Por que amamos odiar os ricos
“Quando a riqueza era menos visível, o ódio era mais contido”, afirma o consultor André Massaro sobre reação à tragédia do submersível Titan
atualizado
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Cada um dos cinco mortos na tragédia envolvendo o submersível Titan, que sofreu uma “implosão catastrófica”, como relatado pela Guarda Costeira dos Estados Unidos na semana passada, pagou US$ 250 mil (cerca de R$ 1,2 milhão) para embarcar na arriscada expedição rumo aos destroços do Titanic. Os cinco tripulantes tinham uma fortuna que, somada, ultrapassava US$ 2,64 bilhões (R$ 12,8 bilhões).
Assim que as mortes foram confirmadas, em meio à comoção mundial causada pelo trágico desfecho da aventura no fundo do mar, as redes sociais foram inundadas por comentários jocosos, ofensas às vítimas e um discurso de ódio direcionado aos milionários que perderam a vida. Era como se eles, ao assumirem o risco, tivessem culpa por terem morrido. Ou que, de alguma forma, merecessem algum tipo de “punição”.
“Em um caso como esse, envolvendo milionários, muitas pessoas se sentem à vontade para destilar seu ódio na internet e, por mais incrível que pareça, isso se torna até socialmente aceitável. É o que se chama, genericamente, de ‘ódio do bem’”, afirma o autor, palestrante, professor de finanças e consultor financeiro André Massaro, em entrevista ao Metrópoles.
Segundo o consultor, o comportamento agressivo e a falta de empatia chocam, mas não surpreendem. “Esse ressentimento contra o sucesso é um fenômeno mundial que foi potencializado pelas redes sociais”, observa. “Quando a riqueza era menos visível, o ódio era mais contido. Agora que a riqueza está escancarada, o ódio é potencializado.”
Leia os principais trechos da entrevista concedida por André Massaro ao Metrópoles:
A tragédia com o submersível que implodiu na expedição ao Titanic deflagrou uma série de comentários nas redes sociais nos quais muitas pessoas “comemoraram” a morte dos milionários. O que leva a esse tipo de reação?
É claro que esse comportamento chama atenção, mas não surpreende. Eu atuo na área de finanças pessoais e educação financeira e tenho contato com pessoas de diversas origens, de diferentes classes sociais. De forma geral, muita gente tem a percepção de que está em uma situação ruim porque uma outra pessoa está em uma situação melhor. Há um certo ressentimento no ar. As pessoas que têm esse comportamento podem ser classificadas em três categorias: os antissociais e sádicos, os invejosos e os “justiceiros sociais”. Há pessoas antissociais que beiram a sociopatia ou até mesmo a psicopatia. São sádicas. Sentem prazer em ver o sofrimento alheio. Em um caso como esse, envolvendo bilionários, as pessoas se sentem à vontade para destilar seu ódio na internet e, por mais incrível que pareça, isso se torna até socialmente aceitável. É o que se chama, genericamente, de “ódio do bem”. A pessoa aproveita uma ocasião trágica para liberar um pouco do seu sadismo e, ao mesmo tempo, sinalizar uma suposta virtude. No caso do segundo grupo, dos invejosos, é importante destacar que a inveja e a admiração são duas emoções muito parecidas porque ambas implicam desejarmos o que é do outro. Muitas vezes, como admiramos uma pessoa, gostaríamos de estar na situação daquela pessoa. A diferença é que a inveja é uma emoção negativa e a admiração é uma emoção positiva. No caso da admiração, a pessoa queria estar na posição da outra, mas não necessariamente quer tirar o outro do seu lugar.
Mas a inveja é um sentimento muito comum e universal, não?
Sem dúvida. É um sentimento esperado. É algo negativo, mas está longe de ser uma anomalia. Ao contrário, é muito comum. Faz parte da essência do ser humano. A pessoa está “comemorando” a morte dos bilionários, mas, se alguém chegasse para ela e oferecesse um passeio de submarino até o Titanic, com tudo pago, o sujeito provavelmente aceitaria com um sorriso no rosto.
E a categoria dos “justiceiros sociais”?
A terceira categoria talvez mereça um pouco mais a nossa atenção. É aquela pessoa que se sente incomodada com o que percebe ser uma grande injustiça social. Ela vê toda a atenção que foi dada para o evento trágico, a quantidade de recursos que foram deslocados para tentar encontrar as vítimas, toda a mobilização da Marinha e de diversas autoridades de vários países. Muitas vezes, talvez por não conseguirem exprimir exatamente o que estão sentindo, essas pessoas canalizam o sentimento em um ataque contra as próprias vítimas da tragédia. Como se os bilionários merecessem algum tipo de punição. No entanto, quem está nessa terceira categoria não odeia, verdadeiramente, os bilionários. Odeia mais a situação, mas não sabe lidar bem com as próprias emoções.
O que é, afinal, esse “ódio do bem” de que você fala?
