Retomada? Salas de cinema dão primeiros sinais de reação pós-pandemia
Fenômenos de bilheteria como Barbie e Oppenheimer dão fôlego ao setor, que está longe do patamar de 2019 e sofre com menos filmes por ano
atualizado
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Poucos segmentos da economia brasileira sofreram tanto durante a pandemia de Covid-19 quanto a indústria cinematográfica. Em 2020, no auge das medidas restritivas para evitar a propagação do coronavírus, as salas de cinema ficaram fechadas por sete meses e, depois da reabertura, a volta do público foi tímida. Passados três anos e meio, o pior da crise parece ter ficado para trás e há razões para acreditar que uma retomada está em curso.
Em 2022, as mais de 3,4 mil salas de cinema do país receberam um público total de 97,436 milhões de pessoas, de acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex). O número representa uma alta de 84,5% em relação aos 52,813 milhões de espectadores de 2021. A arrecadação com bilheteria, no ano passado, somou R$ 1,846 bilhão, ante R$ 914 milhões de 2021 (crescimento de 101,2%).
O desempenho ainda está muito distante do patamar pré-pandemia. Em 2019, mais de 177,2 milhões de pessoas compareceram às salas de cinema no Brasil, gerando uma arrecadação de R$ 2,8 bilhões em bilheteria. De acordo com estimativas da Abraplex, o padrão de três anos atrás será recuperado em 2026, quando 180 milhões de espectadores devem ir aos cinemas no país. Para 2023, a projeção é de 110 milhões, chegando a 130 milhões em 2024 e 150 milhões em 2025.
“O nosso problema é que, durante a pandemia, as filmagens pararam. Os estúdios jogaram para o streaming tudo aquilo que estava pronto no estoque”, afirma o presidente da Abraplex, Marcos Barros. “O streaming queimou o estoque do cinema durante a pandemia. Nós voltamos sem estoque, sem mercadoria na vitrine. E o nosso produto não é feito do dia para a noite, ele demora. Você não produz um filme em seis meses. Muitas vezes isso leva alguns anos.”
“Temos um problema de quantidade de filmes, não de público. Estamos com cerca de 35% a menos de filmes, o que dá quase 200 filmes a menos por ano. Isso é consequência desse vácuo na produção. Quando essa situação normalizar, o que deve demorar ainda uns dois anos, a tendência é que o cinema volte mais forte do que era antes”, diz Barros.
O fenômeno “Barbenheimer”
Dois dos motivos para que o cinema viva seu momento de maior otimismo dos últimos três anos atendem pelos nomes de Barbie e Oppenheimer, grandes sucessos em cartaz nas salas do país desde o fim de julho.
Logo no primeiro fim de semana, Barbie se tornou a segunda maior estreia de todos os tempos no Brasil, levando mais de 4 milhões de espectadores ao cinema. Até o momento, o público no país ultrapassa os 12 milhões. O filme dirigido por Greta Gerwig superou a marca de US$ 1 bilhão em bilheterias em todo o mundo, atrás apenas de outro sucesso de 2023, Super Mario (US$ 1,3 bilhão). Até meados de agosto, Oppenheimer acumulava US$ 415 milhões, acima das projeções iniciais.
No Brasil, Barbie já soma R$ 160 milhões e se tornou o campeão de bilheteria da Warner Bros no país, superando Coringa e seus R$ 156 milhões, segundo dados do Filme B. Oppenheimer, por sua vez, bate R$ 32 milhões, com uma trajetória que se mantém sólida semana após semana. O estrondoso e concomitante sucesso dos dois filmes fez explodirem memes nas redes sociais, além de termos como “Barbenheimer” e “Oppenbarbie”, mobilizando legiões de fãs, em uma combinação inusitada entre a produção estrelada por Margot Robbie e a obra dirigida por Christopher Nolan.
“Fico muito feliz que os cinemas voltaram a lotar com esse fenômeno. Está cada vez mais difícil envolver as pessoas em atividades presenciais. Há uma concorrência cada vez maior das atividades on-line. As pessoas têm muita coisa boa para ver sem sair de casa”, afirma o cineasta Josias Teófilo, diretor de O Jardim das Aflições (2017) e Nem Tudo se Desfaz (2021).
“Ao mesmo tempo, me preocupa um pouco a questão da concentração dos filmes. A maior parte dos municípios do Brasil não tem a variedade de cinemas de uma cidade como São Paulo. Nesses locais, as pessoas só têm Barbie e Oppenheimer para ver”, diz.
Streaming: rival ou parceiro?
Um dos desafios das salas de cinema no pós-pandemia é atrair um público que se acostumou, nos últimos anos, a consumir produções audiovisuais por meio das plataformas de streaming, no conforto de casa, sem filas nem preocupação com a grade de horários das exibições.
Para Marcos Barros, da Abraplex, os streamings certamente mudaram os hábitos das pessoas, mas não representam uma ameaça à sobrevivência dos cinemas. “O cinema não é simplesmente assistir a um filme. É uma experiência social. Você vai, chora, ri, vê um monte de gente que não conhece… Não é porque você tem uma cozinha maravilhosa na sua casa que você deixa de ir ao restaurante”, compara.
“Durante a pandemia, todos nós assinamos mais serviços de streaming. Mas, com a vida voltando ao normal, os hábitos também voltam ao normal. À medida que temos produtos de qualidade no cinema, as pessoas vêm assistir, como aconteceu com esses fenômenos que estamos vendo agora.”
Josias Teófilo, cujos filmes estão disponíveis em algumas das principais plataformas de streaming, compartilha da mesma tese. “A televisão também foi considerada uma ameaça ao cinema, mas ele sobreviveu. A televisão não acabou com o cinema, assim como o streaming não vai acabar. Mas o cinema precisa ser repensado”, afirma. “A qualidade dos filmes está muito ruim. Há alguns filmes bons, mas são exceções. Isso, evidentemente, não ajuda a trazer público.”
Marcos Barros lembra que gigantes do streaming já anunciaram que pretendem investir pesado no cinema nos próximos anos, o que deve impulsionar a indústria na retomada. “Apple e Amazon, que eram 100% streaming, hoje já produzem filmes para cinema. Cada uma delas anunciou US$ 1 bilhão por ano para produzir filmes para o cinema, o que não existia antes”, observa.
Greve em Hollywood
Na avaliação do presidente da Abraplex, apesar das boas perspectivas de retomada do setor no Brasil, eventuais desdobramentos da greve de atores e roteiristas nos Estados Unidos, que se arrasta há quase três meses, devem ser acompanhados com atenção e têm potencial para afetar o mercado brasileiro – para o bem ou para o mal.
Nesta semana, o Sindicato dos Roteiristas de Hollywood (WGA) e a Associação de Produtores e Empregadores de Cinema e Televisão (AMPTP) tiveram uma série de reuniões para engatilhar um acordo que encerre a paralisação.
“É claro que isso afeta muito o mercado no Brasil. Já tivemos dois ou três filmes neste ano que foram empurrados para o ano que vem”, diz Barros. “Se essa greve não acabar rápido, ela pode significar mais um baque gigantesco na indústria, como já aconteceu em outros momentos. É um risco bastante grande.”