área cedida. É importante destacar que nenhuma decisão acerca desse tema específico foi tomada neste governo e a análise de outras variantes no processo de regularização está sendo feita com base no início das obras de infraestrutura da cidade e a conclusão do projeto urbanístico para finalizar a regularização das terras públicas”.
Ainda de acordo com a nota, “os chacareiros que efetivamente mantiveram suas chácaras sem parcelamento também serão chamados para o diálogo com o governo na construção da regularização das áreas”.
Por fim, a nota esclarece que “em governos anteriores não se observou a cautela e a importância de se preservar as terras públicas, com a conivência na não-fiscalização e punição aos grileiros. O vice-governador Renato Santana destaca a posição do governo de não tolerar novas invasões de áreas públicas e as ações sistemáticas no combate ao avanço da grilagem de terras em todo o Distrito Federal”.