Recuperação judicial “não é salvação” para empresas, diz especialista
Para Max Mustrangi, sócio de consultoria especializada em reestruturação de empresas, é necessário corrigir erros de gestão e mudar práticas
atualizado
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Aprovado pela Justiça do Rio de Janeiro, o segundo processo de recuperação judicial da Oi, uma das maiores companhias do setor de telecomunicações do Brasil, levantou dúvidas sobre a forma como as empresas vêm recorrendo a esse instrumento legal para superar momentos de crise.
A recuperação judicial é um processo que permite às organizações renegociarem suas dívidas, evitando o encerramento das atividades, demissões ou falta de pagamento aos funcionários. Por meio desse instrumento, as empresas ficam desobrigadas de pagar aos credores por algum tempo, mas têm de apresentar um plano para acertar as contas e seguir em operação. Em linhas gerais, a recuperação judicial é uma tentativa de evitar a falência. Em 2022, de acordo com dados da Serasa Experian, o Brasil registrou mais de 5 mil pedidos de recuperação judicial.
O que chama atenção, no caso da Oi, é que se trata de uma segunda recuperação judicial, iniciada apenas três meses depois da conclusão do primeiro processo. A empresa informou ter dívidas de R$ 43,7 bilhões. Um bilhão de reais seriam referentes a dívidas trabalhistas.
Em fevereiro, a Oi já havia obtido na Justiça uma proteção judicial contra credores, o que a permitiu deixar de pagar dívidas e sofrer execuções por 30 dias. Dias depois, a empresa entrou, em Nova York, com um novo pedido de proteção judicial contra credores, por meio de um instrumento que permite às empresas estrangeiras terem seu processo estendido nos Estados Unidos, protegendo ativos que possuem no país.
A companhia entrou em recuperação judicial pela primeira vez em 2016, com dívidas acumuladas, na época, em R$ 65 bilhões. O processo foi encerrado apenas em dezembro de 2022, após seis anos.
“Quando a Oi aparece novamente em uma situação como essa, alguns credores até podem querer se sujeitar a um novo plano, mas outros não vão. O apoio à Oi na segunda recuperação judicial tende a ser bem menor. Muitos credores vão se opor desta vez”, projeta o administrador Max Mustrangi, sócio-fundador da consultoria Excellance, especializada em reestruturação de empresas, em entrevista ao Metrópoles.
Para Mustrangi, o maior equívoco cometido por muitas empresas que enfrentam graves crises é acreditar que a recuperação judicial, por si só, resolverá todos os problemas. Segundo ele, tão ou mais importante do que negociar com credores é identificar erros, rever velhas práticas e melhorar a gestão.
“Infelizmente, de forma geral, muitos executivos ou as consultorias que entram para arrumar a casa nas empresas continuam tocando o negócio do mesmo jeito”, afirma. “Recuperação judicial não resolve todos os problemas por si só, não é salvação. Muitas empresas não entenderam que é necessário arrumar o seu negócio.”
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Max Mustrangi ao Metrópoles:
Por que a Oi teve de recorrer a uma segunda recuperação judicial?
Porque a conta não fecha. Houve um vencimento de um pagamento muito grande e eles não teriam caixa suficiente para honrar o pagamento. Esse default possibilitaria o vencimento antecipado da dívida. Aí está o problema. O vencimento antecipado da dívida representaria um volume de dinheiro que a empresa não aguenta. Esse é o tsunami. Por isso, a empresa prefere entrar em uma nova recuperação judicial para se proteger. O business não consegue comportar.
O que muda da primeira para a segunda recuperação judicial da empresa?
Muda muito. Na primeira recuperação judicial, os credores foram pegos de surpresa. Eles não poderiam, de uma hora para outra, abrir mão desse dinheiro. Você é obrigado a se ajoelhar e, depois de uma certa discussão, aceitar as condições impostas pelo plano. Passados alguns anos, muitos credores já mudaram sua carteira e buscaram outras fontes de receita. Quando a Oi aparece novamente em uma situação como essa, alguns credores até podem querer se sujeitar a um novo plano, mas outros não vão. O apoio à Oi na segunda recuperação judicial tende a ser bem menor. Muitos credores vão se opor desta vez.
O que deu errado na primeira recuperação judicial?
