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Os motivos que ainda travam o acordo de União Europeia e Mercosul

Acordo entre Mercosul e UE, de 2019, teve pontos-chaves reabertos. Compras governamentais e temas ambientais estão no centro dos entraves

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1 de 1 foto colorida presidente Lula e presidente da comissão europeia - Metrópoles - Foto: Secom/PR

Negociado há duas décadas, o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) tem sido tema central nas frequentes viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Europa neste ano. O cenário se repetiu nesta semana, em que Lula está em Bruxelas, na Bélgica, para cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos com a UE.

O acordo não era agenda direta da visita, mas voltou à pauta nas declarações. “Um acordo entre Mercosul e União Europeia equilibrado, que pretendemos concluir ainda este ano, abrirá novos horizontes”, disse Lula na segunda-feira (17/7).

“Queremos trabalhar de mãos dadas com vocês para lidar com os grandes desafios do nosso tempo”, afirmou, por sua vez, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Nossa ambição é resolver qualquer diferença que existe, o quanto antes.”

A “diferença” citada pela mandatária europeia, no entanto, não é pequena. Embora o acordo tenha sido aprovado em 2019, chegar a uma conclusão ainda neste ano, como projeta o governo brasileiro, exigirá desatar alguns nós – que vão das demandas de proteção de mercado a temas ambientais.

O que é o acordo entre UE e Mercosul

Um acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul começou a ser negociado ainda em 2000. O texto aceito pelos dois lados foi concluído somente em 2019, abrangendo eliminação de tarifas de importação para quase todos os produtos, além de medidas sanitárias e regulatórias, propriedade intelectual e outras frentes.

Apesar de o acordo ter sido comemorado, os passos seguintes ficaram estagnados desde então. E um novo entrave veio neste ano, quando a União Europeia enviou uma carta adicional com novas demandas (a chamada side letter).

“Para o Mercosul, o que a side letter significou foi uma mudança nas regras do jogo, com o jogo em andamento”, diz Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM, em São Paulo. “Não era o que estava acordado desde a assinatura das prévias no final de 2019, e isso abriu margem para os dois lados começarem a rediscutir pontos.”

Uma das pautas da UE é tornar obrigatórios compromissos ambientais para os produtos do Mercosul. Em evento com o presidente francês, Emmanuel Macron, no mês passado, Lula chegou a chamar a carta europeia de “ameaça”. Uma minuta em resposta, com demandas do Brasil e países do Mercosul, já circula nas chancelarias.

Os interesses conflitantes de franceses e alemães

O pano de fundo é um embate histórico de produtores europeus, que disputam mercado com o agronegócio brasileiro. Os franceses se preocupam sobretudo com a indústria láctea, enquanto poloneses e outros países do leste europeu são tradicionais produtores de grãos.

Parte do entrave havia sido superado para se chegar ao texto de 2019, mas o assunto voltou à tona com as críticas na Europa à política ambiental brasileira – que ganharam força nos últimos anos.

Enquanto isso, sobretudo a Alemanha, maior economia da Europa, tem interesse no mercado consumidor sul-americano para vender seus produtos industriais. Recentemente, outro ponto de atenção são minérios, como lítio, níquel e outros insumos usados em baterias, que a Europa demanda para sua transição energética e que o solo da América do Sul possui em abundância.

“A Alemanha tem ‘quatro’ olhos no mercado automotivo brasileiro, percebe com toda a clareza que a China está chegando e não quer perder esse mercado. E, agora, há ainda interesse na aproximação com as cadeias produtivas da nova matriz energética”, diz Trevisan. “É evidente que, para a Alemanha, há uma realidade, enquanto para a França, há outra.”

As maiores exportações da UE para o bloco sul-americano são hoje máquinas, produtos farmacêuticos e químicos e equipamento de transporte. O Mercosul vende para a UE sobretudo produtos minerais, grãos (como café e soja) e outros alimentos, bebidas e tabaco. Em bloco, a UE é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul, atrás da China, com mais de 90 bilhões de euros em trocas.

Compras governamentais e meio ambiente são novos entraves

A carta adicional com as demandas ambientais abriu espaço, ainda, para as partes voltarem a discutir as chamadas compras governamentais, que têm gerado divisões pelo lado do governo brasileiro. O acordo exigiria “tratamento nacional” às compras governamentais de fornecedores estrangeiros, o que inclui itens de Defesa e medicamentos vendidos ao bilionário Sistema Único de Saúde (SUS).

Tentar rever esse ponto é medida apoiada nos bastidores por pastas como Gestão, Saúde e a assessoria internacional direta do presidente Lula. Parte do Itamaraty aponta que mexer nas compras governamentais afetaria todo o acordo, e pastas como Planejamento e Mdic (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) defendem concessões.

Ao falar sobre o acordo em Bruxelas, Lula disse na segunda-feira que o Brasil vai “cumprir sua parte” na questão ambiental, mas que não abrirá mão da flexibilidade em compras governamentais.

“As compras governamentais são um instrumento vital para articular investimentos em infraestrutura e sustentar a nossa política industrial”, disse o presidente.

Apesar dos entraves, ambos os lados seguem altamente interessados no acordo. Para o Brasil, estimativas anteriores apontam que os ganhos no Produto Interno Bruto (PIB), incluindo aumento de produtividade, podem superar US$ 120 bilhões em 15 anos. Já as exportações subiriam US$ 100 bilhões até 2035.

Além de um meio termo entre as partes nos próximos meses, o acordo terá depois de ser aprovado pelos parlamentos dos países do Mercosul e dos 27 membros da UE. O assunto demandará muitas outras rodadas diplomáticas – e uma negociação que coloque franceses, alemães, argentinos e brasileiros no mesmo barco.

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