Quais são os sinais de que o PIB brasileiro está perdendo força
Após alta de 1,9% entre janeiro e março, PIB começou a pisar no freio, com dados ruins de indústria e comércio. Agro não repetirá desempenho
atualizado
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O desempenho da economia brasileira nos três primeiros meses de 2023 surpreendeu positivamente, mas passará longe de se repetir no segundo trimestre. É o que mostram indicadores divulgados nas últimas semanas, que apresentam um cenário de desaceleração da atividade econômica do país no período entre abril e junho deste ano.
No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil avançou 1,9%, na comparação com os três meses imediatamente anteriores e 4% em relação ao mesmo período de 2022. O resultado, que superou as projeções do mercado, foi impulsionado pelo desempenho excepcional da agropecuária, que registrou expansão de 21,6% – a maior alta trimestral do setor em quase três décadas, desde o final de 1996.
Economistas e analistas do mercado não têm dúvidas, no entanto, de que o segundo trimestre trará números bem mais modestos. O Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central (BC), considerado a “prévia” do PIB brasileiro, recuou 2% em maio. Setores cruciais para a economia, como indústria e comércio, que já não vinham bem, continuam “patinando”.
Dados divulgados na quarta-feira (1º/8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produção industrial brasileira oscilou 0,1% em junho, na comparação com maio. Ainda segundo o IBGE, as vendas do comércio varejista registraram queda de 1% em maio, tanto em relação ao mês anterior quanto na comparação com o mesmo período do ano passado – mais uma vez, abaixo das expectativas.
Até mesmo uma boa notícia, como a criação de 157 mil novas vagas de emprego com carteira assinada em junho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), poderia ter sido melhor. Nos últimos quatro meses, há forte desaceleração no saldo de postos de trabalho criados e, em relação a junho de 2022 (quando foram geradas 285 mil vagas), o tombo é de 44,8%.
“Grande parte da estabilização do desemprego em patamar baixo (8% em junho, o menor nível para o mês desde 2014) ainda se deve às pessoas consideradas aptas a trabalhar, mas que não estão procurando emprego”, afirma Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, que projeta “perda de fôlego da atividade econômica” no segundo trimestre.
Essa é a mesma avaliação de Claudia Moreno, economista do C6 Bank. “O segundo semestre deste ano deve ser marcado por uma desaceleração mais acentuada nos dados de atividade, o que deve impactar negativamente o mercado de trabalho”, diz.
Agro não deve repetir desempenho
Na avaliação dos economistas e analistas do mercado consultados pela reportagem do Metrópoles, um dos responsáveis pela perda de força do PIB no segundo trimestre é justamente o setor que alavancou a economia do país entre janeiro e março: o agronegócio. Após a alta recorde, o agro não deve repetir o desempenho, o que pode puxar o PIB para baixo.
“É uma questão matemática. Se você olhar o crescimento do PIB brasileiro no primeiro trimestre, grande parte dele veio do agronegócio. Cerca de 50% do agro no Brasil vem da soja. A soja tem um período de colheita concentrado nos primeiros meses do ano. No segundo trimestre, o país já não poderá contar com o ciclo da soja”, explica o economista Bruno Musa, sócio da Acqua Vero Investimentos.
“Desta vez, o país vai depender do setor de serviços, que começa a ter uma desaceleração. É bem provável que tenhamos um PIB, ao final do ano, que não seja compatível com aquilo que o Focus (relatório divulgado semanalmente pelo BC com as projeções do mercado) vem projetando”, completa Musa.
O economista Maurício F. Bento, diretor do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP), ressalta que a perda de fôlego do PIB no segundo trimestre impactará o resultado final da economia brasileira neste ano. “Comparando o segundo trimestre com o primeiro, de fato, temos uma desaceleração. Isso deve afetar o PIB de 2023. Se o primeiro trimestre é muito bom e o segundo não é tão bom assim, a tendência é a de uma desaceleração também no resultado final”, diz.
De acordo com a última edição do Relatório Focus, divulgada no início da semana pelo BC, o PIB do Brasil deve fechar este ano com uma alta de 2,24%. É a terceira semana consecutiva em que a projeção não se altera.
“Apesar da desaceleração trimestral, quando olhamos o segundo trimestre deste ano e o comparamos ao segundo trimestre do ano passado, percebemos que houve uma leve melhora. Se pegarmos o primeiro Boletim Focus do ano, em janeiro, vemos que a expectativa de crescimento do Brasil para 2023 era de apenas 0,8%”, pondera Bento.
Para o segundo trimestre, as projeções do mercado variam entre a estabilidade e uma leve alta. O Itaú Unibanco estima que o PIB avance 0,3% entre abril e junho, na comparação com o período de janeiro a março – é a mesma estimativa da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. O Santander projeta variação nula (0%) na comparação trimestral, assim como a LCA Consultoria Econômica.
Efeito da queda dos juros não é imediato
Outro fator decisivo para “segurar” o PIB do país nos últimos meses é a taxa básica de juros (Selic), que se manteve no patamar de 13,75% ao ano de agosto de 2022 até quarta-feira (2/8), quando caiu 0,5 ponto percentual. A Selic é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação. Quando o Copom aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas podem conter a atividade econômica.
“Os efeitos da queda da taxa de juros vão demorar de seis meses a um ano para ser sentidos na economia brasileira. É o que chamamos, tecnicamente, de efeito defasado. Começar a reduzir os juros agora tem um efeito sobre as expectativas que é muito positivo. Mas, em termos práticos, de fato, isso demora um pouco mais para aparecer de forma mais clara”, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha.
Maurício F. Bento, por sua vez, diz que a queda precisa ser duradoura, e não pontual, para ter efeito real sobre a economia. “Sem dúvida, a taxa de juros em um patamar elevado dificultou o crescimento econômico. Mas é preciso que essa redução de juros seja sustentável no longo prazo, não uma queda de seis meses para depois começarmos um novo ciclo de alta por mais seis meses”, afirma.