O que acontece em muitas empresas, e não posso afirmar que isso se aplica ao caso específico, é que muitos executivos e acionistas de referência têm um ego muito grande. Não fazem as mudanças que têm de ser feitas, o que implica em admitir erros, e as empresas continuam fazendo água. O Titanic não afundou porque bateu em um iceberg. Afundou porque ficou muito tempo navegando em meia velocidade depois de bater no iceberg. Foram vários minutos de entrada de água nos compartimentos inferiores. O peso desses minutos de água que entraram afundou o Titanic. Não foi um problema de engenharia. Foi um problema de gestão do impacto. É o mesmo que acontece com muitas empresas. Elas não têm a agilidade suficiente para reagir ao problema.
Quais são as perspectivas da Oi nesse segundo processo? A empresa sobreviverá?
É uma grande empresa que ainda pode tentar criar valor ou fazer associações, do ponto de vista de negócio. Não é só ficar negociando o passivo. Tem de pensar no business, no que ela pode fazer para agregar valor e gerar receita, em algo que dê credibilidade para negociar o pagamento dos vencimentos com os credores. A Oi tem condições. É difícil? Sim, é difícil. Mas existe a chance. Como negócio, a Oi tem muito mais chance de ter continuidade do que a Americanas, por exemplo.
Já houve outro caso no país de uma grande empresa entrar com uma “recuperação judicial da recuperação judicial”?
É a primeira vez, principalmente envolvendo uma empresa desse tamanho.
Uma nova recuperação judicial era o melhor caminho para a Oi?
Eles não tinham outro caminho possível. A alternativa era quebrar. A empresa não tinha como pagar a dívida. É um valor brutal. Não havia outra opção. Era isso ou a falência. A empresa teve de correr para debaixo desse guarda-chuva jurídico da proteção.
O instrumento da recuperação judicial no Brasil tem sido utilizado de forma adequada?
Uma coisa é você criticar o instrumento da recuperação judicial. Outra coisa é você criticar quem usa esse instrumento e como ele é usado. A recuperação judicial é passível de evoluções e melhorias. Mas o que eu critico não é tanto o instrumento em si, mas quem o utiliza de maneira equivocada. A recuperação judicial cria uma proteção jurídica legal para que a empresa tenha tempo não apenas para negociar com os credores, mas para arrumar o seu negócio. Se você não arrumar o seu negócio, vai continuar tendo problemas. O que acontece é que, infelizmente, de forma geral, muitos executivos ou as consultorias que entram para arrumar a casa nas empresas continuam tocando o negócio do mesmo jeito. Muitos renegociam uma dívida hoje e empurram a linha de chegada para longe, como se isso resolvesse. Recuperação judicial não resolve todos os problemas por si só, não é salvação. Muitas empresas não entenderam que é necessário arrumar o seu negócio: questão mercadológica, produto, rentabilidade, operação e estratégia. As empresas ficam exclusivamente focadas em montar uma peça jurídica que as defenda e em renegociar a dívida com credores. Isso não resolve.
A Americanas apresentou à Justiça seu plano de recuperação judicial, que inclui a venda de um avião no valor de R$ 40 milhões e de outras unidades de negócio, além de um aporte de R$ 10 bilhões. O que o senhor achou do plano?
Existe um procedimento de negociação que é a ancoragem de expectativas. O que estão tentando fazer é ancorar a negociação no ponto mais baixo possível de dispêndio para eles. É uma proposta muito fraca. Querem dar um corte muito grande da dívida, alongar o pagamento e injetar o mínimo de capital possível. Mas o que querem, de verdade, é evitar processos judiciais. Está evidente, do ponto de vista negocial, que esse é o objetivo. Os principais credores da Americanas são os bancos. Vender um avião de R$ 40 milhões quando você tem mais de R$ 40 bilhões de dívida não é nada. E os grandes bancos já provisionaram praticamente toda a perda nos resultados do último trimestre. Por que aceitar um plano como esse agora? De qualquer forma, caso o plano avance, o que vai sobrar da Americanas no futuro é algo totalmente desconfigurado em relação ao que nós temos hoje. Não vai ter mais nada a ver, vai ser uma outra coisa. Enquanto isso, nesse meio tempo, o que teremos é um processo de mitigação da perda financeira e do risco legal.