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Por que taxar grandes fortunas é inútil – no Brasil e no mundo

Velha obsessão da esquerda, tributação sobre grandes fortunas volta ao debate. Imposto foi abolido por quase todos os países que o adotaram

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1 de 1 Imagem colorida de maços de notas de dólares americanos, empilhadas umas sobre as outras - Metrópoles - Foto: Getty Images

Em busca de um incremento de R$ 100 bilhões na arrecadação federal, para que possa zerar o déficit primário até 2024 e cumprir a meta estipulada pelo novo marco fiscal, a equipe econômica do governo vem sendo pressionada a tirar do papel propostas que tratam da tributação sobre os super-ricos.

Depois de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na terça-feira (8/8), o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), líder da bancada do partido na Câmara, defendeu abertamente uma maior tributação sobre a renda do topo da pirâmide no país. Entre as propostas que estão sobre a mesa, no bojo das discussões previstas para a segunda etapa da reforma tributária, a mais adiantada é a taxação dos fundos exclusivos, que geraria uma receita de R$ 10 bilhões, segundo o governo. Também são debatidas a tributação de dividendos e a progressividade na tributação de heranças.

Enquanto corre para finalizar o pacote de medidas que serão encaminhadas ao Congresso até o dia 31 de agosto, juntamente com a proposta de Orçamento de 2024, o governo observa a movimentação de grupos favoráveis ao Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), antiga obsessão do PT e de amplos setores da esquerda.

A proposta tem sido defendida por organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), aliada histórica do PT. Internacionalmente, a taxação dos super-ricos tem adeptos como o economista francês Thomas Piketty, crítico do capitalismo e autor do best-seller “O Capital do Século XXI”, lançado em 2013. No Brasil, a ideia poderia prosperar sob nova roupagem, em uma versão mais “moderada”.

Fracasso pelo mundo

O IGF está previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988 e sua regulamentação, em tese, deveria ter sido feita por meio de uma lei complementar, o que jamais ocorreu. Nas últimas três décadas e meia, uma série de projetos sobre o tema foram apresentados, mas nenhum deles avançou.

O IGF foi instituído em diversos países, mas a maioria deles desistiu da ideia e aboliu o imposto. É o caso de Alemanha, França, Itália, Suécia, Dinamarca, Áustria, Grécia, Holanda, Índia, Irlanda, Islândia, Tailândia, entre outros. Na França, o imposto foi extinto em 2018, no início do primeiro mandato do presidente Emmanuel Macron, em meio a uma das maiores fugas de capital da história do país.

“Essa medida é uma estupidez, do ponto de vista tributário. As fortunas representam um acúmulo de ganhos ao longo de vários anos, só que cada um desses ganhos já foi tributado, seja pelo Imposto de Renda (IR) ou pelo imposto sobre herança. Portanto, tributar a grande fortuna é tributar novamente, ou seja, fazer uma bitributação”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.

“Com essa bitributação, os ricos vão embora. Com isso, o país perde não apenas poupança, mas, em muitos casos, capacidade empresarial. As grandes fortunas, em geral, são de empresários bem-sucedidos por causa de sua capacidade de administrar e inovar em uma empresa”, diz Maílson.

Atualmente, a taxação sobre grandes fortunas só se mantém de pé em três dos 38 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): Espanha (que já aboliu o IGF uma vez, mas decidiu retomá-lo no ano passado), Noruega e Suíça. A arrecadação é baixissima: 0,2%, 0,4% e 1,1% do PIB, respectivamente. Na Escócia, o primeiro-ministro Humza Yousaf, eleito em março deste ano, quer um imposto sobre grandes fortunas para financiar medidas de apoio aos mais pobres. Na América do Sul, a taxação resiste, ainda, no Uruguai e na Argentina. A Colômbia a extinguiu recentemente.

“Para o cidadão que não entende como funciona a economia e o sistema tributário, é uma ideia encantadora. É uma tese próxima do socialismo, no sentido de tirar dinheiro dos ricos para entregar aos pobres. No caso do Brasil, essa ideia tem um quê de ‘Robin Hood caboclo’”, afirma o ex-ministro da Fazenda.

Fuga de capital e retorno baixo

O professor de finanças e consultor financeiro André Massaro também chama atenção para a fuga de capitais observada nos países que adotaram o IGF. “Os super-ricos têm muito acesso a ferramentas de planejamento patrimonial e de sucessão, além de estruturas offshore. São pessoas que têm meios de proteger seu patrimônio”, afirma.

“Em geral, essas pessoas acabam fazendo diversos arranjos, como colocar a sede de suas empresas em outros países que tenham uma legislação mais favorável. No fim das contas, isso se traduz em perda de arrecadação para o país. O tiro sai pela culatra porque quem tem dinheiro vai embora. Esse talvez seja o principal motivo para o fracasso dessa medida”, explica Massaro.

O argentino Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), avalia que a tributação de grandes fortunas pode até ser justificável sob o ponto de vista social. “Para muitos, uma boa política econômica é a que favorece os mais pobres. Nesse sentido, é bom. O grande problema é que isso provoca evasão de capitais”, diz. “Especificamente no caso da Argentina, estima-se que um valor equivalente ao PIB do país esteja aplicado no exterior, especialmente no Uruguai e nos Estados Unidos.”

Maílson da Nóbrega, por sua vez, observa que a tributação dos super-ricos no Brasil, no cenário estimado pelo governo (de uma arrecadação de R$ 10 bilhões), representaria apenas 0,1% do PIB. “Qual é a justificativa para você agredir as poupanças que as pessoas acumularam ao longo da vida, inclusive por herança, para arrecadar 0,1% do PIB?”, questiona. “Corre-se até o risco de que o custo de arrecadação diminua ainda mais. Não é fácil fiscalizar tudo isso. Há fortunas que estão em paraísos fiscais, uns declaram e outros não declaram… Enfim, é uma grande estupidez.”

Fundos exclusivos e heranças

A proposta considerada mais viável pela equipe econômica, incluindo o ministro Haddad, é a tributação dos fundos exclusivos de investimento, voltados à altíssima renda, que hoje só pagam IR no resgate, sem recolhimento semestral. Os fundos exclusivos têm essa denominação porque têm um único cotista. É preciso desembolsar pelo menos R$ 10 milhões para ter acesso ao investimento. Ao todo, o país conta com menos de 3 mil investidores nessa modalidade.

“Mexer na tributação dos fundos exclusivos faz algum sentido. Nesse caso, não se trata de um benefício direto, mas da postergação do pagamento do tributo para o período em que o investimento é resgatado. Como esse investimento é renovado a cada vez que vence, o pagamento do IR fica postergado por um período muito longo”, explica Maílson.

O ex-ministro também considera razoável discutir o aumento da tributação sobre herança no Brasil, mas acha difícil que o debate avance. “O Brasil tem uma tributação de herança muito baixa, de 4% a 5%. No mundo inteiro, as alíquotas são muito maiores. Mas essa é uma matéria delicada, deve haver uma reação muito forte”, afirma. “Um Congresso de maioria composta por pessoas ricas ou de classe média alta, dotadas de patrimônio, dificilmente aprovará um aumento substancial no imposto de transmissão por herança.”

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