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Shein: o lado obscuro do varejo de “brusinhas”

Fenômeno de vendas do e-commerce, a Shein é alvo de denúncias de trabalho forçado em fábricas na China e acusada de inimiga do meio ambiente

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Na imagem, logo da Shein ao fundo com mãos segurando celular com S na tela - Metrópoles
1 de 1 Na imagem, logo da Shein ao fundo com mãos segurando celular com S na tela - Metrópoles - Foto: SOPA Images via Getty Images

Fenômeno do chamado varejo de “brusinhas”, a chinesa Shein se transformou em uma das plataformas on-line de moda mais acessadas do planeta. Em 2022, o aplicativo foi o mais baixado nos Estados Unidos, com 27 milhões de downloads. Em 2021, a Shein valia US$ 30 bilhões – hoje, vale US$ 60 bilhões, superando marcas como Adidas, H&M e Burberry, somadas.

No Brasil, os números também são expressivos. Em 2022, as vendas da Shein ultrapassaram R$ 7 bilhões, consolidando a empresa como a terceira maior varejista de moda do país, atrás apenas da Riachuelo e da Lojas Renner.

Em abril deste ano, a Shein anunciou o plano de nacionalizar, até o fim de 2026, cerca de 85% de suas vendas pelas plataformas eletrônicas – ou seja, os produtos passarão a ser produzidos no Brasil. A empresa promete investir R$ 750 milhões no país e estima gerar 100 mil empregos em sua rede de fornecedores.

Além dos preços competitivos em relação às principais concorrentes, a Shein se diferencia de outras marcas pela velocidade com que consegue produzir novas peças – 10 dias, em média, ante cinco semanas da Zara, por exemplo. Diariamente, o site da Shein disponibiliza cerca de 6 mil novos produtos aos consumidores. A empresa é o símbolo de um modelo de negócios conhecido como “fast fashion”.

Impacto ambiental

Por meio do fast fashion, designs e tendências da moda são convertidos rapidamente em peças de vestuário a preços atrativos para o consumidor. Estimativas indicam que a produção global de roupas dobrou entre 2000 e 2015, período no qual houve uma queda de 36% no número de vezes que uma peça é usada antes de ser jogada fora.

O impacto ambiental desse processo frenético de produção e descarte é brutal. O fast fashion levou a indústria da moda ao segundo lugar no ranking das indústrias mais poluentes do mundo, atrás apenas do setor petrolífero. De acordo com um levantamento da Boston Consulting Group, cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são descartados todos os anos pela indústria da moda – e apenas 15% são reciclados. O segmento é responsável por 10% das emissões globais de carbono. Quanto mais rápido é o ciclo de consumo, maior é o impacto ambiental.

“A Shein tem uma parte verticalizada, mas ela opera por meio de terceiros. Ela pode até ter uma participação na indústria, mas não é ela que produz. A empresa não tem um controle apurado para verificar a quantidade de água ou o quanto de ferro e mercúrio é utilizado na produção”, afirma Roberto Kanter, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em varejo.

“O problema não está no fast fashion, está na Shein. Ela tem um modelo de negócio segundo o qual muito mais do que a moda ser rápida, ela é descartável. O descarte do seu produto faz com que ela olhe muito mais para o preço e a rapidez de entrega do que para a necessidade de desenvolver práticas de ESG (sigla, em inglês, que representa governança ambiental, social e corporativa)”, prossegue Kanter.

Rodrigo Giraldelli, CEO da China Gate Importação, ressalta que “as indústrias seguem as normas dos países em que estão instaladas”. “A Shein tem algumas fábricas de propriedade dela ou que produzem diretamente a ela. Instaladas na China, essas fábricas atendem as regras e normas ambientais chinesas”, diz. “É muito difícil você ter um e-commerce para o qual há 500 ou 600 fábricas mandando produtos. Se não houver um investimento pesado para monitorar essa produção, perde-se totalmente o controle desses processos.”

Trabalho forçado

Além dos danos ao meio ambiente, o fast fashion é alvo de uma série de denúncias relacionadas à exploração da mão de obra, com trabalho análogo à escravidão em alguns casos. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 170 milhões de crianças são vítimas do trabalho infantil no mundo.

O documentário “Untold: Inside the Shein Machine” (“Não Contado: Por Dentro da Máquina Shein”, em tradução livre), exibido pelo Channel 4 britânico em 2022, escondeu câmeras em duas fábricas da Shein na província chinesa de Guangzhou e mostrou que os trabalhadores eram submetidos a turnos de 18 horas por dia, com apenas uma folga durante o mês. Eles produziam, em média, 500 peças de roupas por dia e recebiam US$ 0,04 (o equivalente a R$ 0,20) por cada uma delas.

