Veja as pautas-bomba que a nova presidente da Petrobras vai enfrentar
Para especialistas, as polêmicas que provocaram o choque entre o governo e o ex-presidente da empresa Jean Paul Prates continuam ativas
atualizado
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Jean Paul Prates foi demitido nesta semana do cargo de presidente da Petrobras por não atender – ou melhor, por não atender com a velocidade exigida – às determinações do governo em relação à empresa. Ao menos, essa é a opinião de dois especialistas em questões envolvendo a estatal ouvidos pelo Metrópoles.
Adriano Pires, que atua há mais de 30 anos no setor de petróleo e gás e é sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), e José Mauro Coelho, ex-presidente da Petrobras, entre abril e junho de 2022, na gestão Bolsonaro, observam, porém, que os entraves que minaram o comando de Prates continuam em aberto.
Nesse sentido, eles podem ressurgir como pautas-bomba na gestão de Magda Chambriard (foto em destaque). Pires e Coelho identificaram os principais temas que podem provocar tais ruídos, cuja origem, apontam ambos, está em interferências do governo na empresa, que despertam reações negativas no mercado. A lista inclui ao manos oito pontos.
1) Dividendos
Os dividendos são a parcela do lucro de uma empresa distribuída a acionistas. Neste ano, a Petrobras poderia repassar a seus investidores R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários – assim chamados porque são valores que estão além do mínimo obrigatório.
O Conselho de Administração da empresa, sob influência do governo, resolveu reter essa bolada – a decisão fez com que a petrolífera perdesse R$ 55,3 bilhões em valor de mercado em um dia. Depois de forte polêmica, um dos principais focos de desgaste de Prates, a solução encontrada foi distribuir metade do valor aos acionistas.
Pires e Coelho consideram que o atual impasse dos dividendos foi apaziguado, mas observam que ele tende a voltar. Mesmo porque o governo, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já se posicionou contra esses pagamentos. Ele defende que esses recursos sejam empregados em investimentos.
“O problema é que alguns desses aportes são duvidosos em termos de retorno para o acionista”, diz Coelho. “Mas o governo entende que são positivos para o país.” Daí, em grande medida, a origem do conflito.
2) Preço dos combustíveis
A elevação dos preços da gasolina e do diesel é um tema sensível a qualquer governo. Além da pressão inflacionária, ela pode afetar a popularidade dos políticos.
À frente da Petrobras – e em consonância com o governo –, Prates alterou a antiga política de correção desses valores com base no Preço por Paridade de Importação (PPI), que considerava a cotação internacional desses produtos.
Agora, o risco é que a empresa deixe de ganhar dinheiro ao manter uma diferença dos valores praticados no mercado interno, na comparação com os preços globais. Hoje, essa defasagem está em 5% para a gasolina e 3% para o diesel. Ela oscila, porém, a partir de fatores como o câmbio. Em 17 de abril, chegou, respectivamente, a 21% e 13%, segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
3) De volta ao refino
No início de maio, a Petrobras lançou uma licitação para a contratação de empresas que vão construir uma planta de lubrificantes e concluir a refinaria prevista no projeto original do Comperj, hoje rebatizada de Polo GasLub, em Itaboraí, no Rio de Janeiro.
As obras foram interrompidas em 2015, em meio ao escândalo da Lava Jato. Entre 2017 e 2018, a estatal decidiu abandonar a construção de unidades de refino e de lubrificantes do complexo. Desde 2008, quando as obras começaram, a Petrobras acumula um prejuízo de cerca de US$ 14 bilhões com o projeto.
No atual governo, a Petrobras também voltou a investir na retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O objetivo é construir uma segunda unidade de refino e ampliar a primeira já existente.
Grupos de especialistas, contudo, questionam não só o reinvestimento em obras polêmicas, mas a oportunidade – no caso, como estratégia de alocação de recursos – de o país investir no refino de petróleo.
4) Fertilizantes
A Petrobras também tem planos de voltar a atuar na área de fertilizantes. No mês passado, a empresa anunciou “medidas iniciais para a revitalização e futura retomada” das operações da fábrica Araucária Nitrogenados S/A, a ANSA. Ela fica no Paraná e está hibernada desde 2020. Há também o projeto de retomada das obras de outra unidade de fertilizantes em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul.
5) Retomada de ativos
A Petrobras informou em meados de março que havia avançado nas negociações para retomar sua participação nas operações da refinaria de Mataripe, na Bahia. A instalação é um antigo ativo da estatal e foi vendida ao fundo árabe Mubadala Capital em novembro de 2021, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Embora não seja uma retomada de ativo propriamente, também causou controvérsia um acordo fechado no fim do ano passado para produção de fertilizantes nas duas fábricas da Petrobras, em Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE), atualmente arrendadas pela Unigel, a segunda maior petroquímica do Brasil.
O valor total do contrato é de R$ 759,2 milhões. Uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, mostrou que o negócio pode resultar em um prejuízo de cerca de R$ 487 milhões para a estatal.
6) Reinjeção de gás
Adriano Pires acrescenta que outra fonte de desgaste da empresa, e que segue ativa, tem sido a reinjeção nos poços de petróleo de até 10% do gás natural produzido no Brasil. A Petrobras argumenta que utiliza o expediente por falta de mercado consumidor para o produto no país. O processo também auxilia a extração de óleo.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, manteve uma queda de braço pública com Prates em torno desse tema. Silveira cobrava a queda na reinjeção, o que permitiria que mais gás fosse destinado aos consumidores, o que reduziria o preço do produto.
7) Margem equatorial
Magda Chambriard, a futura presidente da Petrobras, já defendeu a exploração e produção de petróleo em águas profundas e ultraprofundas do pré-sal na Margem Equatorial, que se estende da Guiana até o Rio Grande do Norte. Mas o tema desperta polêmica por se tratar de uma região de grande apelo ambiental. Prates chegou a afirmar que o assunto foi usado para “desestabilizar a gestão da Petrobras” durante a sua permanência no comando da estatal.
8) Volta ao mercado de distribuição
Na avaliação de José Mauro Coelho, o governo já deu sinais claros de que gostaria de voltar a atuar no mercado de distribuição de combustíveis, que já foi dominado pela BR Distribuidora, privatizada no governo Bolsonaro. Para o ex-presidente da Petrobras, o mesmo desejo de retorno se aplica ao setor gás. Se esse interesse avançar, novas e mais agudas polêmicas também tendem a surgir.