Volta de subsídio no BNDES poderia afetar indústria de crédito privado
Gestores demonstram preocupação com o efeito “desorganizador” de uma eventual retomada da política de crédito subsidiado pelo banco público
atualizado
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A indicação de Aloizio Mercadante para o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está causando preocupação no mercado. Além do retrocesso representado na sinalização do governo de que voltará a indicar aliados políticos para o comando de estatais, há um risco implícito para o mercado de crédito.
Se Lula decidir reeditar o BNDES dos últimos governos petistas, o banco poderá voltar a ser provedor de juros subsidiados. O próprio futuro presidente tem falado abertamente da intenção de fortalecer o banco. O objetivo seria resgatar o papel do banco público como um dos financiadores de empresas e de projetos de infraestrutura, assim como ocorreu no passado.
Ainda que Mercadante tenha tentado amenizar o tom de Lula, dizendo que os financiamentos subsidiados e a política de “campeãs nacionais” ficaram no passado, o mercado enxerga o risco de a interferência política sobre o banco estatal representar um retrocesso para o mercado de crédito privado.
Após a saída do PT do poder, o BNDES passou por uma mudança radical. A política de juros subsidiados foi praticamente extinta, e os financiamentos tomaram um perfil direcionado. O tempo de auxílio às chamadas “campeãs nacionais” foi substituído por uma política de crédito para pequenas e médias empresas e para o custeio de projetos de infraestrutura, saneamento e inovação.
Fim da TJLP
Mais importante que isso, o banco deixou de adotar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) em seus financiamentos em 2018. Tal taxa era calculada pelo Banco Central e baseada em uma projeção de inflação futura somada a um pequeno “prêmio” que o BNDES cobrava para emprestar os recursos.
Como não estava diretamente atrelada à taxa Selic, que mede o custo de captação dos bancos privados, a TJLP representava um juro subsidiado – ou seja, o governo concedia o dinheiro a um juro menor do que o próprio custo de captação do Tesouro. Na prática, os contribuintes brasileiros financiaram tal política.
Na época, a carteira do BNDES foi fartamente abastecida por dinheiro do caixa público, o que tornava o banco o mais importante provedor de recursos do mercado. Poucos bancos conseguiam ser competitivos, uma vez que o custo de captação de dinheiro no mercado privado era maior.
A partir de 2018, as taxas de empréstimo do banco estatal passaram a ser atreladas à Selic, assim como acontece em toda indústria. Além disso, o Tesouro fechou a torneira de recursos para o BNDES.
A explosão do mercado de crédito privado
Os efeitos foram, primeiro, a redução da participação do banco estatal sobre a concessão de crédito privado, e, segundo, a entrada de novos competidores no setor.
Além de os bancos privados terem ampliado a distribuição de empréstimos, a chamada indústria de crédito privado explodiu. As próprias empresas que antes eram financiadas pelo BNDES passaram a emitir títulos de dívidas no mercado financeiro para custear seu crescimento.
O estoque de títulos de crédito privado, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures cresceu 200% desde 2018, quando a TJLP foi alterada.
“Hoje o mercado de títulos privados é muitas vezes maior que foi no período do PT. Se o BNDES entrar no mercado de maneira agressiva, poderá desorganizar uma indústria inteira que foi construída nos últimos anos”, avalia o economista André Perfeito.
Caso o banco estatal volte aos tempos de juros subsidiados, todos os títulos emitidos nos últimos anos terão um custo mais elevado do que os financiamentos do BNDES, o que poderia causar uma onda de inadimplência – afinal, se há crédito farto e barato no banco estatal, por que recorrer ao mercado financeiro?
Gestores de empresas que fazem a emissão dos títulos de crédito privado confidenciaram ao Metrópoles, sob condição de anonimato, uma profunda preocupação com a hipótese.
“Se o Mercadante abrir a torneira do crédito subsidiado, boa parte das emissões [de crédito privado] deixará de fazer sentido, uma vez que as empresas que mais captam recursos e que dão liquidez para o mercado são justamente as que eram atendidas pelo BNDES no passado”, disse um experiente gestor.
Ele cita os exemplos da Vale e JBS, duas das “campeãs nacionais” e que emitiram bilhões de reais em títulos no mercado financeiro após as mudanças na política do BNDES.
Para o economista André Perfeito, é papel do governo pacificar os ânimos do mercado e sinalizar, de forma clara, seu plano para os bancos públicos, antes que o risco de desorganização comece a afetar o setor.