Por que Putin não conseguiu usar o petróleo como arma de chantagem
Alvo de sanções, líder russo reduziu produção de petróleo e fechou a torneira do gás para Europa. Mas Ocidente reagiu e buscou alternativas
atualizado
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A estratégia do ditador russo Vladimir Putin de reduzir a produção de petróleo para emparedar os países do Ocidente não funcionou. Com oferta menor, em tese, os preços deveriam subir. Mas não foi o que se viu: nos últimos 12 meses, houve uma queda acentuada no valor do combustível, causada pela percepção de enfraquecimento da economia global, o que tende a diminuir a demanda pela commodity.
Em um ano, entre junho de 2022 e junho de 2023, o preço do barril de petróleo do tipo Brent (referência para os mercados europeu e asiático) despencou de US$ 120,57 para US$ 75,97 – uma desvalorização de 37%. No início da guerra na Ucrânia, esse valor ultrapassou US$ 130.
O governo russo anunciou que a redução de 500 mil barris por dia deve ser mantida pelo menos até o fim de junho, mas nada disso foi capaz de levar os países europeus ao colapso. Apesar de uma ligeira alta no início da semana, por causa do anúncio do corte de 1 milhão de barris por dia na produção da Arábia Saudita, analistas projetam que o preço do barril não deve ultrapassar o patamar de US$ 80 nos próximos meses.
“No último ano, a expectativa de um crescimento global menor acabou deprimindo os preços do petróleo. Agora, com o corte de 1 milhão de barris por dia anunciado pela Arábia Saudita, os preços subiram, mas muito pouco”, explica o economista Roberto Luis Troster. Mas não foi só o horizonte de menor crescimento que fez Putin perder a capacidade de usar o petróleo para chantagear o Ocidente.
A resposta do Ocidente
Desde que Putin decidiu invadir a Ucrânia, Estados Unidos e Europa se uniram em uma reação político-econômica das mais duras da história recente. Em fevereiro deste ano, a União Europeia proibiu a comercialização de produtos derivados do petróleo russo. Em março do ano passado, os EUA já haviam deixado de importar o combustível vindo da Rússia e, em dezembro, foi a vez de o Reino Unido banir a importação do petróleo bruto do país.
Os países ocidentais também aprovaram um teto de US$ 60 para o preço do barril de petróleo da Rússia. A União Europeia se comprometeu, ainda, a diminuir em dois terços as importações de gás russo em um ano.
“É uma guerra. É tudo ou nada. O mundo ocidental se posicionou contra a Rússia e adotou uma série de medidas, desde teto de preços, congelamento de reservas e até bloqueio de bens. Os russos retaliaram com outras medidas. Dar tiros faz parte da guerra e, muitas vezes, são tiros econômicos”, afirma Troster.
Novas alternativas para a Europa
Putin também decidiu fechar as torneiras do gás para a Europa, imaginando que os países do Velho Continente seriam castigados por um inverno marcado por apagões. Em agosto de 2022, a estatal russa Gazprom suspendeu o fornecimento no gasoduto Nord Stream por alguns dias. Os europeus, no entanto, buscaram novas alternativas de energia e evitaram o pior.
A Alemanha, maior potência do continente, conseguiu reduzir significativamente a sua dependência em relação ao gás da Rússia. O país construiu, em tempo recorde, o primeiro terminal de importação de Gás Natural Liquefeito (GNL) – gás natural resfriado na forma líquida, para reduzir seu volume e facilitar o transporte. O governo alemão planeja construir outros cinco terminais de GNL nos próximos meses.
Itália, um novo “hub” energético
O governo italiano, por sua vez, anunciou que o sul do país pode se transformar, em pouco tempo, em um “hub” energético para toda a Europa. A primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, disse que o país deve se consolidar como um centro de distribuição de energia entre a Europa e a África, graças à sua posição estratégica no Mediterrâneo.
O Ministério de Transição Ecológica projetou que a Itália será ‘totalmente independente” do gás russo no segundo semestre de 2024. A estatal italiana de energia Eni fechou um acordo para a construção de um consórcio de gás em Angola que inclui empresas como Chevron, BP e Total Energies. A produção deve ter início em 2026 e alcançará 9,4 milhões de metros cúbicos de gás por dia.
Enquanto isso, segundo um relatório divulgado no fim de maio pela Agência Internacional de Energia (IEA), as receitas da Rússia com petróleo caíram 27% em abril, na comparação com o mesmo período do ano passado – apesar de um aumento nas vendas, principalmente para os mercados da Ásia. O lucro da Gazprom recuou 41%, com as exportações caindo quase pela metade.
Putin nas mãos da China (mais do que nunca)
Isolada pelo Ocidente, a Rússia de Vladimir Putin está cada vez mais dependente da China. O comércio bilateral entre Moscou e Pequim já atingiu US$ 70 bilhões neste ano, um crescimento de 40%. Até o fim de 2023, deve superar US$ 200 bilhões, um recorde. O produto principal das exportações russas: petróleo. Mas é a China que faz o preço da commodity.
Putin errou: a Europa, hoje, é bem menos dependente do petróleo e do gás russos do que já foi. A Rússia, por outro lado, depende cada vez mais do regime chinês. A chantagem não funcionou.