Por que a batalha contra a inflação ainda não foi vencida
Governo Lula esperneia contra Banco Central, mas autoridade monetária não baixa juros porque inflação ainda é ameaça – no Brasil e no mundo
atualizado
Compartilhar notícia
“É irracional o que está acontecendo no Brasil”, disse Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira (22/6), ao encerrar sua visita à Itália praticando uma de suas modalidades preferidas desde que voltou a ocupar a cadeira de presidente da República: criticar o Banco Central (BC) pela condução da política monetária.
Para surpresa de ninguém, Lula bradava novamente contra a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano. A decisão foi anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC na quarta-feira (21/6). Foi a sétima reunião consecutiva em que os juros foram mantidos nesse patamar, o maior desde novembro de 2016. A taxa de juros é o principal instrumento dos Bancos Centrais para controlar a inflação.
Apesar da retórica virulenta do discurso de Lula, que voltou a se referir ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, como “esse cidadão” e disse que o chefe da autoridade monetária “joga contra a economia brasileira”, os números mostram que a batalha contra a inflação está longe de ser vencida.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para este ano é de 3,25%. Como há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta será cumprida se ficar entre 1,75% e 4,75%. Para 2024 e 2025, a meta é de 3%. Embora as projeções para a inflação venham caindo consistentemente nas últimas semanas, elas ainda estão acima desse patamar.
A última edição do Relatório Focus, do BC, divulgada na segunda-feira (19/6), indica que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, deve terminar 2023 em 5,12%. Para 2024 e 2025, os economistas ouvidos pelo BC projetam que o índice fique em 4% e 3,8%, respectivamente – sempre acima da meta.
Além disso, como o Metrópoles já mostrou, a inflação deve voltar a acelerar a partir do segundo semestre, sob influência da mudança na alíquota de ICMS para a gasolina, que deve fazer os preços subirem novamente.
No segundo semestre de 2022, no auge do processo eleitoral, houve a redução do PIS-Cofins e do ICMS sobre energia, telefonia e gasolina, o que ajudou a conter a inflação naquele momento. Com a volta da cobrança dos impostos, os preços estão voltando à normalidade.
“Depois do período eleitoral, a realidade bateu à porta. A gasolina teve a primeira rodada da volta da cobrança de impostos federais, em março, e agora, para julho, está prometida a segunda parte”, observa o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Outro motivo de preocupação é o núcleo de inflação no Brasil, que ficou em 6,72% no acumulado de 12 meses até maio. O núcleo capta a tendência dos preços, desconsiderando oscilações causadas por choques temporários. Trata-se de uma medida de inflação desenhada para detectar mudanças causadas por pressões de demanda sobre a capacidade produtiva, por choques permanentes nos preços ou por alterações nas expectativas de inflação. É um dado para o qual o BC olha com especial atenção.
Por fim, como se não bastassem todos esses sinais de alerta internos, “o ambiente externo se mantém adverso”, ressalta o Copom. É o que se viu, na prática, durante esta semana, quando alguns dos principais Bancos Centrais do mundo – como o Federal Reserve (EUA), o Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu – elevaram as taxas de juros ou, no caso do Banco Central americano, indicaram claramente que o aperto monetário para combater a inflação está longe de terminar.
Diante desse cenário, o Copom projeta um “processo desinflacionário que tende a ser mais lento” e afirma que o momento exige “paciência e serenidade na condução da política monetária”. Tudo o que o presidente da República não tem demonstrado em suas recentes declarações.
Pressão do governo foi contraproducente
Para André Braz, o Copom, em tese, poderia ter indicado que iniciaria o ciclo de queda da Selic a partir de agosto, mas não o fez, possivelmente, porque precisava deixar claro que sua independência e autonomia em relação ao governo de plantão não são letra morta.
“Eu não acreditava que o BC cortaria juros agora, principalmente porque o governo forçou demais a barra junto à autoridade monetária. Nem sempre interesses políticos e econômicos casam perfeitamente. E o governo estava pressionando o BC a reduzir juros, exatamente para fazer a economia ganhar mais fôlego”, afirma Braz.
“A responsabilidade da autoridade monetária é grande. Houve uma desancoragem das expectativas. Até pouco tempo atrás, víamos que as expectativas de inflação para este ano e para o ano que vem só subiam. Para conduzir a inflação para a meta o mais rápido possível, é necessário ser mais austero”, diz o economista.
“Se o governo tivesse sido mais parceiro da autoridade monetária, no sentido de reforçar a fé pública de que eles estão tomando a melhor decisão para o país, o BC já poderia ter feito esse movimento de corte de juros”, avalia Braz. “Houve e há uma pressão muito forte. Mas o BC tem de resguardar a sua autonomia.”