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Planos de saúde vão de perdas de R$ 4 bi a lucro de R$ 2 bi. Veja como

Para especialistas, reajustes de preços foram fundamentais para a virada operacional das empresas do setor entre 2023 e 2024

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1 de 1 imagem colorida medido planos de saúde - Foto: Adam Berry/Getty Images

As empresas de planos de saúde deram uma guinada formidável entre o primeiro semestre do ano passado e o mesmo período deste ano. Elas saíram de um prejuízo operacional de R$ 4,3 bilhões em 2023 e alcançaram um lucro de R$ 2,4 bilhões em 2024 – o primeiro resultado positivo desde 2021. E como ocorreu tamanha reviravolta? Na avaliação de especialistas, vários fatores contribuíram para a mudança, mas um deles foi primordial: o reajuste de preços.

No caso dos planos individuais, os aumentos são definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Neste ano, a elevação foi fixada em 6,91%. Para os planos coletivos, contudo, vale a livre negociação entre as operadoras e as empresas que as contratam. Nessas apólices, afirmam os técnicos, houve reajustes de até 50%.

E no universo da saúde suplementar planos coletivos têm um peso muito maior do que os individuais. Estes reúnem 8,8 milhões de pessoas, o equivalente a 17% do total de 51,2 milhões de usuários do sistema.

Para a maioria das operadoras, os contratos individuais tornaram-se uma dor de cabeça. Elas consideram que essas apólices são deficitárias e a recomposição dos preços por parte da ANS não banca os custos do segmento. Por isso, eles são cada vez mais raros no mercado.

Em contrapartida, os planos coletivos agrupam 42,3 milhões de brasileiros e representam quase 83% dos usuários do setor. Nesse segmento, há dois tipos de apólices. Um deles é voltado para pequenas e médias empresas (PMEs), com até 29 pessoas. Nesse caso, cada operadora define um reajuste para todos os contratos desse tipo que mantém no portfólio. Para os planos com mais de 29 pessoas, contudo, não há esse limite. O reajuste é negociado caso a caso, cliente a cliente.

Aumentos de até 50%

Gustavo Vilela, sócio-líder do setor de saúde da consultoria KPMG, observa que, no caso dos contratos com PMEs, com o limite de até 29 clientes, quase todos os reajustes praticados em 2023 foram maiores do que 20%. “Neste ano, os que não foram acima desse patamar, ficaram no limiar desse valor”, diz o especialista. 

Ele acrescenta que, no caso dos planos coletivos empresariais, em que a negociação é livre entre as operadoras e as empresas clientes, alguns aumentos chegaram a 50% neste ano. “É por isso que, sim, o que definiu o bom resultado operacional dos planos neste primeiro semestre foi sem dúvida o preço”, afirma o especialista.

O médico Carlos Lobbé, professor de MBAs de gestão de saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, concorda com a análise. Ele observa que, graças notadamente aos aumentos de preços,  a receita das companhias do setor saltou de R$ 131,6 bilhões no segundo trimestre de 2023 para R$ 149,2 bilhões no mesmo período deste ano, num avanço de 13%.

Aumento de clientes

O peso dos reajustes também é destacado por Harold Takahashi, sócio da Fortezza Partners, assessoria de investimentos especializada em fusões e aquisições. Ele nota que, além e apesar dos aumentos, o total de clientes das empresas também cresceu neste ano, na comparação com 2023, com um incremento de cerca de 800 mil pessoas. 

Takahashi destaca que o crescimento de usuários pode parecer um contrassenso diante dos reajustes dos planos. Mesmo porque, quando os preços dos produtos aumentam, a clientela foge. Mas há explicações para essa aparente discrepância. 

Uma delas é o fato de que o avanço das operadoras ocorre, principalmente, nos planos empresariais. Como o mercado de trabalho tem dado recorrentes demonstrações de força no Brasil, a entrada no mercado de um maior número de trabalhadores formais engorda a clientela dos planos de saúde.

Fator comportamental

Além disso, para Vilela, da KPMG, há um fator comportamental que explica esse fato. Ele afirma que, desde a pandemia, a importância dos planos de saúde aumentou entre os consumidores. Isso faz com que muitos usuários do sistema (o que vale para empresas que querem oferecer o benefício a seus funcionários) suportem reajustes, ou mesmo, aceitem uma mudança de contrato, aderindo a uma versão mais simples e barata do produto.

“Hoje, as pessoas abrem mão de outros bens de consumo para manter um plano de saúde e aceitam trocar uma cobertura melhor por outra pior”, diz Vilela. “As áreas de pós-venda das operadoras também estão mais preparadas para oferecer essa mudança para uma opção mais barata de plano, o downgrade, como forma de reter a clientela.”