Um relatório publicado pela Bloomberg, também no ano passado, revelou que camisetas de algodão vendidas pela Shein eram produzidas mediante trabalho forçado da minoria muçulmana uigure da região de Xinjiang, noroeste da China. Grupos de defesa dos direitos humanos acusam Pequim de perseguir essa e outras minorias étnicas no país, com detenções em massa em campos de trabalho forçado.

“A Shein cresce baseada nesses pressupostos. Racionalmente, as pessoas não poderiam entrar em uma loja e comprar uma mala por 3 euros ou uma camisa por US$ 1. Está errado! Não é possível”, afirma Roberto Kanter. “Para que isso se pague, toda a cadeia de valor do produto, necessariamente, desconsidera a mão de obra. Não tem milagre. Alguém está pagando essa conta.”

Shein e a Geração Z

Contando, sobretudo, com o poder de viralização do TikTok, a Shein foca sua atuação na Geração Z, formada pelos nascidos entre 1997 e 2010. É um público de consumidores jovens, que hoje têm entre 13 e 26 anos, geralmente usuários ativos das redes sociais. De acordo com as principais pesquisas sobre o tema, é justamente o segmento mais jovem da população aquele que, em tese, se mostra mais preocupado com o meio ambiente. Para grande parte desses consumidores, no entanto, algumas das práticas não sustentáveis da Shein parecem não ser um grande problema.

“Isso mostra o quanto o ser humano é absolutamente incoerente e contraditório. As pessoas defendem práticas sustentáveis até isso chegar ao seu gosto e ao seu bolso. Muitas pessoas levantam bandeiras, mas é uma minoria que está disposta a abrir mão de seus gostos e vontades pessoais em função de uma crença que se tem”, diz Kanter. “É uma questão de maturidade social. Pode ser que, daqui a alguns anos, empresas com as práticas da Shein deixem de vender ou vendam muito menos. Mas não é o que vemos hoje.”

Segundo Rodrigo Giraldelli, a facilidade de comprar na Shein e a capacidade tecnológica da empresa são fatores preponderantes para o sucesso entre o público mais jovem, relegando as preocupações ambientais a um plano secundário.

“O sucesso da Shein se explica, principalmente, por uma questão de tecnologia. É muito fácil comprar pelo aplicativo e pelo site, a experiência do consumidor é boa”, afirma. “Além disso, também tem o preço. As pessoas estão dispostas a pagar mais caro por produtos de uma empresa ambientalmente consciente, mas só até certo ponto. Depois disso, elas olham para o preço e a Shein tem valores mais competitivos.”

O que diz a Shein

Procurada pelo Metrópoles, a Shein afirmou que “investe no desenvolvimento de sistemas circulares e na aceleração de soluções sustentáveis por meio de materiais, tecnologias e processos de produção orientados para a sustentabilidade”. “A empresa segue com a expansão do seu modelo de negócios sob demanda, que permite à Shein atingir taxas baixíssimas de estoque não vendido na ordem de um dígito, reduzindo drasticamente o desperdício”, diz a companhia.

Segundo a Shein, “a produção em massa dos varejistas tradicionais leva a um desperdício excessivo e a preços mais elevados, ambas características que não são adequadas para o ambiente e para os consumidores”. “É por isso que a Shein tem um modelo de negócio único baseado na produção em pequena escala”, afirma a empresa.

“A Shein estabeleceu metas com base científica, de acordo com a estrutura internacional da Global Reporting Initiative (GRI), para apoiar um roteiro de descarbonização impactante e realista que combata as mudanças climáticas nas operações, em parceria com fornecedores e parceiros”, diz a nota.

Em relação às denúncias de exploração da mão de obra em fábricas na China, a Shein afirmou que “está comprometida com os direitos humanos e com as regulamentações locais em cada mercado em que está presente” e que seus fornecedores “devem aderir a um código de conduta rigoroso, alinhado com as principais convenções da Organização Internacional do Trabalho”.

“A empresa tem tolerância zero para o trabalho forçado e as políticas e programas de gestão da cadeia de fornecimento da Shein foram desenvolvidos em parceria com especialistas em comércio internacional e estão em conformidade com as melhores práticas do setor e com as orientações dos reguladores”, diz a empresa chinesa.

“Quando são identificadas violações do código de conduta, a Shein apoia proativamente a fábrica com remediação. Isso inclui treinamentos para desenvolver e implementar programas e, em alguns casos, cofinanciamento de melhorias físicas nas instalações de acordo com o Programa de Capacitação da Comunidade de Fornecedores da Shein. Se a fábrica não estiver disposta a corrigir a violação dentro do prazo especificado, encerraremos a parceria. A Shein parou de cooperar com 28 fábricas em 2022.”

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