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TST erra ao fixar vínculo entre app e entregador, diz professor da FGV

Para o advogado Paulo Renato Fernandes da Silva, decisões desse tipo criam insegurança no sistema jurídico e nas empresas

atualizado

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Imagem colorida do advogado Paulo Renato Fernandes da Silva, professor da FGV Direito, no Rio
1 de 1 Imagem colorida do advogado Paulo Renato Fernandes da Silva, professor da FGV Direito, no Rio - Foto: Divulgação

Neste mês, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e a Rappi, a empresa de delivery de comida. Na avaliação do advogado Paulo Renato Fernandes da Silva (foto em destaque), professor de direito na Fundação Getulio Vargas (FGV Direito), no Rio, a decisão foi “um ponto fora da curva”, que tende a causar “insegurança” sob vários aspectos.

Também em setembro, a Justiça do Trabalho condenou a Uber a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas cadastrados pela companhia no Brasil. Para definir essa decisão,  Silva vai um pouco além. Ele usa o termo “absurdo”.

Na essência, o professor da FGV Direito discorda do reconhecimento do vínculo empregatício entre as empresas de aplicativos e motoristas ou entregadores. Por que e o que ele recomenda que seja feito para avançar com regulamentação desse tipo de trabalho? É o que ele explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

O que o senhor achou da decisão do TST que reconheceu o vínculo de emprego entre um entregador e uma empresa de aplicativo, a Rappi?

Essa é uma dessas decisões ao arrepio da jurisprudência brasileira. Ela tem como objetivo causar uma insegurança jurídica para provocar alguma mudança. Tenta criar um precedente para reconhecer o vínculo de emprego entre aplicativos e trabalhadores, com base nos pressupostos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que é de 1943.

Que tipo de insegurança essa decisão provoca?

Insegurança no âmbito do direto, do sistema jurídico, e também do mercado e da sociedade. Isso desagrega, por exemplo, o posicionamento que vem sendo consolidado nos tribunais superiores.

Qual posicionamento e em quais instâncias?

No próprio TST, a maioria decisões existentes são contrárias a isso. Essa é uma decisão isolada. Ela vai contra, inclusive, manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF), que não reconhecem o vínculo empregatício desses trabalhadores.

Mas esse tipo de decisão se baseia no quê?

Essas decisões são tomadas por cabeças voltadas para o passado. Eu as chamo de conservadoras, querem manter tudo como era antes. Como se a empresa não pudesse terceirizar. Ocorre que o mundo de hoje é muito mais ágil. Essas pessoas acham que o Direito do Trabalho do século passado é capaz de regular as relações do século XXI. Não é. Como disse, a CLT é de 1943, da Era Vargas.

O senhor falou em insegurança para as empresas também.

Sim. Não se pode ter uma visão radical sobre as coisas. Aí, vem uma decisão fora da curva e acaba afastando investidores. Como outra decisão recente que estabeleceu uma multa de R$ 1 bilhão para o Uber. É um absurdo, é para gerar confusão e não para uniformizar a jurisprudência. A revolução tecnológica acabou provocando uma ruptura dentro da perspectiva clássica das relações de emprego. Criou, como dizem, a “plataformização” das relações de trabalho. Aliás, isso aconteceu com toda a sociedade.

Por que a CLT não pode ser usada para os trabalhadores de aplicativos?

A CLT foi moldada dentro de um script pré-determinado. Ela trata de relações de trabalho do tipo fordista. Um modelo no qual alguém manda, há um subordinado, existe horário, salário fixo. A nova configuração não se encaixa nesse formato. Com os aplicativos, os trabalhadores têm autonomia, desenvolvem outras atividades, trabalham quando querem, não há subordinação. Eles também podem atuar com diversos aplicativos.

Mas, hoje, eles estão desprotegidos. O que fazer?

Precisamos de uma legislação específica para esse modelo de trabalho.

Como seria essa lei?

Portugal, por exemplo, criou uma lei nova, em 2023. A legislação portuguesa acabou ficando num meio-termo. Ela estabelece que há uma presunção relativa de que esses trabalhadores são empregados. Mas essa presunção pode ser afastada em várias situações.

Em quais situações ela é afastada?

Quando não estiverem presentes elementos de vínculo de emprego, como horário e trajetos fixos, subordinação.

Como seria essa lei no Brasil?

Ela poderia caminhar no sentido da Lei 14.497, de 2022, que estabeleceu algumas regras para o trabalho dos entregadores durante a pandemia, como o uso de máscaras, álcool em gel, o direito de usar banheiros nos estabelecimentos comerciais. A legislação poderia estabelecer diretos fundamentais, além de definir tempos de descanso entre as jornadas de trabalho, seguro obrigatório e previdência.

O que mais poderia ser feito?

Os entregadores e motoristas também poderiam ser incentivados a formar cooperativas e a gerir aplicativos. Nesse caso, os trabalhadores virariam empreendedores.

O grupo criado em 1º de maio pelo governo federal para discutir a regulamentação do trabalho por aplicativo emperrou no tema remuneração mínima. Por que esse debate não avança?

Na prática, parte desse grupo trata a questão como se os entregadores e motoristas fossem empregados. Mas eles não são. Aí, um grupo vem com a ideologia de uma suposta proteção, mas que, na verdade, não protege nada. Ela desprotege. Se eles encarecerem demais os custos das empresas, essas pessoas não serão mais contratadas. É isso o que vai acontecer.

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