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Empresário, sem-teto, artistas e traficantes na briga pelo Mercado Sul

Em Taguatinga, centro comercial construído na década de 1950 é alvo de pedido de reintegração de posse na Justiça

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Mercado Sul
1 de 1 Mercado Sul - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Construído na década de 1950, o Mercado Sul foi um dos primeiros centros comerciais do Distrito Federal. De lá para cá, o pungente endereço de pequenos comerciantes viveu momentos de decadência, até se transformar, mais recentemente, em um caldeirão cultural. Mas nem tudo são flores nas duas vielas grafitadas na QSB 12/13, em Taguatinga.

Uma disputa judicial pela propriedade do imóvel, que se arrasta há anos, favoreceu a ocupação irregular de vários boxes. A polícia também identificou atividade de traficantes de drogas no espaço, atraídos por algumas das festas realizadas no local.

O imbróglio judicial que trata do imóvel corre na Vara de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). O dono do Mercado Sul, o empresário Josmar da Costa, 68 anos, tenta a reintegração de posse. Com a escritura pública do espaço em mãos, ele conta que o empreendimento foi erguido pelo seu pai.

Não vamos entrar em acordo com invasores. Quero os imóveis de volta para que sejam alugados. Estou há mais de dois anos tendo prejuízo

Josmar da Costa, empresário

O local possui 56 lojas de dois andares e 94 boxes. De acordo com o empresário, pelo menos oito lojas e três boxes do centro comercial estão invadidos desde 2015. No dia 7 de fevereiro daquele ano, as unidades fechadas, que estavam à espera de interessados em alugá-las, foram ocupadas por integrantes do movimento cultural, trabalhadoras e moradores do Beco, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

“Reivindicamos as lojas abandonadas, ruínas ociosas que vêm ao longo de mais de 10 anos afetando a segurança e a saúde física, social, ambiental e cultural do Mercado Sul. Por acreditar que o direito de viver não deve estar submetido aos interesses da especulação imobiliária, que prefere os espaços fechados, decidimos ocupá-los e reabri-los com o propósito de recuperar mais um cantinho da cidade para a vida e convívio saudável e coletivo”, anunciaram no Facebook.

 

Josmar diz pagar cerca de R$ 50 mil por ano em impostos, como IPTU, e não quer abrir mão dos imóveis que foram ocupados sem sua permissão. “O que ocorreu foi uma ação de esbulho criminoso de uma propriedade particular urbana devidamente registrada e em dia com seus impostos”, denuncia, ao lembrar que o local é definido legalmente como área estritamente comercial.

Ao acionar a Justiça dias após a ocupação, ele conseguiu uma decisão favorável ao seu pedido de reintegração de posse. A juíza Thaissa de Moura Guimarães entendeu que o imóvel “foi efetivamente invadido” e determinou a saída do espaço em 48 horas, com uso de força policial, caso necessário. Porém, recursos impetrados pelos ocupantes ainda em análise suspenderam a operação de retirada.

Reprodução
Decisão da Justiça favorável ao empresário foi alvo de recursos

 

Tráfico de drogas
O Mercado Sul não é alvo apenas de uma batalha travada nos tribunais. O espaço entrou na mira das polícias Civil e Militar. De acordo com investigações conduzidas pela Seção de Repressão às Drogas (SRD) da 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro), traficantes que atuam na cidade estão de olho no público de festas – que chegam a reunir 500 pessoas – que ocorrem no local.

Nos últimos 12 meses, 11 traficantes foram presos atuando nas vielas. Os criminosos costumam usar canteiros, árvores e buracos nas paredes para comercializar as drogas. Durante duas semanas, a reportagem do Metrópoles acompanhou a movimentação do tráfico no espaço. À luz do dia e sem preocupação, o comércio de drogas no Mercado Sul ocorre sem sobressaltos.

 

Espaço alternativo
Para muito além dos problemas, comuns em qualquer centro urbano, o mercado é conhecido também como Beco da Cultura. É hoje um ponto de convergência de artistas que ali fixaram residência e trabalham.

