Alícia, a menina que pediu festa de caminhão de lixo ao lado de garis
Em Planaltina, a pequena de quatro anos surpreendeu a família ao querer comemoração especial de aniversário e deu exemplo de solidariedade
atualizado
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Em 2012, uma pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com trabalhadores do setor de limpeza revelou que eles são considerados “invisíveis” pela maioria da população. Mas na Quadra 35 da Avenida São Paulo, no Setor Tradicional de Planaltina, essa não é a realidade dos garis. Muito pelo contrário. Eles são tão queridos que a pequena Alícia Lara, de apenas quatro anos, resolveu comemorar o aniversário dela com uma festa temática de “caminhão de lixo”. E os amigos da coleta estavam entre os convidados.
A família de Alícia, que planta soja na área rural da cidade, entrou no clima. A decoração foi toda baseada nas cores dos uniformes dos trabalhadores, laranja e verde. A menina estava uniformizada, assim como alguns de seus parentes. O pai mandou até fazer um carrinho de recolher lixo de “mentirinha” para a festa, que ocorreu na noite deste sábado (2/9), na casa da avó dela, no mesmo setor.
O ponto alto da comemoração foi quando um caminhão passou para recolher o lixo e a garota, uniformizada, levou “lembrancinhas” e doces para os garis e os convidou para o aniversário. “Eles são meus amigos”, repete a menina “do caminhão do lixo”, como ela mesma se intitula.
Márcia Caetano contou ao Metrópoles que a neta tem um carinho especial pelos trabalhadores. “Todos os dias, fica na janela do apartamento esperando o caminhão passar. É a maior festa. Às vezes, desce e corre na rua com eles. O pai dela compra pizza e ela come na calçada com eles”, lembra.
Após o susto inicial e algumas tentativas sem sucesso de mudar o tema da festa, os pais de Alícia se renderam ao desejo da filha. As avós foram envolvidas. Todos participaram ativamente da confecção da decoração, das fantasias e lembrancinhas, já que não encontraram em lojas produtos que pudessem ser aproveitados. “Entramos no clima e até usamos material reciclado”, disse Márcia.
O pai, o engenheiro agrônomo Juliano Muller, também ganhou um uniforme especial de lixeiro. E a mãe, Mariana Allana, correu atrás de materiais e ideias que pudessem garantir uma decoração especial. Já a outra avó, Elisa Muller, ficou responsável pela confecção dos uniformes.
Exemplo
O capricho da neta virou sinônimo de solidariedade. A menina foi elogiada pelos vizinhos por conta da iniciativa de homenagear trabalhadores que muitas vezes são ignorados pela população. A pesquisa do Dieese, citada no início desta reportagem, mostrou que uma em cada quatro pessoas que trabalham com limpeza sofreu discriminação. Entre os garis, são 42%.
“É muito bonito ver a minha neta, em um mundo tão preconceituoso, desenvolver uma relação de afeto e amizade com esses trabalhadores”, destacou Márcia Caetano.
O gari Sebastião Alves, 32 anos, não tem escala em Planaltina. Mas ao saber da festinha de Alícia, ficou emocionado. “Realmente, na maioria das vezes fazemos um trabalho solitário. As pessoas sequer sabem o nosso nome, não perguntam se estamos bem, se precisamos de alguma coisa”, lamentou. Para ele, a “menina do caminhão de lixo” é um exemplo para toda a sociedade.