Igrejas invadem áreas públicas do Sol Nascente
Líderes religiosos aproveitam ausência de fiscalização para erguer os templos irregulares. Em apenas uma quadra o Metrópoles identificou nove deles
atualizado
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Quem ousaria derrubar a Casa do Senhor? Convictos de que ninguém seria capaz de violar um “território sagrado”, líderes religiosos criaram uma indústria de igrejas para justificar invasão de área pública. O endereço preferido dos invasores que agem em nome de Deus é o Sol Nascente, em Ceilândia. Só em uma das quadras do bairro, na QNR 1, o Metrópoles visitou nove templos. Nenhum deles tem licença de funcionamento.
Como nas liturgias, padres e pastores seguem um ritual para invadir em favor do Todo Poderoso. Primeiro, o lote é cercado, e, em questão de dias, ergue-se um galpão de alvenaria. Depois é só batizar o lugar com um “santo nome” e atrair o rebanho. Na Casa da Oração, por exemplo, é uma faixa de pano que indica a vocação religiosa do lugar.
Em 25 de agosto, uma terça-feira à noite, a equipe do portal esteve na Labareda de Fogo. Quem comandava o culto evangélico era uma menina de 15 anos, sob a supervisão do pastor Jonas Braga, de 26. Enquanto entoava trechos do Apocalipse, 12 fiéis faziam a genuflexão (ato de dobrar-se). Questionado sobre a propriedade do local, o pastor responde rápido e sem qualquer preocupação:
Vimos o lote vazio e resolvemos ocupá-lo. Aproveitamos o espaço para espalhar a mensagem de Deus.
Jonas Braga, pastor
Em frente à Labareda de Fogo, uma outra opção para quem professa a mesma fé: a Comunidade Profética. Depois que o culto começa, com quórum de apenas 15 pessoas, as portas se fecham e um pastor em êxtase faz o modesto grupo pular e orar.
Logo no conjunto A, da mesma QNR 1, uma Assembleia de Deus, onde se reúnem os evangélicos, fica de frente para a igreja Comunidade Espírito Santo, católica. Fora a vertente da fé, as estruturas são igualmente espaçosas, bem cuidadas e irregulares. “Todos aqui funcionam assim”, explica o diácono Francisco Fagundes, 47 anos.
Ainda que as igrejas estejam de portas abertas em situação irregular, nunca receberam uma visita da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). Além disso, esses edifícios não são de conhecimento da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), instituição responsável pelos terrenos públicos da capital.
Falha na fiscalização
Com a multiplicação das invasões, o GDF admite que vem falhando na fiscalização. Mas o vice-governador do Distrito Federal, Renato Santana, contra-ataca: “Um erro não pode justificar outro erro. Não importa a justificativa, é invasão”.
Para estancar essas irregularidades, ele explica que o GDF vem, desde janeiro, mapeando semanalmente todo o Distrito Federal a fim de descobrir quais as áreas estão fora da legalidade. Assim, a Agefis pode atuar sobre territórios que antes não contavam com qualquer tipo de fiscalização.
Quando constatada a existência de uma construção ilegal, o órgão fiscalizador realiza uma vistoria no lugar e concede um prazo de até 60 dias para regularizar a situação. Caso o problema continue, o órgão obriga a demolição do local em até 30 dias – e se, ainda assim, a derrubada não ocorrer de modo espontâneo, a Agefis cobra ao proprietário o custo da intervenção.
Reza difícil
De fato, obter uma autorização para colocar de pé um templo religioso é tarefa divina, já que não há terrenos destinados especificamente à atividade religiosa. Porém, isso não justifica as irregularidades. A última política voltada para este público ocorreu há seis anos, com a Lei Complementar 816/2009, que permitiu a regularização dos imóveis religiosos construídos até 2006. Desse modo, cerca de 45 templos e igrejas em Ceilândia se beneficiaram com a legislação.
De lá pra cá nada foi feito. “Além de não haver projetos atuais, a licença é expedida pelo governo de modo precário e impreciso”, afirma João Paulo Echeverria, 35, advogado da Arquidiocese de Brasília. “Percebemos aqui uma comunidade que precisa de apoio moral e assistencial, mas não temos dinheiro para custear todo o processo de autorização”, diz o diácono da Comunidade Espírito Santo.
Neste ano, nenhuma licença de funcionamento para templos religiosos foi expedida pela Administração Regional de Ceilândia, responsável pela documentação. “Muitas pessoas vêm aqui em busca de informação sobre o assunto, mas acabam não seguindo em frente”, diz Ester Oliveira, 37, diretora do setor de alvarás. Ela acredita que os interessados desanimam ao ver a quantidade de exigências necessárias para a obtenção do documento. “O processo é tão custoso e complexo que demora, no mínimo, dois anos para ser concluído”, explica.
A omissão do Estado aliada à burocracia e à falta de fiscalização são combustíveis que fomentam a indústria da invasão. Os templos e igrejas são construídos em terrenos sem documentação, formam seus fiéis e depois se beneficiam do constrangimento do governo em pôr abaixo a casa de Deus. E assim vão brotando da terra os templos e seus pastores.