Para crescer, Brasil tem de “tirar uns 20 anos de atraso”, diz Gerdau
Aos 88 anos, o empresário Jorge Gerdau, lança livro e diz que o país segue atolado numa estrutura econômica arcaica
atualizado
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Para crescer de forma sustentável – e arrancar o setor industrial do atoleiro –, o Brasil precisa tirar com urgência uns 20 anos de atraso (“no mínimo”) de sua estrutura econômica. Quem faz essa a avaliação é Jorge Gerdau, um dos mais influentes empresários brasileiros. É ele também que, a seguir, em entrevista ao Metrópoles, indica o que o país deve fazer para tapar esse imenso buraco aberto no tempo.
Gerdau é um articulador contumaz desse tipo de tema. E agora, aos 88 anos, decidiu ampliar o alcance dessa discussão, acrescentando um tom pessoal ao debate, ao lançar o livro “A Busca: os Aprendizados de uma Jornada de Inquietações”. No texto, ele trata de sua trajetória, marcada pela perseguição (um dos sentidos da palavra “busca” presente no título da obra) pela excelência profissional.
Há décadas o senhor participa das discussões sobre o crescimento econômico do país. Mas parece que ainda patinamos em torno dos mesmos temas. Isso acontece?
Sim, eu concordo. E a sensibilidade política em torno desse tema ainda é extremamente pequena. E o próprio empresariado, vamos dizer, as estruturas empresariais brasileiras, elas defendem seus setores, seja aço, celulose ou automóveis. Não fazem essa macroanálise e não atuam de forma unida. No fim, é o conjunto que paga.
E como o crescimento pode ganhar tração?
Precisamos reformular nossa estrutura econômica. Esse é um processo político complicado e demorado, mas não tem outro caminho. O mundo já fez esse ajuste. O Brasil está aí, com 20 anos de atraso, no mínimo. Esse é o desafio: tirar esse atraso. Para isso, é preciso copiar estupidamente o que o mundo já fez. Não é necessário inventar nada.
O país passa por uma desindustrialização acentuada. Como revertê-la?
A desindustrialização avança e, para constatá-la, basta olhar as estatísticas dos últimos 10, 15 anos do setor. O processo industrial estagnou no Brasil. No Movimento Brasileiro Competitivo (MBC), organização que dirijo, fizemos um trabalho a quatro mãos com o governo federal e mostramos que os desbalanceamentos competitivos do país somam R$ 1,7 trilhão por ano. Repito: por ano e não a cada dez anos como já foi dito. Essa é a soma dos fatores que oneram o ambiente de negócios no Brasil.
Isso é resultado da má governança macroeconômica?
A governança macroeconômica ainda não aconteceu. Vou dar um exemplo com base nessa discussão sobre o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), da atual reforma tributária. Somos o 175º país do mundo a adotar esse tipo de imposto. Perdemos muito tempo para fazer isso e, com a estrutura tributária que temos, exportamos impostos. Agora, isso está tentando ser corrigido, mas há outro tema em que o problema é similar.
Qual é o outro tema?
A energia elétrica. Ela é um importante instrumento arrecadatório no Brasil. No caso do consumo de alta tensão, que corresponde a 35% do consumo do Brasil, temos encargos que atingem quase o preço da energia. Então, se ela custa US$ 25 o quilowatts, os encargos somam mais de US$ 20. A reforma tributária deveria alcançar o sistema de encargos. Os setores eletrointensivos não são competitivos no Brasil. Também exportamos encargos de energia.
Há ainda a logística. E o que mais?
Esse é o terceiro ponto. No Brasil, o custo médio da logística é de quase o dobro em comparação com os Estados Unidos. E há outro ponto: a questão dos salários. O operário brasileiro leva para casa algo próximo a 50% daquilo que ele custa para a empresa, com todos os encargos. Como se isso não fosse suficiente, ele paga um imposto sobre consumo extremamente elevado. Nos Estados Unidos, leva para casa cerca de 70% do que custa. Na Alemanha, também. No Chile, leva 85% para casa.
E a produtividade do trabalhador brasileiro?
Eu tenho a convicção, pela minha experiência, que o operário brasileiro, com equipamentos correspondentes, tem condições de competir em termos de produtividade e eficiência com trabalhadores de qualquer país do mundo. Como a Gerdau atua em mais de 10 países, analisamos essa questão em detalhes e foi isso que constatamos.
Isso apesar do déficit educacional e dos entraves para a qualificação de mão de obra?
Nesse caso, o que a gente faz? Emprega e educa. São 3, 4 anos de capacitação. Aí, você consegue um operário com o mesmo nível do que existe no mundo. Nós temos essa experiência e funciona. O operário brasileiro é extremamente habilidoso.
O senhor faz parte da quarta geração da família que fundou e está à frente da Gerdau (criada em 1901). Agora, a quinta geração está no comando. Vocês estão preparando a sexta geração para liderar a companhia?
Sim, estamos preparando a sexta geração.
E qual é o principal desafio dessa transição?
Já existe uma cultura na nossa família de criar condições para a sucessão. E o ponto fundamental desse processo é que os sucessores precisam dominar e entender o core business (“coração do negócio”) da Gerdau. Isso, na nossa visão, é o que faz a diferença para a perpetuidade da companhia. O sucesso ou não do negócio depende da capacidade da liderança entender do ramo e do produto em profundidade. É preciso entender o freguês, o cliente. Pode-se dizer que essa filosofia começou no início da vida da empresa, quando ela fabricava pregos.
