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Petrobras se tornou “refém do governo”, diz economista Adriano Pires

Indicado para presidir a Petrobras em 2022, Adriano Pires critica investimento em refino e vê tentativa do governo de reestatizar Eletrobras

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O economista Adriano José Pires Rodrigues, nome indicado para substituir Silva e Luna, discursa no plenário do Senado - Metrópoles
1 de 1 O economista Adriano José Pires Rodrigues, nome indicado para substituir Silva e Luna, discursa no plenário do Senado - Metrópoles - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O atual modelo da Petrobras, uma empresa de economista mista (cujas ações são compartilhadas entre o Estado e o mercado), não funciona bem, gera instabilidade e prejudica a competitividade da própria companhia. A avaliação é do economista Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e considerado um dos principais especialistas do país no setor de energia.

“Muita gente trata a Petrobras como uma empresa estatal, mas ela não é. É uma empresa de economia mista. Tem muitos acionistas no Brasil e no exterior. Você tem uma empresa com dificuldades de crescer e de ter uma lógica que agrade ao acionista”, afirma Pires, em entrevista ao Metrópoles. “Em última análise, a cada quatro ou oito anos, você troca o acionista majoritário da empresa e isso torna muito difícil que se faça um planejamento de longo prazo que perdure.”

Para o diretor do CBIE, defensor histórico das privatizações, a Petrobras deveria escolher entre dois caminhos. “Ou você privatiza a Petrobras ou você estatiza definitivamente, fecha o capital da empresa”, diz. “Esse modelo atual não funciona bem porque deixa a Petrobras muito refém do governo de plantão. Há uma instabilidade societária gigante na companhia.”

Na entrevista, o economista também critica a tentativa do Executivo de alterar alguns dispositivos da Lei da Desestatização da Eletrobras, aprovada pelo Congresso Nacional em 2021, e afirma que o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) “quebrou” a empresa de energia.

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Adriano Pires ao Metrópoles:

A Advocacia-Geral da União (AGU) reforçou o pedido do governo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a União aumente seu poder de voto na Eletrobras. Como você avalia os questionamentos do Executivo à privatização da empresa?

Eu lamento o que o governo está fazendo. A privatização da Eletrobras foi feita de uma maneira muito democrática. Foi a única empresa estatal privatizada no Congresso Nacional. Não foi o governo Bolsonaro que privatizou a empresa. O governo mandou um projeto, como qualquer governo pode mandar, e ele foi aprovado pela Câmara e pelo Senado após uma discussão aberta. Foi um modelo escolhido naquele momento, de se ter uma corporação com acordo de acionista. Não necessariamente o cara que tem 51% das ações manda na empresa. Depende do acordo que for feito. No caso da Eletrobras, o acordo determinou que nenhum acionista, nem os privados nem o governo, teria mais de 10% de participação na empresa. Isso é permitido na Lei das S.A. Se o Supremo der razão ao pleito do governo de querer a proporcionalidade dos votos, exercendo os 43% que tem de ações da empresa, estará desfazendo o que foi votado no Congresso. É uma afronta aos investimentos privados. Assim fica difícil trazer investimento de qualidade. Não estou discutindo se a tese do governo é certa ou errada. Mas o combinado não sai caro.

Há alguma possibilidade de o governo tentar reestatizar a Eletrobras?

Desde a época da campanha do Lula, vem se falando de reestatização. Aí o governo agora diz que não quer estatizar, quer apenas exercer os 43%… Ora, mas isso é a mesma coisa que reestatizar! Se você convocar uma assembleia da Eletrobras, a gente sabe que, no máximo, quem vai à assembleia são uns 80% dos acionistas. Quem tem 43% dos votos, então, manda na empresa. O governo vai ser o acionista com maior relevância na empresa e com um poder absurdo, de mais de 40%. Ele nega que quer reestatizar, mas, no final do dia, vai reestatizar. Essa conversa de que só quer exercer a proporcionalidade não é verdade. A verdade é que, se isso for feito, será uma reestatização.

