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Taxação de aposta esportiva e cassinos: o que vai mudar para quem joga

Especialistas avaliam que regulamentação do setor dá segurança jurídica e pode coibir fraudes. Governo espera arrecadar R$ 12 bilhões ao ano

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1 de 1 Imagem de telefone celular e bola de futebol sobre um teclado de computador, com notas de dinheiro ao lado - Metrópoles - Foto: Getty Images

No esforço concentrado do Congresso Nacional para chancelar, antes do fim do ano, medidas de interesse da equipe econômica e que tivessem potencial de aumentar a arrecadação do governo em 2024, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada de quinta para sexta-feira (22/12), o projeto de lei que regulamenta as apostas esportivas on-line, as chamadas “bets”.

As apostas de cota fixa são aquelas nas quais o apostador sabe exatamente, no momento da aposta, qual é a taxa de retorno. Em geral, são apostas relacionadas a eventos esportivos.

A matéria já tinha sido aprovada na Câmara, mas os deputados tiveram de analisar novamente o projeto após modificações feitas pelo Senado. O texto, que contou com 292 votos favoráveis, 114 contrários e uma abstenção, tributa empresas e apostadores, determina regras para a exploração do serviço no país e define a partilha dos valores arrecadados. O projeto deve ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias.

A medida era considerada peça importante do plano do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação federal a partir do ano que vem, uma das condições para que o novo Marco Fiscal elaborado pelo governo se torne efetivo. Estimativas da pasta indicam um potencial arrecadatório de cerca de R$ 12 bilhões por ano a partir de 2024.

A atividade estava autorizada no país desde a sanção da Lei 13.756/2018, no fim da gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). A legislação estipulava um prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para que fossem estabelecidas as regras, o que não havia ocorrido até esta semana.

O que muda para empresas e apostadores

Segundo o texto aprovado pelos deputados, as empresas que atuam no setor serão tributadas em 12% sobre o chamado “Gaming Gross Revenue” (GGR) – “Receita Bruta de Jogos”, em tradução livre. O GGR reflete a diferença entre o volume total de apostas e o valor dos prêmios pagos. Inicialmente, a alíquota havia sido fixada em 18%, mas acabou baixando na versão final do projeto.

A taxa cobrada dos apostadores, por sua vez, será de 15% sobre o valor líquido dos prêmios obtidos, desde que superiores a R$ 2.112 – estarão isentos os ganhos até esse valor, que corresponde à primeira fase da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Na primeira versão do texto aprovada pelos deputados, esse percentual era de 30%.

O texto ainda determina o pagamento de 2% de contribuição para a seguridade social sobre o produto da arrecadação. Esses recursos serão divididos entre educação (1,82%), esporte (6,63%) e turismo (5%). Já as empresas poderão ficar com 88% do faturamento bruto para o custeio – os outros 12% serão partilhados entre educação, segurança pública, esporte e outras áreas.

A ideia da equipe econômica é taxar as companhias que operam no Brasil, mas têm sede no exterior. Também será cobrada uma outorga inicial para que essas empresas possam atuar no país, de até R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos.

A nova legislação também exige que as empresas tenham, em seu quadro societário, um brasileiro detentor de pelo menos 20% do capital social. O acionista controlador não poderá atuar direta ou indiretamente em nenhuma organização esportiva profissional ou em instituições financeiras que processem as apostas.

O projeto que seguiu para sanção do presidente da República obriga, ainda, as companhias do ramo a adotarem práticas de atendimento aos jogadores, combate à lavagem de dinheiro, incentivo ao jogo responsável e prevenção de fraudes e manipulação de apostas.

De acordo com estimativas da Associação Nacional dos Jogos e Loterias (ANJL), há cerca de 3 mil sites de apostas operando no Brasil. Projeções do site BNL Data, especializado no mercado de jogos, apontam que o setor de apostas esportivas on-line no Brasil deve fechar 2023 com um faturamento de R$ 12 bilhões, uma alta de mais de 70% em relação a 2020. O mercado estima que o volume total de dinheiro gasto pelos usuários em sites de apostas movimente, em média, R$ 150 bilhões por ano.

“O fato de termos um projeto de lei que tramitou por bastante tempo demonstra como é importante ter a regulamentação. Temos diversas empresas atuando no setor e é fundamental que exista um marco legal que diga o que pode e o que não pode ser feito. Segurança jurídica é sempre algo positivo para quem quer fazer negócios de maneira correta e segura”, afirma Eduardo Carvalhaes, sócio da prática de Direito Público do Lefosse.