Por trás das fachadas grafitadas, encontram-se ateliê de costura, oficina de construção de instrumentos musicais e móveis e teatro. Há também abrigo para talentos vindos de vários cantos do Brasil. A economia solidária movimenta as duas vielas.

Abder Paz, militante do movimento cultural Mercado Sul Vive, defende a ocupação. Ele diz que há mais de 20 anos o local é um celeiro de artistas. “Muitas lojas ainda são alugadas, mas as que foram ocupadas há dois anos estavam vazias havia duas décadas”, argumenta. Ele acredita que o movimento e as festas serviram para revitalizar o local.

Cultura e arte são ferramentas de transformação social. Passamos a ocupar um lugar que estava abandonado. Nós colorimos e limpamos o espaço, revitalizamos o mercado.

Abder Paz

“Cultura não é apenas a capacidade de reunir conhecimento; também envolve hábitos diários”, argumenta. Para o artista, “a circulação de pessoas deixa o local mais seguro e menos perigoso por conta das atividades que movimentam o espaço”.

Abder ressalta o caráter cultural das festas, mas reconhece alguns exageros. No entanto, garante que o principal problema já foi solucionado. “Há algum tempo, havia um bar aqui que promovia muitas festas, que realmente traziam muitos transtornos à comunidade. Mas isso acabou”, garante.

Em diversos vídeos no YouTube, por exemplo, é possível ver registros de eventos culturais realizados no local, com crianças e famílias se divertindo. O militante afirma que os coletivos estão em contato permanente com o Governo do DF “para manter um diálogo amistoso com relação ao direito de permanência no Mercado Sul”.

 

Reclamações
Nem todos, entretanto, pensam da mesma forma que Abder. Há 20 anos morando no Mercado Sul, Juvenal Reis afirma que o cenário de insegurança e abandono nunca esteve tão crítico.

 

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Juvenal Reis mostra detalhes da deteriorização

 

Segundo ele, o tráfico de drogas, o consumo de bebidas alcoólicas e festas deterioraram o espaço e afastaram os clientes das lojas que tentam sobreviver no local. “Hoje, temos uma comunidade totalmente refém de invasores. Tenho algumas quitinetes na rua e não consigo alugar. Tem gente fazendo sexo na calçada”, reclama.

O serralheiro José do Carmo possui um comércio há 17 anos no Mercado Sul e defende a retirada dos ocupantes. “Passamos a conviver com medo, pois os traficantes não deixam as nossas ruas. Quando a polícia passa, eles desaparecem. Mas basta a viatura sair que eles retornam”, afirma.

 

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José do Carmo reclama de tráfico de drogas no local Felicciano/Metrópoles

 

Negociação
A reportagem entrou com contato com o subsecretário de Movimentos Sociais e Participação Popular do GDF, Acilino Ribeiro, para falar sobre a negociação envolvendo a ocupação no Mercado Sul: “Temos conhecimento do problema e vamos negociar para tentar resolver a situação da melhor maneira possível”. Porém, não quis adiantar quais seriam os termos desse acordo.

No mês passado, o próprio governador Rodrigo Rollemberg (PSB) esteve no Mercado Sul e se reuniu com os ocupantes do espaço. Na ocasião, o socialista revelou que o desejo do GDF é que todos os eventos culturais realizados nas duas ruas sejam organizados em consonância com órgãos como a Administração Regional de Taguatinga e a Agência de Fiscalização (Agefis).

 

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O mercado visto de cima

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Rollemberg afirmou que a ideia é encontrar mecanismos para dar tranquilidade aos eventos promovidos por artistas e produtores, porém, sem atrapalhar a vida de quem mora e trabalha no local.

A intenção é alavancar esse lugar, que já é reconhecido pela comunidade como um importante ponto cultural.

Rodrigo Rollemberg

O governador prometeu discutir soluções dentro da legalidade que atendam ao interesse público e à reivindicação da comunidade: “Vamos reunir todos os agentes do governo e estudar os procedimentos oficiais que podemos adotar. Em vez de criar dificuldades, a intenção é alavancar esse lugar, que já é reconhecido pela comunidade como um importante ponto cultural.”

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