O “ódio do bem” permeia um pouco essas três categorias que citei. As pessoas que se sentem realmente tocadas com o que identificam ser uma injustiça social acabam criando, coletivamente, as condições para o antissocial e o sociopata ficarem mais à vontade. Eles se aproveitam de uma situação sensível socialmente para sentar a porrada no outro. É o que ocorre, por exemplo, nos linchamentos virtuais, tão em voga atualmente. O sadismo, nesses casos, acaba sendo muitas vezes justificado pela comunidade. O “ódio do bem” é fazer o errado por um motivo aparentemente certo. Em geral, a pessoa encontra um pretexto para liberar sua própria agressividade. Bate, desmoraliza e xinga com gosto. O “ódio do bem” é, além de tudo, oportunista.
Nos últimos tempos, séries que retratam o cotidiano de milionários fizeram muito sucesso, como “Sucession” e “The White Lotus”, além do filme “Triângulo da Tristeza”, vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Por que há tanto fascínio pela vida dos milionários?
Há um enorme fascínio. É difícil para pessoas comuns imaginarem o que é uma vida com abundância financeira, com grande poder de influência, sem limites. Os milionários são vistos quase como outra espécie, que não faz parte da realidade dos pobres mortais. Quando assistimos a um filme ou a uma série que mostram essa faceta da humanidade, isso nos leva a fantasiar e a imaginar como seria nossa vida se não tivéssemos nenhum limite ou preocupação maior. E tem um outro ponto interessante: os filmes servem, para nós, como um instrumento de catarse. Eles nos ajudam a liberar alguns sentimentos que ficam ocultos. É muito raro que um milionário seja retratado, nos filmes, sob uma ótica positiva. Quase sempre ele é o vilão da história, o malvado, o corrupto, o desonesto. E o sujeito sai do cinema com aquela sensação: “Puxa, eu sou pobre, mas não sou um filho da p… como aquele milionário”. “Eu sou pobre, mas sou limpinho.” Ver um milionário se dando mal no filme ajuda o espectador a se sentir melhor.
Tom Jobim dizia que o sucesso no Brasil é considerado uma “ofensa pessoal”. Por que o país tem essa dificuldade de lidar bem com pessoas bem sucedidas?
Se você me fizesse essa pergunta há alguns anos, eu teria respondido de forma diferente do que farei agora. Hoje, eu não vejo isso como uma característica exclusiva do brasileiro. Tenho muito contato com estrangeiros, frequento sites do exterior, vejo muito conteúdo em inglês, redes sociais, e o grau de virulência contra pessoas de sucesso lá fora é igual ao que vemos no Brasil. Aquela percepção de que nos Estados Unidos ou na Europa é diferente, algo mais civilizado, já ficou para trás. É um problema do ser humano, não de uma nacionalidade específica. Tanto que muitos grandes executivos americanos, por exemplo, gastam uma quantia fabulosa apenas em segurança pessoal, com dezenas de guarda-costas, o que significa que a vida deles lá também não deve ser tão fácil. Esse ressentimento contra o sucesso é um fenômeno mundial que foi potencializado pelas redes sociais. As redes permitem que nós vejamos, em tempo real, a parte da vida das outras pessoas que elas desejam exibir publicamente. Ou seja, ficamos sempre com aquela percepção de que todo mundo é rico, bem-sucedido, feliz e descolado e de que só a gente está no fundo do poço. Quando a riqueza era menos visível, o ódio era mais contido. Agora que a riqueza está escancarada, o ódio é potencializado.
Quais podem ter sido as motivações desses milionários que aceitaram fazer a expedição aos destroços do Titanic, mesmo com riscos tão evidentes?
Uma coisa que tem sido muito falada nos círculos de luxo, das pessoas endinheiradas, é a importância das experiências. Muitos dizem que a melhor forma de aproveitar o dinheiro não é adquirindo bens, mas tendo experiências. Essas pessoas, provavelmente, estavam em busca de vivências, de emoções. É como alguém que vai para o espaço. E a existência do risco faz com que essa experiência seja ainda mais marcante e significativa. Vi muita gente dizendo que os caras eram idiotas porque entraram em um submersível sabendo dos riscos… Eu não acho que o bilionário que entrou nesse submersível seja mais idiota do que uma pessoa que tira racha na rua ou que faz uma trilha na Serra do Mar sem qualquer tipo de preparo ou cuidado e se perde no meio do mato. O que muda é a proporção. Aqueles caras podiam pagar o dinheiro que fosse para fazer uma viagem perigosa em um submersível experimental, quase tosco. Eu não posso, mas posso pegar o trem aqui em São Paulo e ir até a Serra do Mar para me meter em uma trilha. O comportamento é o mesmo, o que muda são os valores envolvidos, o dinheiro. Quem tem pode ir para o fundo do mar ou para o espaço. Quem não tem pega a sua moto e vai tirar racha nas ruas de São Paulo.