Paulo Gala: “A discussão agora é onde a Selic vai parar”
Economista projeta juros abaixo de 10% no 1º semestre de 2024. Para ele, EUA não terão recessão e China não repetirá crescimento do passado
atualizado
Compartilhar notícia
O ciclo de queda da taxa básica de juros, iniciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em sua última reunião, em agosto, está consolidado e não será interrompido até o fim deste ano. A avaliação é de Paulo Gala, mestre, doutor e professor de economia na Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a única dúvida neste momento é até onde a Selic vai baixar.
No último encontro do Copom, os juros básicos foram reduzidos em 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano. Segundo Gala, nem mesmo a forte aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação oficial do país, que ficou em 0,28% em agosto, fará com que o BC mude a rota da Selic nos próximos meses. A elevação dos juros é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação.
“Acredito que o ciclo de queda esteja dado. A discussão que vai começar agora é o tamanho do ciclo, ou seja, onde vai parar a Selic”, afirmou Gala, que também é economista-chefe do Banco Master e conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em entrevista ao Metrópoles. “Provavelmente, surgirá uma discussão sobre o nível final da taxa de juros, com alguns diretores defendendo 10% e outros defendendo 9% ou 9,5% ao ano.”
Segundo a última edição do Relatório Focus, do BC, que reúne as projeções do mercado financeiro sobre a economia brasileira, a Selic deve terminar 2023 em 11,75% ao ano. Para 2024, a projeção é de 9% e, para 2025, de 8,5% ao ano.
Na conversa com a reportagem, Paulo Gala afirma ser ainda possível ao governo cumprir o objetivo de zerar o déficit primário em 2024, mas diz que, se isso não ocorrer, “não é o fim do mundo”. No cenário internacional, o economista avalia que uma recessão nos Estados Unidos está “praticamente descartada” em 2023 e afirma que o novo patamar de alta do PIB da China deve ser de 4% a 5%. “A China não repetirá aquele crescimento exuberante do passado”, diz.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Paulo Gala ao Metrópoles:
Depois de crescer forte no início do ano, o PIB do Brasil desacelerou, mas ficou acima das expectativas no 2º trimestre. Há motivos para euforia?
A euforia no primeiro trimestre foi localizada. Tivemos um impulso dado, principalmente, pelo agro, mas não só. A parte de commodities também veio muito forte, como petróleo, gás e minério de ferro. Isso tem muito a ver com o que está acontecendo na economia mundial e ainda era uma sequência da alta demanda durante a pandemia, com preços elevados, e da expansão da fronteira agrícola brasileira. Temos uma safra neste ano de mais de 300 milhões de toneladas de grãos, três vezes mais do que o país fazia no início dos anos 2000. No primeiro trimestre, foi uma situação muito específica. Não há uma expansão generalizada do consumo nem do crédito, muito menos do setor de serviços ou do varejo. Enfim, nada que justifique qualquer euforia. Por outro lado, é importante dizer que não estamos caindo, não há uma recessão. O PIB segue se expandindo, apesar da desaceleração no segundo trimestre. A expectativa é de melhora. A variável mais relevante hoje, no caso brasileiro, é o juro. E ele deve continuar caindo, até terminar o ano em 11,75%, e possivelmente cairá abaixo dos 10% no primeiro semestre do ano que vem, o que deve trazer um cenário mais positivo para o crédito e ajudará o varejo, o setor de serviços, o comércio em geral e o setor imobiliário.
Com a inflação voltando a subir neste segundo semestre, é possível que o Banco Central interrompa o ciclo de corte da Selic até o fim do ano?
Não. Acredito que o ciclo de queda esteja dado. A discussão que vai começar agora é o tamanho do ciclo, ou seja, onde vai parar a Selic. Havia uma divisão entre os diretores do Copom sobre o ritmo de queda. Agora eles parecem estar em consenso de que deve ser cortes de 0,5 ponto percentual até o fim deste ano e o início do ano que vem. A possibilidade de mudança desse cenário é muito baixa. Provavelmente, surgirá uma discussão sobre o nível final da taxa de juros, com alguns diretores defendendo 10% e outros defendendo 9% ou 9,5% ao ano. É importante dizer que a inflação ainda está fora da meta, que é de 3% para 2024. O mercado projeta a inflação em 3,5% no ano que vem.
Qual é sua avaliação sobre o Marco Fiscal aprovado pelo Congresso? Ficou de bom tamanho ou poderia ter sido melhor?
O Marco Fiscal ficou razoável. A discussão mais importante é o quanto ele autoriza de aumento de gastos. O teto de gastos, por exemplo, travava o aumento real do gasto público. No Marco Fiscal, o gasto pode crescer entre 0,6% e 2,5%. Ou seja, está autorizado um crescimento de 0,6% ao ano acima da inflação. Se ele não cumprir as metas de resultado primário, esse 0,6% cai para 0,5% e há penalizações. Acho que o governo está trabalhando para cumprir a meta fiscal, mas, se ele não atingir o déficit zero, haverá um limitador em quanto a despesa pública pode aumentar.
