Quais são os 3 pontos pendentes no marco fiscal a ser votado na Câmara
Texto foi alterado no Senado e teve de voltar à Câmara. Fundos constitucionais e reajuste dos gastos pela inflação estão no centro do debate
atualizado
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A pauta cheia em Brasília nesta semana inclui a reta final do marco fiscal, alterado pelo Senado e que terá de ser novamente votado na Câmara dos Deputados. O formato final do texto é decisivo para a política econômica do governo e será acompanhado de perto pelo mercado, uma vez que as alterações no Senado ampliaram exceções à nova regra.
O marco fiscal havia sido aprovado pela Câmara no fim de maio, com relatório do deputado Claudio Cajado (PP-BA). Na ocasião, como o Metrópoles mostrou, a leitura nos mercados foi que o texto de Cajado tornou mais rígida a proposta inicial que havia sido feita pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
No Senado, embora o grosso do texto tenha sido mantido, o relator Omar Aziz (PSD-AM) inseriu mudanças em seu texto: exceções na regra fiscal ao Fundeb, fundo para educação, ao Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e a despesas com ciência e tecnologia. Além disso, o parecer altera os parâmetros de inflação usados para reajustar os gastos.
Com o texto de volta à Câmara, Cajado tem dito nos últimos dias que não apoia as mudanças feitas no Senado. “Se depender de mim, volto tudo ao teor do meu relatório”, disse. O governo defende que o texto fique como voltou do Senado, o que deve lhe render até R$ 40 bilhões adicionais no orçamento de 2024 e maior flexibilidade com os fundos fora do limite.
Diante das negociações em andamento em Brasília (e acontecendo paralelamente ao debate de temas como a reforma tributária), ainda não está claro quanto do texto do Senado permanecerá quando for efetivamente à votação. Abaixo, entenda os três principais pontos que estão pendentes no marco fiscal
Inflação das despesas
O trecho que tira o sono dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento é qual valor de inflação será usado para reajustar o limite de gastos. Se o governo levar em conta a inflação até junho para reajustar os gastos permitidos (como costuma acontecer), terá um orçamento menor para 2024 do que o inicialmente previsto, já que a inflação tem caído.
Até junho, a inflação oficial acumulada no IPCA deve ficar perto de 3,4% nos últimos 12 meses. No período, houve o efeito positivo da desoneração sobre combustíveis que foi dada no ano anterior. Já até o final do ano, passado esse efeito, a projeção é que o IPCA volte a subir e fique perto de 5% no ano.
Essa diferença faria o governo ter de cortar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões no projeto de orçamento para 2024. No Senado, a base do governo se mobilizou para alterar o texto e permitir que as diretrizes orçamentárias de 2024, a serem enviadas em agosto pelo governo, possam usar a chamada “despesa condicionada” para levar em conta o aumento de inflação previsto.
Ainda que a Câmara barre esse trecho, há a possibilidade legal de o governo aumentar os recursos via crédito suplementar no ano que vem, se a inflação maior se confirmar. Mas a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tenta evitar a todo custo o desgaste político de enviar uma lei orçamentária já com cortes bilionários.
“Essa modificação do Senado não muda o mérito do que quer o Congresso Nacional, que é poder garantir que não vamos inflar a inflação por estimativa. Então, a única coisa que estamos pedindo para os deputados é exatamente que possamos colocar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e na LOA (Lei Orçamentária Anual) a seguinte condição: abrir espaço para uma despesa condicionada a um possível aumento da inflação”, disse a ministra.
Fundeb
Outra mudança no Senado diz respeito ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por meio do qual a União complementa os recursos dos estados para atingir um valor mínimo por aluno e reduzir desigualdades regionais.
O grosso dos mais de R$ 260 bilhões do Fundeb é pago pelos estados, mas o marco fiscal diz respeito à fatia da União no fundo, que representa pouco mais de R$ 38 bilhões neste ano e deve aumentar até 2026.
O texto aprovado no Senado voltou a excluir do limite de gastos os repasses da União ao Fundeb. A justificativa é que o fundo, por seu caráter constitucional e de pagamento obrigatório, estrangularia outras despesas. Além disso, a fatia da União no Fundeb, por uma emenda constitucional aprovada em 2020, subirá ano a ano, até chegar a 23% do total em 2026. Esse aspecto chegou a ser pontuado como um risco para a sustentabilidade do marco fiscal pela Consultoria de Orçamento da Câmara durante os debates.
