Por que a indústria brasileira “anda de lado” e não deslancha
Setor industrial se encontra em um patamar mais de 2% abaixo do pré-pandemia e 18% abaixo do nível recorde, registrado em 2011
atualizado
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Alta carga tributária, burocracia, problemas de infraestrutura, custo de energia elevado e efeitos da crise sanitária enfrentada pelo país e pelo mundo durante a pandemia de Covid-20. Esses são alguns dos fatores apontados pelo setor industrial para explicar por que a indústria brasileira vem “andando de lado” e não consegue deslanchar, amargando uma estagnação que já dura algum tempo.
De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial no país teve uma oscilação positiva de 0,3% em outubro deste ano, na comparação com setembro. A leve alta não recuperou, nem de longe, a perda acumulada de 1,3% em agosto e setembro.
Embora a produção na indústria tenha registrado um avanço de 1,7% em relação a outubro de 2021, os resultados acumulados de 2022 são desanimadores. Nos 10 primeiros meses deste ano, a queda é de 0,8%. No acumulado de 12 meses, o recuo chega a 1,4%.
Com isso, o setor industrial se encontra em um patamar mais de 2% abaixo do pré-pandemia, em fevereiro de 2020, e 18% abaixo do nível recorde, alcançado em maio de 2011.
“A indústria tem crescido muito lentamente, tem andado de lado. Quando comparamos os últimos seis meses com os seis meses imediatamente anteriores, percebemos um crescimento muito tímido, abaixo de 1%”, lamenta o gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles, em entrevista ao Metrópoles.
“Basicamente, o que explica esse desempenho ruim é que os setores mais dependentes de crédito já estão sentindo bastante o aumento da taxa de juros”, prossegue Telles. “Tem uma parte do setor industrial que depende muito de financiamento para escoar a produção e para vender. O comércio que vende esses produtos tem tido um desempenho pior, o que se reflete na produção industrial.”
Diagnóstico semelhante tem o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, também ouvido pela reportagem. Para ele, a taxa básica de juros (Selic) de 13,75% ao ano – a maior desde janeiro de 2017 – é a grande vilã para o segmento industrial.
“A variável mais importante para explicar essa desaceleração, sem dúvida, é o aperto monetário. A indústria de transformação e a construção civil, por exemplo, são setores muito sensíveis aos juros”, explica.
Segundo Rocha, a indústria, historicamente, “tem uma sensibilidade maior” a momentos de reversão de ciclos econômicos. “Recorrentemente, quando se tem maior dificuldade na economia, a indústria de transformação tende a ter uma contração maior”, afirma.
Crescimento tímido
De acordo com o levantamento do IBGE, apenas sete dos 26 ramos industriais pesquisados registraram alta na produção em outubro.
Entre essas atividades, os melhores desempenhos foram de produtos alimentícios (4,8%) e metalurgia (4,6%). A primeira categoria eliminou parte da perda de mais de 7% acumulada em agosto e setembro, enquanto a segunda voltou a crescer após um tombo de 7,6% no mês anterior.
Além dos setores já citados, também tiveram aumento da produção em outubro os segmentos de fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores (2,6%), impressão e reprodução de gravações (1,8%), fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (0,9%), indústrias extrativas (0,6%) e fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis (0,2%).
Por outro lado, entre as 19 atividades cuja produção recuou em outubro, os maiores impactos foram de veículos automotores, reboques e carrocerias (-6,7%), máquinas e equipamentos (-9,1%) e bebidas (-9,3%).
Segundo os analistas consultados pelo Metrópoles, os resultados pontuais de outubro não seriam suficientes para que se apontasse uma tendência consolidada. A maior preocupação em relação à indústria não é a fotografia do momento, mas o cenário mais amplo, que revela, ele sim, o atoleiro do qual o setor não consegue sair.
“Para falarmos de tendência, é melhor olharmos um período mais amplo do que a variação mensal”, diz Telles. “O pouco crescimento que ainda se tem deve-se ao comportamento do mercado de trabalho. Os setores industriais mais ligados à renda têm tido um desempenho melhor porque o mercado de trabalho tem evoluído bem”, explica o gerente da CNI.
Desindustrialização
Uma palavra usada frequentemente quando se trata da crise no setor é desindustrialização – fenômeno observado no Brasil pelo menos desde a década de 1980, quando se acentuou a diminuição da participação das indústrias na composição da economia do país.
Segundo o IBGE, em 2020, a contribuição da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) para o Produto Interno Bruto (PIB) era de pouco mais de 11%, o percentual mais baixo em 70 anos. A participação da indústria geral – que inclui a indústria extrativa, construção civil e atividades de energia e saneamento – era de cerca de 20% em 2020, também uma mínima histórica.
“O processo de perda de importância relativa da indústria na economia brasileira é longo, vem ocorrendo há muito tempo. Isso se deve, em grande parte, ao chamado custo Brasil. Temos uma série de problemas que retiram a competitividade da economia brasileira em relação aos concorrentes”, afirma Telles. “Apenas para citarmos um exemplo, as exportações industriais brasileiras têm perdido participação no total das exportações mundiais da indústria. A produção também tem perdido participação”, aponta.
Na avaliação do gerente da CNI, o custo Brasil “passa por um sistema tributário cheio de distorções, financiamento caro, infraestrutura defeituosa, custo de energia ainda muito alto, entre outros problemas que ainda permanecem”.
Recriação de ministério
O futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recriar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, extinto por Jair Bolsonaro em 2019. A pasta será comandada pelo vice-presidente eleito e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB).
Tanto para a CNI quanto para a Fiesp, a pasta pode ajudar a indústria a iniciar um processo de retomada no médio prazo.
“A recriação do Ministério da Indústria é positiva. É uma ponte de interlocução importante para o setor, sempre quando pautada por bons quadros técnicos. O governo tem bons quadros técnicos de carreira que, alocados no ministério, podem fazer um excelente trabalho”, diz Rocha.
“De qualquer forma, é importante ter em mente que o ano que vem certamente será mais difícil do que foi 2022”, alerta o economista-chefe da Fiesp. “Especialmente no primeiro semestre, a expectativa é que seja um momento bastante duro. Os juros ainda vão estar muito altos. No cenário externo, não há uma mudança de cenário muito clara. As dificuldades virão.”