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O dragão desacelera: deflação na China acende alerta no mundo

China teve primeira deflação anual em dois anos – e economistas avaliam que era de crescimento nas alturas pode ter ficado de vez para trás

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Lintao Zhang/Getty Images
presidente da China, Xi Jinping sentado em mesa - metrópoles
1 de 1 presidente da China, Xi Jinping sentado em mesa - metrópoles - Foto: Lintao Zhang/Getty Images

A China anunciou nesta semana sua primeira deflação anual em mais de dois anos, o que não ocorria desde 2021 – então auge da pandemia da Covid-19. Embora esperada, a queda de 0,3% do indicador em julho deu força à leitura de que a aguardada reabertura da economia chinesa não será tão forte quanto parte dos economistas supunha.

Quando a China anunciou o fim gradual de sua política de “Covid zero”, que fez o país ter quarentenas severas por três anos, a expectativa era que a economia decolaria rapidamente. O governo definiu uma meta de crescimento de 5% para 2023, e o alvo chegou a ser visto como bastante moderado para os padrões chineses.

Ainda que frentes como o setor de serviços tenham de fato se reerguido no começo do ano, a projeção é que a meta será atingida com mais dificuldade.

“Criou-se uma expectativa de que a China fosse ser o carro chefe da economia global neste ano, mas os números têm decepcionado até agora”, diz André Cordeiro, economista sênior do banco Inter.

Freio na demanda chinesa

Uma deflação ocorre quando há “inflação negativa”, isto é, uma demanda por bens e serviços abaixo da oferta. No caso da China, esse tem sido o problema mesmo antes da deflação vista em julho: a confiança do consumidor está em patamares baixos e setores importantes para a economia, como o imobiliário, vivem momento de saturação após a bonança dos anos 2010.

A questão que mais preocupa é uma alta taxa de desemprego juvenil, superior a 20% (muito acima da média geral, em torno de 5%).

“A China está descolada das demais economias em termos de ciclo econômico. Enquanto estamos discutindo aperto de juros nas demais economias desenvolvidas e até emergentes, na China, estamos discutindo estímulos”, diz Laura Pitta, economista do Itaú Unibanco.

As movimentações na China são observadas com atenção mundo afora, uma vez que o país tem a segunda maior economia do globo e potencial de afetar preços de commodities como petróleo, minérios e produtos agrícolas. No caso do Brasil, a China tem efeito ainda mais crucial, por ser o maior parceiro comercial brasileiro desde 2009 e comprador de quase um terço das exportações nacionais.

Os economistas afirmam que parte do motivo pela demanda mais fraca da China vem de muito antes, da própria resposta escolhida na pandemia. Além de quarentenas mais rigorosas, Pequim optou por combater os efeitos econômicos da Covid-19 sem grandes pacotes de estímulo à demanda das famílias, o que tem efeitos até hoje.

“Países como Brasil, europeus e EUA colocaram dinheiro no bolso das famílias. A China não fez isso, optou pela estratégia de ajudar as empresas”, diz Cordeiro, do Inter. “Somando isso a fatores como desemprego juvenil, famílias estão reduzindo a propensão a consumir e com foco em reduzir sua dívida, em vez de gastar mais”, afirma Laura Pitta.

Além disso, as exportações estão mais fracas, com uma combinação entre a economia global em fase de juros altos e a guerra comercial com os EUA que impõe novas barreiras. “As exportações, que sempre foram um motor da economia da China, não têm crescido da mesma forma”, diz Rafael Perez, economista da Suno Research.

A nova fase da China

Para garantir o crescimento esperado, a China pode lançar mão de estímulos neste ano, e cada nova pista sobre o tema tem feito saltar os preços das commodities nos mercados globais. No entanto, embora incentivos de Pequim estejam no radar, a maior parte dos agentes não aposta em medidas muito amplas pela via da demanda das famílias, o grande gargalo atual.

Dessa forma, a inflação deve seguir em patamares baixos. Isso não deve acender o alerta imediato em países como o Brasil, diz Perez, da Suno, que afirma que a demanda seguirá por produtos como minérios, carne e soja. “A classe média chinesa continuará consumindo”, diz.

Mas será uma nova China, neste e nos próximos anos. Em sua busca por transicionar de um país de renda média para um país rico, a China investe em apostas de longo prazo, como o desenvolvimento de tecnologias de ponta. Como fizeram outras economias desenvolvidas no passado, a expectativa é que o país cresça menos e passe a ter uma classe média fortalecida, com maior participação do consumo interno nos resultados da economia.

Nesse processo, uma desaceleração chinesa sempre esteve precificada, diz Pitta, do Itaú, mas a dúvida é como isso ocorrerá. Economistas costumam citar sempre o caso do Japão, que ameaçava ser um grande rival econômico dos Estados Unidos no fim do século passado e, com o tempo, entrou em processo intenso de desaceleração econômica e deflação.

Somam-se a isso os imbróglios políticos, como os questionamentos à maior centralização promovida pelo atual governo Xi Jinping e os impactos econômicos do embate com os Estados Unidos.

“Ali em 2019, com a guerra comercial com os EUA, já começou um cenário mais desafiador de médio prazo para a China”, diz Pitta. “Esse cenário ficou ainda mais difícil com a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia. E há o intervencionismo maior no setor privado, que ficou mais evidente a partir de 2021”, diz a economista.

Ela cita que o investimento direto na China também tem caído nos últimos anos, um dos principais fatores de risco apontados no último relatório do Fundo Monetário Internacional sobre o país.

A China terá pela frente anos decisivos, e o mundo não deve ter em Pequim um motor global tão potente como no passado. “A verdade é que o pico das commodities foi ali em 2012, e desde então, temos apenas mini-ciclos”, diz Pitta. “Ficará o desafio para o resto do mundo de viver com essa nova China.”

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