Velocidade do gasto público já supera média histórica, diz economista
Márcio Holland, da FGV, afirma que as despesas do governo cresceram 8,7% neste ano, ante cerca de 6% registrados em anos anteriores
atualizado
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As incertezas sobre as contas do governo, o chamado o cenário fiscal brasileiro, voltaram à tona nos últimos dias. Prova disso, foram oscilações na Bolsa, atribuídas por analistas ao problema, e a retomada da menção do tema na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), que define a taxa básica de juros no país.
E por que esse assunto não dá sinais de trégua no país? É que a relação entre gastos e receitas públicas federais está para lá de torta – e cronicamente envergada para o lado negativo. Ao menos é essa a avaliação do economista Márcio Holland, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP FGV), exposta, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.
Qual a razão da retomada das preocupações com a situação fiscal do país?
Um dos principais motivos é que os gastos estão crescendo de maneira muito forte. De janeiro a julho deste ano, enquanto as receitas da União caíram 5,3%, as despesas saltaram 8,7%. E essa atual velocidade de crescimento das despesas é superior à média história, que gira em torno de 6%. Em resumo, os gastos aumentam, crescem mais do que as receitas e em ritmo mais rápido do que se via antes.
Esse ritmo de crescimento dos gastos deve se manter adiante?
A expectativa é que essa velocidade de 8,7% diminua com o tempo. O problema é que de julho a dezembro, o governo tem muitas despesas, como o 13º salário dos servidores, entre muitas outras. Por isso, a gente diz que, nas contas públicas, o segundo semestre é sempre maior do que o primeiro.
Quais são os outros problemas das contas públicas?
Os buracos que estão aumentando. As despesas com a Previdência Social seguem crescendo, a despeito da boa reforma previdenciária de 2019. Nesse caso, o déficit acelerou. Há um ano, ele estava em R$ 254 bilhões. Agora, foi para R$ 286 bilhões. Cresceu quase R$ 30 bilhões. E esse é um rombo adicional. Digo isso para mostrar que houve uma deterioração do déficit e não apenas um problema de corrosão da base fiscal, como diz o governo. É a despesa que está crescendo com, por exemplo, reajustes do salário mínimo.
Quais outros gastos avançam?
Muitos e eles crescem de forma crônica. Há vinte anos, os Benefícios de Prestação Continuada (BPC, que garantem um salário mínimo para portadores de deficiência e idosos) representavam 0,2% do PIB. Atualmente, estão em 0,8%. Por conta da corrida populista das eleições presidenciais de 2022, as despesas com o Bolsa Família e Auxílio Brasil saltaram três vezes, rumo a 1% do PIB. Em 2019, último ano antes da pandemia, esses desembolsos eram de R$ 33 bilhões. Em 2022, foram para R$ 88 bilhões. Em 2023, a previsão é que cheguem a R$ 145 bilhões. Nada mais legítimo do que gastos sociais, com transferência de renda às famílias mais pobres, em um país com um gigantesco abismo social. Mas como pagar essas contas que só crescem?
Como?
Em tese, com as receitas, mas, como já disse, elas estão caindo. Parte do rombo fiscal brasileiro está diretamente relacionado ao comportamento das chamadas receitas não recorrentes, com recursos provenientes de concessões e dividendos, por exemplo. Em 2022, elas aumentaram muito, somando R$ 133 bilhões. Mas, para esse ano, minha aposta é de uma frustração destas receitas em algo como R$ 70 bilhões ou mais. Junte-se a isso a queda das receitas vindas de impostos e temos o caos fiscal.
A arrecadação com impostos também está diminuindo?
A parte administrada pela Receita Federal, também chamada de receita tributária, que tem impostos como IPI, PIS Confins, está caindo R$ 14 bilhões neste ano, isso em termos reais. Ou seja, descontada a inflação.
E como o governo vai fechar as contas neste ano?
Não sei, mas, no fim do ano, talvez ele tenha de recorrer ao expediente de forçar o BNDES, a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Federal a entregar dividendos, como já aconteceu no passado. O problema é que isso pode comprometer o desempenho dessas companhias estatais. E seria tudo para mitigar o quadro atual, fazendo, como se diz, um puxadinho. Essa é a situação.
O temor do mercado é que a meta fiscal fixada para 2024, quando o déficit primário deve ser zerado, não seja cumprida. É isso?
Sim. E o déficit deste ano avança e vai ser carregado para o ano que vem. Ou seja, dependendo do tamanho do rombo de 2023, o buraco a ser tapado em 2024 será maior. Imagine começar o ano com um déficit de 1% do PIB. O esforço fiscal para zerá-lo vai ser muito grande. Como agravante, o governo conta com receitas para 2024, mas que não estão garantidas.
Como estão essas contas?
A estimativa é que o governo federal precise de R$ 168 milhões para entregar o resultado que prometeu, zerando o déficit. Mas, para chegar a esse valor, ele conta com receitas que não estão garantidas, como R$ 54,7 bilhões das mudanças no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ou R$ 35,3 bilhões de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre incentivos fiscais e coisas desse tipo. É muita arrecadação. E ela é muito incerta. Está voando, como passarinhos. Assim, tudo isso chegou a um limiar. Por isso, qualquer notícia sobre a questão fiscal vai despertar muita tensão nos próximos meses no país.
O senhor vê perspectiva de solução para o problema?
Difícil. O governo insiste em obter o resultado todo pelo lado da receita, que é incerta. Ao mesmo tempo, promove reajustes do salário mínimo, fala também em reajustar servidores, fazer novas contratações. O primeiro ano de governo deveria ser usado para consertar, arrumar os problemas, promover cortes de despesas. Não é o que está acontecendo. Por isso, o quadro fiscal vai ser um assunto permanente. O fato é que o aspecto mais importante do problema não está sendo resolvido, que é encarar a questão dos gastos públicos brasileiros. Ele está sendo, mais uma vez, adiado no país.