“Hoje, quem aufere rendimentos não encontra uma legislação clara sobre o imposto que tem de ser pago, se tem de pagar ou não, qual é a alíquota… Muita gente pode pensar que é algo negativo porque muitas pessoas que não pagam imposto hoje vão passar a pagar. Mas o fato é que hoje não existe uma isenção de imposto definida pela legislação. É sempre melhor você ter alguma regra do que não ter nenhuma”, explica.

Questionado se a tributação sobre os prêmios conquistados pelo apostador não acabaria o levando para o mercado ilegal, Carvalhaes diz que “o risco existe, mas também já existia sem a regulamentação”.

“Esse risco é menor com a regulamentação do que sem ela. Como hoje há uma ausência de regulamentação, você tem empresas sérias e não sérias operando lado a lado, em igualdade de condições. Quando você traz normas de tributação para o setor, a tendência é que seja feita uma distinção clara entre quem está operando de maneira regular e legal e quem está operando na ilegalidade. Quando uma empresa opera à margem da lei, sem regulamentação, muitas vezes você não consegue puni-la”, observa.

Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, classifica a aprovação do PL 3626/2023 como “um feito histórico”. “Jogo não é uma questão de costumes. É uma atividade econômica, é assim que ele é tratado no mundo inteiro. Em mercados que ficam um longo tempo sem regulamentação nenhuma, é preciso legalizar a demanda. Se você não legalizar a demanda, continua estimulando o jogo não regulado”, diz.

“Quando você legaliza o jogo, traz todo mundo para dentro do sistema jurídico e isso carimba um CNPJ na testa de todo mundo. Quando uma pessoa tem um CNPJ, ela está muito mais preocupada em fazer a coisa de forma correta. Com isso, há mais condições para um amadurecimento do mercado. E, com esse amadurecimento, o jogo clandestino vai minguando naturalmente. As pessoas preferem o jogo legal, o regulado”, afirma Magno.

Para o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, a regulamentação do setor traz benefícios não apenas para as empresas, mas também para os apostadores. “O principal benefício para o apostador é que ele estará fazendo uma aposta legalizada. Ele vai poder declarar no Imposto de Renda o seu ganho. Se não receber, vai poder reclamar, terá uma proteção do Estado. Haverá um órgão que poderá punir a plataforma de aposta que não teve uma prática legal. O mais importante para o apostador é a proteção. É ele saber que vai receber o prêmio”, afirma.

“Não adianta a gente querer tapar o sol com a peneira. O jogo é um dado da realidade, está na sociedade. O mais importante é trazer o jogo para dentro da lei, para que seja possível proteger o cidadão. É criar mecanismos para que o cidadão possa apostar de forma saudável e protegido pelo Estado”, conclui Magno.

Cassinos on-line

Além das “bets”, os deputados incluíram no projeto a autorização de apostas para jogos on-line, conhecidos como cassinos virtuais, que haviam sido excluídos do texto pelo Senado. Apesar de uma forte oposição da bancada evangélica, que era contra a inclusão, o item teve o apoio de 261 deputados (com 120 contrários).

A retomada da taxação dos cassinos virtuais foi encampada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). De acordo com os defensores da medida, a tributação das apostas esportivas corresponde a apenas 20% da arrecadação total do mercado de jogos no Brasil. A maior parte da receita desse segmento (80%) vem justamente dos jogos e apostas virtuais, como os cassinos.

“Regulamentar os jogos de azar era necessário. Assim como nas apostas esportivas, você vai encontrar ao redor do Brasil muitas pessoas e empresas praticando jogos de azar de maneira irregular, à margem da lei. Hoje, já existe uma oportunidade de tributação e arrecadação de impostos que acaba sendo perdida pela falta de regulamentação”, afirma Eduardo Carvalhaes, do Lefosse.

Magno José, do Jogo Legal, também é favorável à tributação dos cassinos virtuais. “Esses jogos continuariam a ser ofertados, sem o governo tributar. Todas as mazelas eventualmente provocadas por eles cairiam na conta do governo e da sociedade”, diz. “Com os jogos dentro da lei, terão de cumprir as regras. E parte dos recursos advindos dessa atividade será revertida para o tratamento das pessoas que adquirirem algum tipo de comportamento compulsivo em função do jogo.”

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