A Eletrobras vem perdendo valor de mercado e suas ações caíram muito nos últimos meses. Críticos da desestatização afirmam que a empresa “não está entregando o que prometeu”. Afinal, a privatização da Eletrobras foi boa ou ruim?

A ação da Eletrobras está caindo por dois motivos. O principal é o risco de o STF atender ao pedido do governo e conceder essa liminar. Além disso, o mercado não está favorável para gerador de energia elétrica no Brasil. Choveu muito, os reservatórios estão cheios e o preço da energia está barato. Mas aí é uma questão de mercado: tem hora em que está bom, tem hora em que está ruim. O que temos de entender é que a privatização só foi aprovada no Congresso porque, no governo da presidente Dilma Rousseff, ela fez uma MP (n° 579, de 2012) que quebrou a Eletrobras. A empresa foi saneada depois, principalmente depois da venda de distribuidoras. Se o governo Dilma não tivesse quebrado a Eletrobras, o Congresso não teria aprovado a privatização.

A Petrobras estaria avaliando a possibilidade de se tornar controladora da Braskem, que vem sendo disputada pela Unipar e por um consórcio formado por uma gestora americana e a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (Adnoc). Vale a pena para a Petrobras assumir o controle da Braskem?

Eu acho que não. Dentro da lógica do governo do PT, que foi eleito democraticamente, a Petrobras não vai mais desinvestir, não vai mais vender refinaria e campo de petróleo. É uma decisão legítima porque o governo foi eleito e está colocando seu programa em prática. Ele ganhou a eleição e vai construir o futuro que acha melhor para a Petrobras. Eu, particularmente, acho que estão fazendo uma bobagem, mas tenho de respeitar porque o governo foi eleito e é o acionista majoritário na Petrobras. Essa história da Braskem vem se arrastando há muito tempo. O governo Bolsonaro queria arrumar alguém que comprasse a parte da Odebrecht (atual Novonor) e da Petrobras. Agora é diferente. Você tem duas possibilidades para resolver essa confusão. Ou a Petrobras compra tudo ou faz um acordo com a Unipar, o que me parece mais interessante. A Unipar compraria a parte da antiga Odebrecht, resolveria com os bancos credores, e você teria uma divisão de ativos. Não deixa de ser uma estatização, mas é uma estatização mais suave. É uma solução salomônica: não estatiza tudo, mas estatiza uma parte. Politicamente, inclusive, não é interessante a Petrobras ficar 100% dona da Braskem. Ela teria de comprar a parte da Odebrecht e a gente sabe que as relações entre o governo do PT e a Odebrecht sempre foram confusas. O custo político disso seria muito alto.

Você acha que a Petrobras deveria ser privatizada?

O modelo da Petrobras, de empresa de economia mista, é um modelo que vimos ao longo dos anos que não funciona direito. Começa pelo seguinte: muita gente trata a Petrobras como uma empresa estatal, mas ela não é. É uma empresa de economia mista. Tem muitos acionistas no Brasil e no exterior. Você tem uma empresa com dificuldades de crescer e de ter uma lógica que agrade ao acionista. Em última análise, a cada quatro ou oito anos, você troca o acionista majoritário da empresa e isso torna muito difícil que se faça um planejamento de longo prazo que perdure. Cada um que entra tem uma ideia, o que é legítimo. Se, daqui a quatro ou oito anos, o Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo) ganhar a eleição presidencial, vai mudar outra vez. A Petrobras é a empresa de petróleo que mais troca de presidente. É tão instável que, mesmo dentro de um mesmo governo, ela troca de presidente várias vezes. Eu vejo duas soluções para a Petrobras: ou você privatiza a Petrobras ou você estatiza definitivamente, fecha o capital da empresa. Esse modelo atual não funciona bem porque deixa a Petrobras muito refém do governo de plantão. Há uma instabilidade societária gigante na companhia.