E quais são os desafios dos próximos gestores?
A concorrência é inerente ao negócio. Mas, agora, ela assumiu características de maior complexidade, como resultado da presença da China no mercado. Os chineses são responsáveis por mais de 50% do aço existente no mundo. Com a crise imobiliária em curso no país, há um excesso de produção de cerca de 100 milhões de toneladas por ano, mais do que quatro vezes o consumo brasileiro. Isso traz um desequilíbrio grande. Uma coisa é você atuar sob um regime de competição privada. Outra bem diferente é competir com uma estrutura estatal como a da China.
Qual o impacto da ação da China no preço do produto?
Isso está provocando prejuízos enormes, que chegam a mais de 10% do custo do produto. Para não atingir sua estrutura de emprego, a China vende o aço com prejuízo no mundo afora.
Isso criou o que foi chamado de “guerra do aço” (que culminou com a criação de cotas máximas para limitar a entrada do produto importado no Brasil).
A guerra não está resolvida ainda. Ela terá novos capítulos. E está acontecendo em outros campos além do aço, como na indústria da celulose e na automobilística.
Qual o próximo capítulo da guerra?
A correção feita pelo governo foi parcial e é preciso olhar o cenário global. As análises desse quadro e da competitividade internacional são muito complexas. Mas isso também é cultural. O Brasil não tem uma grande experiência de lidar esse assunto em diversos setores. No setor primário (agricultura e pecuária), já conquistamos isso. Mas na atividade industrial ainda não existe essa macrovisão.
O que o Estado brasileiro deve fazer para enfrentar esse problema?
Deveria criar um comitê estratégico, com capacidade para analisar as macro-guerras comerciais de vários setores. O Brasil tem quadros técnicos competentes. O problema é que esse processo é mais do que técnico. É político também. Então, é preciso ajustar a máquina com agilidade política. Nisso, os americanos são ímpares. No Brasil, é uma cultura que tem de ser aprimorada. Mas acredito que vamos fazer isso rápido porque é um tema ligado à sobrevivência da nossa atividade econômica.
No Brasil, parte do empresariado é criticada por defender a livre iniciativa, mas, sempre que a coisa aperta, corre para pedir ajuda ao governo. O senhor concorda com essa avaliação?
Nós vivemos um círculo vicioso. Conceitualmente, acho que, se o sistema de regras econômicas e políticas trabalhasse dentro de padrões internacionais, a dependência das empresas em relação ao governo seria bem menor. Como a estrutura é absolutamente artificializada, quando as coisas não andam bem surge automaticamente a pressão para que o governo retire um encargo, um custo, um encargo. Mas o fato é que temos um custo catastrófico dado pela ineficiência da burocracia e isso faz com que fiquemos nesse emaranhado. Como já mencionei, temos esse custo anual de R$ 1,7 trilhão. Por isso, o empresariado tem de se envolver mais no processo político de correção desses desbalanceamentos.
Mas se envolver como?
Nos últimos anos, surgiram várias entidades importantes de representação econômica. Mas as estruturas históricas e formais têm uma dependência governamental que as enfraquece e diminui a autenticidade empresarial. Os setores empresariais também trabalham apenas de acordo com seus interesses. Tem um capítulo do interesse global que precisa ser atingido.
E quanto ao seu livro? A que tipo de busca o título se refere?
Em várias frentes e projetos dos quais participei, sempre busquei eficiência e excelência. Essa é a busca. Ao longo da minha vida, apoiei iniciativas em campos variados como educação, cultura, saúde, logística e custo Brasil, por exemplo. São frente de trabalho com as quais me envolvi e, no livro, tento certificar isso. E, no final do trabalho, como eu não estava satisfeito com essa argumentação, digamos, convencional, fiz com o editor Tulio Milman uma lista com 23 palavras, com as quais defino o propósito para se atingir a busca da competitividade com ajuste social.
Quais são as principais palavras desse léxico da eficiência?
Há duas palavras-chave. A primeira é respeito, a segunda, amor. Elas dão o abraço nessa concepção de busca que estabeleci na vivência desses anos todos.
Como o senhor define o termo respeito?
O respeito é fundamental no trabalho, família, nas relações em geral, ou mesmo, no que diz respeito às instituições. Não há campo em que não temos de atuar com respeito. O contrário, o não respeito, é um inimigo do processo de desenvolvimento. Meu pai respeitava o porteiro da fábrica no mesmo nível que o principal engenheiro. Essa relação humana de respeito é extremamente importante. Isso vale em relação às leis também.
E o amor?
Para fazer bem-feito, se não tiver amor, envolvimento, empolgação, em qualquer tipo de atividade, a gente não chega lá.
A capa do livro traz uma foto do senhor ao lado de uma prancha de surfe. O senhor ainda surfa?
Não, infelizmente, o surf tem um limite de idade. Na onda, depois que você nadou com ela, é preciso subir rapidamente para ficar em pé na prancha. Me falta juventude para executar esse movimento. Mas nas 23 palavras também relacionei uma que é muito importante para mim, para a busca, e faz parte desse esporte.
Qual palavra?
Diálogo. O surfista acorda e vai ver qual o melhor lugar para pegar as ondas. Para chegar a essa resposta, ele precisa dialogar com a natureza. E isso vale para tudo mais.