Iphan flexibiliza normas de ocupação em áreas de Brasília e desagrada
Normas autorizam construções na orla do Lago e comércio na Esplanada dos Ministérios. Grupos discordam de medidas e ameaçam entrar na Justiça
atualizado
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Portaria publicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que estabelece novas regras de uso e ocupação da área tombada de Brasília, está sendo questionada por várias entidades do Distrito Federal. Entre as modificações estão a permissão para a construção de condomínios residenciais na orla do Lago Paranoá e para o funcionamento de pequenos comércios e serviços na Esplanada dos Ministérios. A norma também autoriza a criação de lotes no Eixo Monumental e a ocupação por outras atividades de áreas nas entrequadras do Plano Piloto, destinada, por exemplo, a clubes de vizinhança.
Entidades como o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG), Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), Conselho Comunitário da Asa Sul, Frente Comunitária de Preservação do Sítio Histórico de Brasília e Distrito Federal, Associação Ecológica Parque das Sucupiras e representantes de prefeituras de quadras do Plano Piloto ameaçam ir à Justiça caso o Iphan não revogue a portaria.De acordo com eles, a norma “é considerada conflitante com a legislação de proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília e com instrumentos de planejamento e controle de uso do solo”. O grupo não poupa críticas. De acordo com o manifesto, as normas são “mais abrangentes e permissivas”, o que vai contra a posição da Unesco que, em 2012, “mostrou-se contrária sobre possíveis alterações de uso nas entrequadras, eventos na Esplanada e condomínios residenciais na Orla do Lago, entre outros pontos.”
De acordo com manifesto do grupo divulgado pelas redes sociais, o texto “apresenta, ainda, expressões imprecisas que dificultam o entendimento e suscitam interpretações subjetivas, especialmente com relação aos usos permitidos. Ao detalhar os critérios de intervenção, promove alterações de usos e gabaritos (com o aumento de um pavimento, em geral) em diversos setores. Em alguns setores, as alterações são contrárias à preservação e, em todos os casos, exigem precedentemente, estudos técnicos de impacto ao meio ambiente e de vizinhança.”
A Portaria 166 foi publicada no último dia 13/5 e estabelece normas complementares à Portaria 314/1992, que prevê as regras fundamentais para o tombamento de Brasília como Patrimônio Mundial da Humanidade. Na avaliação das entidades, o Iphan não teria competência para publicar o documento, principalmente porque “não houve publicidade ou qualquer tipo de participação da comunidade no processo de elaboração da portaria”, uma exigência constitucional.
Nova realidade
Para o Iphan, entretanto, o documento foi produzido em consonância com a realidade da cidade, que não pode ficar engessada ante o seu crescimento. O órgão garante que nenhuma das medidas ameaça o tombamento de Brasília. A intenção seria criar uma possibilidade de desenvolvimento organizado da capital do país: “Trata-se de um instrumento de ação complementar à Portaria 314/92, com racionalidade técnica e jurídica suficiente para respaldar o processo de preservação do conjunto tombado, haja vista os desafios que lhes são inerentes”, destaca.
E defende a proposta: “Tem-se consciência que boa parte do que se propõe integra o ideário preservacionista construído por diversos profissionais que se dedicaram a estudar Brasília ao longo de sua história. Coube ao Iphan sistematizar esses estudos, fazer a leitura crítica de suas proposições e construir uma proposta normativa atualizada, próxima da realidade urbana da área tombada e das questões cotidianas que envolvem a sua preservação”.
Evidentemente, o desafio que Brasília nos impõe no campo preservacionista não se resume à instituição de normas para a área tombada. A questão é mais complexa e nos exige novas abordagens, novos instrumentos e novas práticas de gestão, sobretudo uma leitura do conjunto tombado para além de sua condição patrimonial.
Iphan
O instituto criado para preservar o patrimônio nacional destaca que é preciso incorporar a dimensão urbana de Brasília, “posto que sua espacialidade, dinamismo socioeconômico e condição de 4ª metrópole nacional não podem ser ignoradas.”
PPCUB
Segundo protestam as entidades, a portaria do Iphan traz alterações previstas na antiga proposta de alteração do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), que acabou suspensa devido, justamente, a essas reclamações.
A Secretaria de Gestão do Território e Habitação reconhece que houve participação da sua equipe na elaboração da portaria. Porém, destaca que a publicação das normas é responsabilidade do Iphan e que a nova proposta do PPCUB está em elaboração pela pasta.
Veja os pontos questionados pelo grupo na portaria publicada pelo Iphan:
- Altera o uso das entrequadras para usos diversificados relacionados às características essenciais da escala residencial, excetuando o uso residencial e industrial, com redação imprecisa que permite interpretações subjetivas. Consta proposta similar na minuta do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB).
- Nas superquadras sul e norte, estabelece o uso residencial multifamiliar como predominante e acrescenta prestação de serviços, em redação imprecisa.
- Altera o uso residencial unifamiliar exclusivo dos setores SHIGS e SHCGN (Quadras 700) e do Cruzeiro Velho, passando a considerá-lo como uso predominante, sem restrições quanto a demais usos.
- Altera o uso de clubes para hotéis no Trecho 4 do Setor de Clubes Sul, que darão lugar a condomínios residenciais fechados na orla do Lago Paranoá.
- Admite a construção de estacionamento no subsolo do canteiro central do Eixo Monumental, na Esplanada dos Ministérios, com restrições.
- Permite o desmembramento e a criação de novos lotes destinados a equipamentos culturais e de uso público, no Eixo Monumental entre a Praça do Cruzeiro e a EPIA.
- Altera o uso dos lotes do Instituto Nacional de Meteorologia (Inemt), da Companhia Energética de Brasília (CEB) e da Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (Caesb), no Setor Sudoeste, mantendo o uso institucional como predominante e acrescentando atividades de apoio e prestação de serviços; permite o reparcelamento do lote do Inmet e define os parâmetros urbanísticos para novos lotes.