Qual seria o impacto da reforma administrativa nos cofres públicos
Em cenário conservador, reestruturação da máquina pública poderia gerar economia de R$ 180 bilhões em 10 anos. Governo quer mudança pontual
atualizado
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Mais por iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do que do governo federal, a reforma administrativa voltou à pauta em Brasília. Adormecida nos escaninhos do Congresso Nacional desde setembro de 2021, ainda sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 está pronta para ser analisada pelo plenário da Casa.
O projeto, de autoria do Executivo, define novas regras para servidores públicos e altera a estrutura e organização da administração pública direta e indireta de todos os Poderes da República, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Mexe, portanto, com interesses variados e ameaça privilégios arraigados por décadas em todas as esferas do serviço público brasileiro.
Entre os itens contemplados pelo projeto, estão o fim da progressão automática de carreira e a permissão para a redução de remunerações dos servidores, o que é vedado atualmente. O texto dificulta e, em alguns casos, até mesmo elimina licenças, aumentos salariais e férias superiores a 30 dias e define critérios mais rígidos de avaliação para a efetivação de aprovados em concursos públicos.
Idealizada pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a PEC da reforma administrativa enfrenta forte resistência de amplos setores do atual governo, incluindo o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad – que nunca demonstrou entusiasmo com a proposta que tramita na Câmara.
O impacto nos cofres públicos
De acordo com estimativas da Ryo Asset, a reforma administrativa que tramita no Congresso teria o potencial de gerar uma economia de R$ 180 bilhões para os cofres da União em uma década. Englobando todos os estados brasileiros, a economia total poderia alcançar R$ 330 bilhões no mesmo período.
Com a inclusão do Poder Judiciário e dos servidores atuais – o que não está previsto na PEC 32 –, o impacto da reforma chegaria a R$ 420 bilhões em 10 anos apenas na esfera federal. Há outras projeções da mesma ordem de grandeza. Em setembro de 2020, quando a PEC foi encaminhada ao Legislativo, o Centro de Liderança Pública (CLP) estimou uma economia de R$ 400 bilhões até 2034 com a reforma administrativa mais ampla no plano federal. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por sua vez, projetou um impacto entre R$ 470,6 bilhões e R$ 497 bilhões.
Para estimar o tamanho da economia gerada pela reforma administrativa, as instituições consideram uma série de fatores, entre os quais a quantidade de servidores atingidos pelas mudanças, o número daqueles que vão se aposentar nos anos subsequentes e a chamada taxa de reposição – calculada com base no número de vagas liberadas por aposentadorias e que serão preenchidas.
“No atual governo, ainda que passe alguma reforma, infelizmente não deve ser algo tão impactante”, afirma o economista Maurício F. Bento, diretor do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).
“As mudanças ocorreriam daqui para a frente. Ou seja, não vai mudar nada para os atuais servidores. Se as novas regras só valerão para quem vai entrar, é evidente que isso diminui muito o impacto. O maior impacto seria no futuro, daqui a 20 ou 30 anos. De fato, é uma reforma que teria um baixo impacto no curto prazo, o que não significa que não deve ser feita, ao contrário. Ela é muito importante”, diz.
O topo da pirâmide
A economista Carla Beni, professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que uma reforma administrativa só será bem-sucedida no Brasil se as mudanças mais significativas se concentrarem no alto escalão do funcionalismo, para o qual são distribuídas as maiores benesses.
“Há feudos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, além do Ministério Público, que possuem benefícios acumulados e uma série de penduricalhos, que é até um termo gentil para classificar esse somatório de dinheiro público usado como pacote de benefícios”, afirma Beni.
Maurício F. Bento tem avaliação semelhante e lamenta que a alta cúpula do Judiciário não tenha sido incluída na PEC de 2020. “Há um problema fundamental, mesmo na reforma apresentada pelo governo passado, que é o foco em servidores de baixo e médio escalões. O alto escalão do funcionalismo, principalmente no Judiciário e no Ministério Público, não foi atingido”, afirma. “Essa reforma precisa mostrar que pretende combater os reais excessos e privilégios. Tem de ir para cima da alta cúpula do serviço público.”
Reforma “fatiada”
Com a pressão de Arthur Lira, para quem a reforma administrativa seria o “próximo movimento” após a aprovação da tributária, o governo avançou algumas casas nas últimas semanas e emitiu sinais de que estaria disposto a negociar eventuais mudanças na máquina administrativa, embora o apoio à PEC 32 esteja praticamente descartado.
A tendência, por ora, é que sejam adotadas medidas pontuais, por meio de projetos de lei que tratam da reforma do Estado sem alterações na Constituição. Para ser aprovado, um projeto de lei precisa de maioria absoluta na Câmara e no Senado – ou seja, é necessário o apoio de 257 deputados e 41 senadores. Uma PEC depende da “maioria qualificada” de três quintos dos parlamentares (308 deputados e 49 senadores).
No governo, o assunto vem sendo debatido pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Rui Costa (Casa Civil). Um grupo de trabalho interministerial está sendo montado, mas não se espera qualquer definição antes do fim do ano. Em agosto, o presidente da Câmara disse que só pautará a reforma administrativa no plenário se houver acordo com o governo em torno do tema.
Recentemente, Haddad citou dois projetos que podem ser encampados pelo governo: o que limita os supersalários de agentes públicos (PL 6726/2016) e o que altera as regras para realização de concursos (PL 2258/2022). Para o ministro, as propostas, se aprovadas, significarão “um avanço importante”.
A tese da reforma “fatiada”, que funcionaria como um paliativo, pode ser um primeiro passo importante, mas teria mesmo impacto reduzido, avalia Bento. “Não podemos chamar qualquer mudança de reforma. Uma reforma tem de ser, de fato, algo abrangente e impactante. Reforma tem que mudar de verdade, não pode ser só cosmética.”