Ganhos de eficiência

Houve ainda ganhos de eficiência. É isso o que mostra a queda da taxa de “sinistralidade” do setor, embora ela também sofra influência dos reajustes. Esse índice mede a relação entre as despesas que a operadora do plano tem com atendimentos médicos (sinistros) e o valor total arrecadado com as mensalidades dos usuários. 

De acordo com a ANS, essa taxa passou de 87,9% no segundo trimestre de 2023, para 83,8% no mesmo período de 2024. Isso quer dizer que, agora, para cada R$ 100,00 que a operadora recebe, R$ 83,80 são gastos com atendimento dos clientes. No ano passado, essa custo era de R$ 87,90. Dito assim, a diferença pode parecer pequena, mas, considerando o tamanho da receita das operadoras,  diferença entre os percentuais passa a ser expressiva.

Verticalização

Para o médico Lobbé, da FGV, a “verticalização” crescentemente adotada pelas operadoras também contribuiu com ganhos de eficiência no setor. Na gestão “vertical”, além de administrar planos, as operadoras controlam a rede de atendimento a clientes, mantendo serviços próprios em hospitais, clínicas, laboratórios e centros de diagnóstico. “Esse foi o modelo que as companhias encontraram para controlar os custos de forma mais rigorosa”, diz o especialista.

Lobbé afirma que as grandes empresas do setor, lista que inclui a Hapvida e a Amil, por exemplo, fizeram um “trabalho muito intenso de verticalização” neste ano. “O Bradesco também está montando hospitais e a SulAmérica oferece reajustes menores para clientes que usam serviços da Rede D’Or, que faz parte do mesmo grupo”, acrescenta o médico.

Limpeza nas apólices

Os especialistas afirmam ainda que cortes maciços de apólices deficitárias também ajudaram produzir o lucro no primeiro semestre. Fazem parte desse grupo de contratos que não saem do vermelho, notadamente, os planos por adesão. Eles reúnem segmentos específicos, geralmente vinculados a entidades de classe, associações profissionais, sindicatos ou conselhos de profissões de advogados, médicos ou engenheiros, por exemplo. 

Nos planos por adesão, o volume de cancelamentos de apólices chegou a tal ponto que, em maio, os planos de saúde concordaram em firmar um acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), suspendendo esse tipo de interrupção unilateral do serviço. 

Queda nas despesas

Os técnicos notam ainda que as despesas com assistência médica do setor subiram menos do que a receita entre 2023 e 2024. De acordo com dados da ANS, os gastos passaram de R$ 115,6 bilhões no segundo trimestre do ano passado contra R$ 124,8 bilhões no mesmo período deste ano, num aumento de 7,9%. A salto da receita no mesmo período, como mencionado acima, foi de 13,3%.

Glosas e inadimplência

Essa diferença, contudo, não pode ser 100% atribuída à maior eficácia das operadoras. Os especialistas consideram que ela também está associada, em alguns casos, ao não pagamento ou ao adiamento da quitação de despesas. Isso inclui glosas (quando, por vários motivos, os planos não cobrem de imediato a despesa de um cliente com o atendimento médico), além de pendências com fornecedores, ou mesmo, com o Sistema Único de Saúde (SUS). 

Dados da ANS mostram que a Hapvida, a maior operadora do país, mantinha uma dívida com o SUS de cerca de R$ 800 mil, que não havia sido quitada até o fim do segundo trimestre.  

Mudanças nos produtos

Além disso, notam os especialistas, os planos de saúde estão mudando o perfil das apólices. Isso vem ocorrendo principalmente depois que a ANS permitiu, a partir de 2021, que pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) tivessem direito a um número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos. 

De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), com a mudança, os custos dos planos relacionados ao atendimento de pacientes com TEA e TGD superaram as despesas com tratamentos de câncer e cardiologia. “Hoje, é praticamente impossível achar um produto de prateleira das operadoras que não tenha pelo menos a coparticipação em terapias”, diz Vilela, da KPMG.

Combate às fraudes

Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as principais operadoras de planos de saúde do país, creditou ainda parte do bom desempenho operacional do setor no semestre ao combate às fraudes no sistema. Em geral, esses golpes ocorrem em recibos de reembolsos, com empréstimos de carteirinhas e no fracionamentos de recibos.  

Entre 2019 a 2023, a entidade registrou 4.502 notícias-crime e ações cíveis relacionadas a falcatruas desse tipo. “Só nos últimos dois anos esses casos aumentaram 66%”, afirma o comunicado.  

A entidade avalia também que, apesar dos números positivos no primeiro semestre, é “prematuro concluir que o setor terá resultados equivalentes aos do período pré-pandemia neste ano”. “Na saúde suplementar, tradicionalmente, o segundo e o terceiro trimestres do ano são os que costumam elevar as despesas assistenciais”, diz a nota.

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