Open Finance: como funciona e por que muita gente ainda resiste a ele
Enquanto “bancões” temem perder mercado e sofrem com dificuldades operacionais, clientes se preocupam com a segurança de seus dados pessoais
atualizado
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Lançado em março de 2022, pouco mais de um ano depois do Open Banking, o Open Finance (ou sistema financeiro aberto) já recebeu mais de 29 milhões de consentimentos ativos até junho de 2023, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Apenas no primeiro trimestre, foram cerca de 3 milhões de novos consentimentos, em média, por mês.
O Open Finance é o sistema por meio do qual clientes de produtos e serviços financeiros podem permitir o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições autorizadas pelo Banco Central (BC). Trata-se de uma versão mais abrangente do Open Banking, lançado em fevereiro de 2021. O novo modelo inclui não apenas informações sobre produtos e serviços financeiros mais tradicionais (como contas ou operações de crédito), mas também dados de produtos e serviços de câmbio, credenciamento, investimentos, seguro e previdência.
Qualquer pessoa que adere ao Open Finance pode, por exemplo, usar as informações financeiras que possui em determinado banco para contratar seguros ou planos de previdência de outras instituições que oferecerem condições mais vantajosas. Também pode ter acesso a opções diferenciadas de investimentos.
O medo dos “bancões”
Segundo o estudo Global Open Finance Index, desenvolvido pela Open Banking Excellence (OBE) em parceria com a Universidade de Oxford, o Brasil já deixou para trás o Reino Unido – pioneiro no Open Banking – e se estabeleceu como líder mundial no ranking do sistema financeiro aberto. Entretanto, apesar dos notáveis avanços tecnológicos e do crescimento do sistema nos últimos meses, muitos bancos e clientes ainda resistem a utilizar o Open Finance.
De acordo com um levantamento do Google Cloud, em parceria com a R/GA, uma de cada quatro instituições financeiras do país ainda não oferece o Open Finance a seus clientes. Cerca de 40% delas disponibilizam apenas um serviço integrado ao sistema, uma versão bem mais limitada.
“Uma das explicações para essa resistência é a concentração bancária que temos no Brasil”, afirma Alan Mareines, CEO da Lina Open X. “Isso se deve ao fato de que as grandes instituições não querem perder fatia de mercado. Se eu tenho uma conta em um banco grande e quero compartilhar os meus dados com um banco digital ou uma nova fintech que me ofereçam uma taxa de serviço melhor, não interessa ao ‘bancão’ disponibilizar essas ferramentas”, explica.
Além do medo dos “bancões” de perder clientes, diz o especialista, há dificuldades operacionais para as instituições se adequarem às normas estabelecidas para o compartilhamento de dados e serviços.
“Existe muita dificuldade, em grande parte por causa dos padrões estabelecidos, que não são determinados somente pelo BC”, diz Mareines. “Essa é a maior diferença entre o Pix e o Open Finance. O Pix foi e é um baita sucesso porque o BC assumiu todas as atividades e atribuições. Já no Open Finance, os padrões são definidos de acordo com comitês compostos por diferentes instituições, como Febraban, fintechs, instituições de crédito, bancos ou corretoras”, prossegue.
“A segunda grande dificuldade é que o cronograma de implementação estabelecido pela estrutura central do Open Finance é muito apertado, do ponto de vista técnico, para os departamentos de tecnologia, que já têm uma demanda enorme”, afirma.
Muitos clientes não se sentem seguros
Não são só os grandes bancos que resistem ao novo sistema. Muitos clientes, potenciais usuários do Open Finance, se preocupam com a forma pela qual seus dados serão utilizados. Segundo um levantamento da Capgemini Brasil, a preocupação com a segurança foi citada como o principal motivo para a recusa da autorização de acesso ao Open Finance por 49% dos entrevistados.
A pesquisa mostrou que 35% disseram não entender por que compartilhar os dados e 34% não sabiam quais eram os benefícios disso. Para 43% dos clientes, o compartilhamento só seria possível se eles tivessem certeza de que não seriam prejudicados. Outros 57% responderam que compartilhariam seus dados se tivessem garantia de que o processo é totalmente seguro.
“Parte da agenda do Open Finance depende da cultura dos usuários. É necessária uma agenda de educação para o uso desse novo instrumento”, avalia Mareines. Para o executivo, é necessário “ educar o cliente para que ele entenda que esse fluxo é normal e não tem riscos, assim como acontece quando fazemos login com o Google ou com o Facebook em vários ambientes”. “A segurança do Open Finance é compatível com todos os serviços bancários oferecidos no Brasil. É a mesma barra de segurança do Pix, do sistema de TED ou do sistema de crédito, por exemplo”, diz.
Revolução ao estilo Pix?
Para David Mourão, CEO do Linker, banco digital especializado em pequenas e médias empresas, o Open Finance “é uma das grandes soluções para o processo de democratização da informação”. “O poder de transformação do Open Finance é tremendo. Você começa a ter uma visão mais global, a padronizar as informações das empresas e pessoas físicas e a conseguir, na ponta final, ter taxas melhores para oferecer”, afirma.
Segundo Alan Mareines, o Open Finance deve significar uma “revolução” no sistema financeiro brasileiro, principalmente se a resistência ao formato diminuir entre bancos e usuários ao longo dos próximos anos. Para isso, diz ele, os grandes bancos “precisam ver valor no Open Finance, assim como viram no Pix”.
“Por mais que a agenda tecnológica no Brasil tenha evoluído, as instituições globais ainda não descobriram como realmente aproveitar os dados dos outros correntistas. Como isso ainda não está claro para essas instituições, muitas delas acabam ‘fingindo’ que nada está acontecendo, que não existe esse produto”, afirma.
“O Open Finance será uma revolução, não em volume, mas em qualidade. O Pix é uma revolução nesses dois aspectos, em volume e qualidade. Hoje, o serviço de pagamento é muito melhor e, em volume, é cada vez maior o número de pessoas que fazem praticamente tudo pelo Pix”, prossegue Mareines. “Já no Open Finance, eu não vou compartilhar os meus dados várias vezes ao dia. Ou seja, ele jamais terá o volume do Pix. Nem é para ter. Mas, na qualidade do serviço, sentiremos uma grande diferença.”