Sem a sustentabilidade e o planejamento prometidos, Noroeste se desvalorizou
Lançado para ser um bairro sustentável, Noroeste está longe de ser o que foi planejado. Imóveis desvalorizaram quase 30%
atualizado
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O Noroeste era uma promessa de bairro planejado, ecológico e com infraestrutura completa quando foi lançado em 2009. “Um privilégio para poucos”, anunciou o governo à época. Depois de seis anos, a realidade é bem diferente. O sonho de viver em um local verde e sustentável ficou apenas no imaginário dos moradores. De tudo o que estava previsto – rede elétrica subterrânea, painéis de energia solar, paisagismo, coleta de lixo a vácuo, ciclovia e o Parque Burle Marx em plenas condições de uso – pouca coisa se concretizou.
O que há de ecológico e sustentável, atualmente, são apenas elementos isolados. As promessas de benfeitorias, que seriam únicas no Distrito Federal, nunca foram alcançadas. Serviram apenas para turbinar os preços dos imóveis, que chegaram às alturas. O metro quadrado dos apartamentos e lojas da região custaram mais de R$ 14 mil.Agora os imóveis são vendidos por menos de R$ 10 mil o metro quadrado – uma redução de 28,57%. O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), Hermes Alcântara, justifica a situação. “A demora na conclusão das obras de infraestrutura e na implementação do projeto do bairro verde veio junto com a crise econômica”, defende.
Frustração
Para quem escolheu morar no local, o prejuízo financeiro é o que menos importa. Seria esquecido caso os 8 mil moradores do setor não tivessem que lidar com problemas básicos de infraestrutura. Só há calçada na rua do comércio. Não existem pontos de paradas de ônibus. Quem depende do transporte coletivo não tem sequer uma sombra para se proteger do sol e da chuva nessas paradas. Além disso, é preciso caminhar bastante até elas.
“Não estou pedindo algo faraônico, embora nos tenha sido prometido, mas uma infraestrutura básica”, lamenta a funcionária pública aposentada Myriam Hage, 65 anos. Morando há dois anos no setor, Myriam não se diz arrependida pelo investimento, mas diz que ainda há muito a ser feito. E dá um exemplo: a conclusão do Parque Burle Marx.
O local possui hoje apenas seis trilhas para caminhada. A assinatura da ordem de serviço para instalação da iluminação pública será firmada somente após a realização de ajustes de ordem ambiental. O projeto do espaço de lazer também se distanciou muito do apresentado inicialmente aos moradores. A proposta atual limita-se à construção de ciclovias, calçadas e quadras de esportes em uma área que corresponde a um terço do espaço total do parque.
Uma consulta pública sobre o Parque Burle Marx está disponível no site do Ibram. A ideia é que a população envie sugestões e comentários até o dia 10 de outubro. Na página, encontra-se o estudo preliminar e a memória do plano de ocupação do local.
Mônica Marcolino, 22 anos, trabalha em uma padaria do bairro e precisa caminhar cerca de 3km para chegar ao serviço. O caminho, repetido de segunda a sábado, exige muito. Ela mora em Sobradinho, desce na W3 Norte e percorre um trajeto de quase meia hora pelo parque Burle Marx. Na volta, consegue carona até a um ponto. Mônica sai às 21h30 e não se arrisca a caminhar sozinha nesse horário.
Apenas uma linha de ônibus percorre a avenida principal, de segunda a sexta. O Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) confirma que, no momento, a linha 116.2 circula pela área, e que os horários em dias úteis atendem satisfatoriamente à demanda. A rota contempla a Rodoviária do Plano Piloto, a W3 Norte e a L2 Norte. No projeto original, a promessa era disponibilizar transporte público diário para localidades externas ao Noroeste, na avenida W7, de forma a garantir um número mínimo de 350 viagens.
Manual verde
Enquanto os moradores reclamam, o GDF continua a prometer que o Noroeste será, algum dia, uma cidade-parque. Quando questionada sobre os investimentos já realizados no setor, a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) afirma que só irá divulgar valores após a conclusão de todas as licitações e obras. A mesma resposta é dada sobre o que foi arrecadado com a venda das projeções no local.
As construtoras, por sua vez, instalaram equipamentos que “tornassem” o bairro sustentável: janelas grandes para aproveitamento da luz natural, sistema pneumático para facilitar a coleta seletiva do lixo, aquecimento dos chuveiros por energia solar, sistema de captação e reaproveitamento de água. Exigências que constam no Manual Verde do Noroeste, editado pela Terracap. “O GDF cobrou que o manual fosse cumprido”, comenta o diretor de Desenvolvimento Imobiliário da Via Engenharia, Frederico Martins.
Com esses pré-requisitos, o Noroeste garantiria um selo de certificação de sustentabilidade ambiental, o Leadership in Energy and Environmental Design (LEED). O documento é dado aos projetos que unem bem-estar, ações para a comunidade e, principalmente, a redução ou eliminação dos impactos ambientais. O que se vê na região hoje é que os 280 hectares de cerrado onde está o bairro, com fauna e flora ainda intactas, se transformaram em algo muito diferente do planejado.
“Não desistimos do bairro verde”, afirma Antônio Custódio Neto, 36 anos, presidente da Associação dos Moradores do Noroeste (AMNOR), terceira pessoa a chegar ao bairro, em janeiro de 2013. Em cada edifício, os síndicos são responsáveis por orientar e conscientizar os residentes sobre a importância de separar o lixo. Para evitar a poluição visual, as faixas amarelas de anunciantes são prontamente retiradas.
No projeto original, eram previstos espaços abertos (praças e parques) perto das áreas residenciais e de comércio. No entanto, o Metrópoles encontrou apenas um parquinho público para crianças em toda a área do empreendimento. Detalhe: a construção foi feita com dinheiro de moradores. Sem muitas esperanças, eles, os comerciantes e as construtoras criaram uma câmara comunitária para interagir com o poder público e cobrar as promessas feitas em 2009. Quem sabe…