Além do Fundeb, o relator no Senado também tirou dos limites de gastos as despesas com ciência e tecnologia, o que o mercado estima que pode gerar impacto de até R$ 15 bilhões.
Fundo do Distrito Federal
Omar Aziz ainda retirou do cálculo dos limites de despesas o montante que a União transfere ao Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Por meio do fundo, a União custeia frentes como segurança pública, saúde e educação no Distrito Federal.
Ao Metrópoles, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nesta semana que o governo quer manter o FCDF fora dos limites de despesas.
“No Senado, a gente defendeu essa posição. Então, vamos trabalhar junto aos líderes da Câmara para manter o texto do Senado. Inclusive, já ouvi de vários líderes isso. Mas o central é aprovar o marco fiscal esta semana”, disse Padilha.
O governo do DF estimou que ter o fundo dentro do marco fiscal geraria perda de mais de R$ 87 bilhões em receita nos próximos dez anos. A exceção ao FCDF no marco fiscal é um pedido da bancada do Distrito Federal.
Tanto o FCDF como o Fundeb não estavam nos limites de gastos no texto original enviado pelo governo ao Congresso e foram acrescentados por Cajado na Câmara. Os dois fundos também não estavam no antigo teto de gastos em vigor desde o governo Michel Temer.
Enquanto os fundos voltaram a sair do marco fiscal após a tramitação no Senado, o relator Omar Aziz manteve sob o limite o piso da enfermagem, que também estava fora da proposta inicial do governo.
Geração de receita é principal dúvida do mercado
A principal dúvida nos mercados não são as novas exceções adicionadas em si, mas o desenho geral do marco fiscal, que prevê avanço mínimo de 0,6% nas despesas e máximo de 2,5%. A Fazenda admite que as metas de superávit primário estabelecidas demandarão aumento de receita por parte da União.
“Consideramos que a regra é altamente dependente da elevação das receitas para governo central, e, portanto, continuamos a ver riscos quanto à implementação”, escreveram os analistas do banco Santander em relatório a clientes.
Sobre as mudanças no Senado, porém, os analistas do banco apontam que “não afetarão substancialmente os efeitos esperados da regra fiscal, pois já não estão sujeitas ao atual teto constitucional de gastos”, em referência ao teto da era Temer. A ressalva é à exceção para gastos com ciência e tecnologia, de impacto estimado entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões.
“O projeto de lei é mais negativo em termos de controle de gastos públicos em relação à regra anterior do teto de gastos, mas ao menos reduz o risco de deterioração mais extrema das contas públicas”, afirmam os economistas Carlos Pedroso e Maurício Nakahodo, do banco japonês MUFG.
A própria Fazenda tem afirmado que, para cumprir a sua regra fiscal, teria de ampliar receitas em cerca de R$ 150 bilhões, e que zerar o déficit primário em 2024, uma das metas iniciais, tornou-se mais difícil.
“Os comentários só reforçaram nosso cenário base, que é de cautela e expectativa de déficit ao longo do período 2023-2026, embora com declínio nos déficits em cada ano”, diz o MUFG.
Outras pautas econômicas da semana
A votação do marco fiscal só poderá ocorrer depois que a Câmara apreciar o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tramita em regime de urgência e trava o restante da pauta na Casa. O tema tem relação com o próprio marco fiscal, já que a volta do voto de qualidade é uma das apostas do governo para ampliar receitas nos próximos anos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta votar o marco fiscal, o voto de qualidade no Carf e o primeiro turno da reforma tributária até sexta-feira (7/7), antes do recesso parlamentar. Até lá, Cajado tem dito publicamente que tentará convencer parlamentares a voltar à regra fiscal do texto encaminhado ao Senado, onde foi modificado.
Lira é aliado de Cajado e o escolheu pessoalmente para a relatoria. Foi um dos defensores de um marco fiscal mais rígido na primeira votação. Agora, com a pressa na Casa, a expectativa é que parte das mudanças feitas no Senado permaneça, embora as negociações ainda estejam em andamento.