O senhor acredita na meta do governo de zerar o déficit primário em 2024?
Depende muito do crescimento. Se tivermos um crescimento de 2% ou mais no ano que vem, fica muito mais fácil conseguir zerar o déficit primário. Acho que é possível atingir o déficit primário zero em 2024. Mas, se não atingir, não é o fim do mundo.
O que o senhor achou da MP encaminhada pelo governo ao Congresso que trata da tributação dos fundos exclusivos?
A estimativa é que essa medida traga uns R$ 20 bilhões nos próximos dois anos. Era algo que já estava no radar havia algum tempo. O próprio ex-ministro Paulo Guedes queria fazer essa tributação, que não saiu por pouco. Veio dentro do esperado e deve trazer, sim, uma ajuda na arrecadação.
A economia chinesa vem dando sinais de desaceleração, com alta taxa de desemprego entre os jovens, mercado imobiliário em crise e sinais de redução do consumo. Qual é o impacto disso no mundo?
É difícil imaginar que a China vai continuar crescendo a taxas tão elevadas quanto no passado. Acredito que o novo teto de crescimento chinês é de 4% a 5%. O país tem esse problema no setor imobiliário, que ainda tem muita dívida para digerir. Não acho que haverá uma quebradeira, mas é um setor que representa muito do PIB chinês e apresenta um crescimento bem mais lento do que no passado. E a China tem essa dificuldade de conseguir transitar para um modelo de crescimento baseado em consumo e salários mais elevados. Nós não vamos mais observar aquelas taxas de crescimento de 7%, 8% ou 9%, com muito investimento público para a construção de infraestrutura. Eles já construíram aeroportos, ferrovias, portos, trens de alta velocidade. Não vão construir tudo de novo, já está tudo feito. Portanto, a China não repetirá aquele crescimento exuberante do passado. Será cada vez mais difícil ver a China crescendo acima de 5%, para não dizer que é impossível.
Quais são os cenários possíveis para a China nos próximos anos?
Temos dois cenários. Um em que a China continua crescendo entre 3% e 4%, que é bastante saudável e razoável para o Brasil e para o resto do mundo. É um nível de crescimento que gera uma demanda por commodities, o que é bom para o agro, e por todos os bens primários. E um segundo cenário, no qual a China para de crescer ou cresce muito pouco, o que é menos provável. Esse já seria um cenário mais de crise.
O Ocidente depende mais da China ou a China depende mais do Ocidente?
Na verdade, o que existe é uma dependência mútua. É uma espécie de relação de gêmeos siameses. A China é a fábrica do mundo, mas de um mundo que consome os produtos da China. É verdade que o mundo depende da produção fabril chinesa, mas também é verdade que a China depende da Europa e dos Estados Unidos para consumir seus produtos. Ainda hoje, quase 40% do PIB chinês é investimento, o que tem um lado muito bom, porque aumenta a infraestrutura, mas um lado ruim, que mostra que eles não conseguiram migrar para um modelo baseado no consumo, o modelo ocidental tradicional. O mundo depende da produção mais barata na China, mas a China depende que o mundo consuma esses produtos feitos lá. É uma via de mão dupla.
Indicadores divulgados nesta semana mostram que o mercado de trabalho dos Estados Unidos está desacelerando. Isso pode abrir espaço para o Federal Reserve aliviar a política monetária ou os juros devem continuar subindo por lá?
Com os últimos dados, está praticamente descartada a alta de juros pelo Fed na reunião de setembro. Fica ainda alguma chance para uma alta de 0,25 ponto percentual na reunião de novembro, mas o mais provável é que eles não façam essa alta. O relatório de emprego mostra que as vagas em aberto estão na mínima em três anos. O mercado imobiliário continua dando sinais de paralisação. Os investidores praticamente pararam de comprar imóveis. Apesar de os preços não caírem, o volume de vendas é muito baixo. É natural que, depois de um choque de juros como o que vimos recentemente, a economia desacelere. Acredito que o Fed vá esperar para ver o desdobramento desse choque de juros que ele fez. Não creio que vão cortar juros no começo do ano que vem, mas também não acho que vão subir mais. Devem fazer uma pausa para avaliar. A tendência é que haja um “soft landing”, uma desaceleração no crescimento americano, o que é um cenário bom para o Brasil.
No início do ano, uma recessão econômica nos Estados Unidos era dada como certa, mas os prognósticos mudaram. Ainda há esse risco?
Para este ano, a recessão já está praticamente descartada. Os dados indicam uma desaceleração, mas bem suave. Não há nenhum sinal de queda brusca nem de aumento do desemprego. Aliás, pelo contrário: o desemprego continua em 3,5%. Para 2023, a chance de uma recessão nos EUA é muito baixa.
Antes da escolha do economista Gabriel Galípolo para a Diretoria de Política Monetária do Banco Central, o seu nome foi um dos cotados para o posto. O senhor foi procurado para assumir o cargo?
Não. Foram boatos.