A nova gestão da Petrobras deixou claro, no plano estratégico da companhia, que o refino estará entre as prioridades. Ainda faz sentido investir em refino? O governo brasileiro não deveria estar mais preocupado com as fontes alternativas de energia?

Quando o governo Temer assumiu, a Petrobras era uma empresa tão quebrada quanto era a Eletrobras. A empresa tinha a maior dívida corporativa do mundo, de US$ 120 bilhões. A primeira coisa que o governo Temer teve de fazer foi recuperar a capacidade econômico-financeira da Petrobras. Ele fez um plano de desinvestimento e os preços dos combustíveis passaram a ter a regra da paridade de importação. No governo Bolsonaro, houve uma continuidade disso. Naquele momento, nem se podia pensar em investir em energias renováveis porque o foco era recuperar uma empresa que estava quebrada. A Petrobras só não foi para a recuperação judicial porque o controle era do governo. Se fosse uma empresa minha ou sua, ou tinha quebrado ou estava em recuperação judicial. Hoje, a empresa está recuperada, os números dela são semelhantes aos das grandes empresas de petróleo do mundo. Assim, é possível ter outro tipo de planejamento, mais voltado para a transição energética. O problema é que é incompatível falar em transição energética e investir em refino. O refino é uma atividade de alto risco ambiental. Vender refinaria é ir na direção da transição energética. Investir em refinaria é ir na contramão do mundo.

A Petrobras mudou sua política de preços para os combustíveis, acabando com o Preço de Paridade de Importação (PPI), que vinculava as tarifas à flutuação do valor praticado no mercado internacional. O que você achou dessa medida?

Foi uma resposta política. O presidente Lula, durante as eleições, falou em “abrasileirar” os preços da Petrobras. O que é “abrasileirar” o preço? Eu coloquei aqui no meu Google Translator e não consegui entender o que ele quis dizer. Pode significar querer intervir no preço. A nova direção da Petrobras teve de dar uma resposta às declarações do presidente Lula. Não tinha como eles falarem que manteriam o PPI, dadas as promessas que o presidente fez. Na realidade, o governo está dando sorte. Estamos hoje com um preço de petróleo na casa de US$ 75 e com o câmbio caindo. De janeiro para cá, o preço da gasolina foi reduzido em 14% e o preço do diesel caiu 32%, respeitando o PPI. Caiu o preço do barril, depois estabilizou o câmbio e agora o câmbio está caindo. Todas as reduções que a Petrobras fez foram baseadas no PPI. Mas, politicamente, eles não podem dizer isso. Então, anunciam uma nova política de preços. Quando você vai ler o que é a nova política de preços da Petrobras, não dá para entender quase nada. Ela é confusa, não é transparente, não dá previsibilidade e mistura uma porção de coisas. Se o preço do barril aumentar e o câmbio voltar a subir, ela pode ser usada para segurar preço, por exemplo. O grande “test-drive” desse negócio só vai acontecer quando o barril voltar a US$ 80, US$ 90, US$ 100.

No ano passado, você foi indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro para comandar a Petrobras, mas acabou desistindo. Por quê?

Foi uma decisão de ordem pessoal. Eu tenho uma empresa com mais de 20 anos no mercado, uma consultoria. Tenho hoje de 12 a 15 funcionários. Naquela época, existia a Lei das Estatais, que agora não existe mais, e havia uma implicação: eu tinha de vender a minha empresa para assumir a presidência da Petrobras. Primeiro, você não vende uma empresa da noite para o dia. Eu pesei na conta o custo de vender um negócio que construí durante 20 anos. Além disso, faltavam poucos meses para o governo terminar. Eu teria de dar um cavalo de pau na minha vida profissional e acabaria prejudicando os próprios funcionários que trabalham comigo há tanto tempo. Coloquei a vaidade de lado e usei a racionalidade. O convite veio na hora errada.

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