TRF-4 mantém suspensão da venda da Eldorado em disputa de R$ 15 bi
Desembargadores do TRF-4 mantiveram liminar que travou venda da Eldorado Celulose pela J&F ao grupo indonésio Paper Excellence
atualizado
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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu manter a liminar que suspendeu a transferência da Eldorado Celulose, pela J&F, para a empresa indonésia Paper Excellence.
Além de manterem a liminar, os desembargadores também suspenderam decisões de um tribunal arbitral que davam à Paper mais poder dentro da Eldorado em meio à disputa bilionária contra a J&F.
A decisão representa mais um capítulo de um negócio que terminou na maior briga societária da história do país — a disputa entre a Paper e a J&F pelo controle da Eldorado —, cujas cifras em jogo estão na casa de R$ 15 bilhões.
O TRF-4 se debruçou sobre uma ação movida pelo ex-prefeito de Chapecó Luciano Buligon (Republicanos) contra a concretização da transferência da Eldorado para a Paper sob o argumento de que o grupo estrangeiro passaria a ser detentor de terras brasileiras acima do limite legal para estrangeiros.
Em primeiro grau, a ação foi rejeitada pela juíza federal responsável pelo caso. Após recurso do ex-prefeito, o desembargador federal Rogério Favreto decidiu acolher um pedido liminar e suspendeu a compra da Eldorado, em julho de 2023.
“As provas constantes dos autos não deixam dúvida quanto à intenção de aquisição pela Paper Excellence, pessoa jurídica estrangeira, da totalidade das ações da Eldorado Brasil Celulose, proprietária de terras rurais, cuja aquisição por pessoa jurídica estrangeira deve observar os requisitos legais previstos na legislação”, disse Favreto na ocasião.
No julgamento da última terça-feira (9/4), desembargadores mantiveram a liminar e ainda tiraram poder da Paper Excellence sobre decisões relevantes para a condução da Eldorado Celulose.
Os magistrados suspenderam os efeitos de decisões de um tribunal arbitral em São Paulo que julga a disputa pelo controle Eldorado. Essas decisões haviam criado um “órgão de coordenação” na empresa, que dava poder de veto à Paper em grandes investimentos e tomadas de decisões.
Os desembargadores consideraram que elas davam à empresa indonésia a possibilidade de controle sobre a Eldorado, mesmo que ela não seja sua acionista majoritária.
A J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, trava uma disputa há anos contra a Paper Excellence para anular a venda da Eldorado, seu braço na produção de celulose.
A disputa começou em 2017, quando a controladora da J&F vendeu 100% da Eldorado para a companhia indonésia. A Paper chegou a comprar 49% da sociedade por R$ 3,8 bilhões. Na fase de conclusão do pagamento e da transferência da Eldorado, contudo, as empresas romperam.
O grupo brasileiro tentou, sem sucesso, uma vitória em uma câmara de arbitragem, uma espécie de tribunal privado, e há anos leva a briga para a Justiça. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a J&F busca anular o resultado da arbitragem e o negócio bilionário.
Em meio à disputa judicial, surgiu mais um componente: a questão das terras estrangeiras. Debates provocados por entidades e pessoas de fora da briga têm questionado que o negócio não poderia ser concluído porque o grupo indonésio não teve autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Congresso para ser dona de terras no país. Uma dessas ações foi esta movida pelo ex-prefeito de Chapecó.
A decisão do TRF-4 repercutiu em ambas as empresas. Na J&F, considera-se que ela destrava, por ora, o andamento de projetos da Eldorado — atualmente controlada pela empresa brasileira —, que antes enfrentavam o poder de veto da Paper — acionista minoritária, mas relevante — em grandes decisões.
Do lado da Paper, existe a preocupação com a interferência do TRF-4 em decisões arbitrais, prorrogando a briga. A avaliação da empresa indonésia é a de que a decisão do tribunal ainda não enfrentou o mérito da ação, no qual ela está otimista de que conseguirá revertê-la.
Procurada pelo Metrópoles, a J&F não se manifestou.
Em nota, a Paper Excellence afirmou que a decisão do TRF-4 que suspende a transferência da Eldorado “é ainda provisória” e que “a liminar voltará a ser apreciada no julgamento do mérito, quando será avaliado o recurso do autor da ação popular contra a sentença de primeira instância”.
“A juíza extinguiu o processo por entender que não continha os requisitos mínimos necessários para prosseguimento da ação popular, que deveria se restringir a situações de interesse público e não privado, como o que envolve a operação de venda da Eldorado. Caso os desembargadores concordem com os argumentos da Paper, o processo se encerra e a liminar perde o efeito”, afirma.
A empresa diz confiar que “o julgamento do mérito reconhecerá que seus reais interesses na transação da Eldorado envolvem um complexo industrial e não a aquisição de terras rurais” e que os desembargadores do TRF-4 identificarão que “a J&F está novamente instrumentalizando a Justiça, desta vez por meio de uma ação popular, para servir a seus interesses privados”.
A Paper diz ainda que “a decisão que impede o fechamento da operação de venda da Eldorado pode desencadear um efeito prejudicial de grande escala nos investimentos estrangeiros no Brasil, gerando incerteza e desconfiança entre os investidores internacionais”. A empresa sustenta que “não comprou terras em nenhum país onde atua” e que “sua trajetória de crescimento foi pautada pela aquisição de indústrias de papel de celulose em países estratégicos”.
“Portanto, sua atuação não depende da aquisição de terras e consequentemente não conflita com a legislação sobre venda de áreas rurais para estrangeiro e muito menos representa uma ameaça à soberania nacional”, conclui.