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“Ninguém acredita em equilíbrio fiscal em 2024”, diz Giambiagi

Para o economista Fabio Giambiagi, o governo não vai ser zerado o déficit no próximo ano e a tendência é que o problema piore com o tempo

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As contas públicas federais voltaram a movimentar o mercado nos últimos dias. A Bolsa caía e o dólar subia à medida que se aproximava o momento em que o governo entregaria o projeto de Orçamento de 2024 para avaliação do Congresso. O que ocorreu nesta quinta-feira (31/8). Essa alteração de humor dos investidores era justificada pelos analistas como fruto de “incertezas fiscais”, em especial sobre o cumprimento da promessa de equilibrar gastos e despesas, zerando o déficit em 2024.

Essa, porém, não era a situação do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV). Ele não tinha incerteza nenhuma sobre o assunto. Ao contrário, dizia convicto: “Eu não acredito, ninguém acredita e nenhum economista que eu conheça acredita que vai haver equilíbrio fiscal em 2024”. Por quê? É o que Giambiagi explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

O governo entregou ao Congresso um Orçamento que prevê zerar o déficit fiscal em 2024. O senhor acha essa meta viável?

Eu não acredito, ninguém acredita, nenhum economista que eu conheça acredita que vai haver equilíbrio fiscal em 2024. Mas é evidente que se, agora, o governo joga a toalha, ele vai enfrentar problemas no Congresso. Os parlamentares não vão querer aprovar o projeto.

Qual é o problema para o cumprimento das regras fiscais no próximo ano?

O problema é que as condições iniciais são muito ruins. Uma coisa é dar início a uma regra com um superávit primário. Outra coisa é iniciá-la num ano de forte desajuste, como é o caso de 2023.

Mas, se o resultado é pouco crível, por que o marco fiscal foi bem-recebido pelo mercado?

Na forma como apresentou as regras, o governo deu um pouco a entender que a aprovação do arcabouço era meio caminho andado para alcançar as metas fiscais. Ledo engano. Isso depende das receitas. Então, podemos ter o arcabouço rigorosamente respeitado, os gastos correndo de acordo com os parâmetros, e um resultado fiscal muito ruim, porque a receita pode deixar a desejar.

É isso o que pode acontecer?

Sim. Temos um baixo nível de receita, com a agravante de que como o arcabouço só vale para o futuro e o crescimento do gasto deste ano está sendo enorme. Na verdade, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) vendeu uma imagem de austeridade para 2024 em diante, passando por cima do fato de que, neste ano, vamos ter um crescimento do gasto da ordem de 8% do PIB em termos reais, provavelmente. Para dar uma ideia do que isso representa, basta dizer que, no primeiro ano do governo Lula 1 (em 2003), o gasto caiu 4% em termos reais.

O que está acontecendo agora com o marco?

Agora, começam a aparecer as deficiências da política fiscal, que foram apontadas desde o começo. O mercado viveu uma espécie de autoengano em relação a forma como recebeu o arcabouço. Isso ocorreu porque, provavelmente, temia um cenário desastroso e, na margem, o marco fiscal assinala com alguma forma de ajuste. Mas se passou por cima do fato de que a situação inicial é muito ruim. Isso por uma responsabilidade compartilhada entre o governo que foi embora e o novo, por causa da aprovação da PEC da Transição ou “PEC da Gastança”, como queiram definir. Ainda existe a agravante de PT não comprou o projeto.

Em que aspecto o partido não comprou o projeto?

O PT está reclamando, já está querendo mudar meta, num ano em que os gastos reais estão crescendo a 8% do PIB. O que, nesse aspecto, é um céu de brigadeiro. Imagine o que vai acontecer quando o arcabouço começar para valer, isso em 2025 ou em 2026, e nós tivermos de ter uma redução das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos), devido ao aumento dos outros gastos. Há uma incompatibilidade intrínseca entre o que faz o braço direito do governo e o que faz o esquerdo. Eles não se comunicam, não parecem conectados ao mesmo cérebro.

Como são esses dois lados?

Há um lado que diz “temos de controlar” e o outro que diz é para gastar, a começar pela regra do salário mínimo. Ela é um tiro de canhão contra o sucesso do arcabouço no médio prazo. E essas coisas vão se delineando e vamos ter, provavelmente, um confronto na segunda metade do governo.

O senhor falou que as deficiências das novas regras estão vindo à tona. Quais são?

Pelo lado do gasto, não está sendo feito nada. Ao contrário, só vemos aumentos: piso para saúde, salário mínimo, despesas com seguro desemprego, Bolsa Família. Tudo isso depende de receita, mas ela está caindo fortemente.

Por que está caindo fortemente?

Petrobras, por exemplo. Compare os dividendos pagos pela empresa no ano passado com este ano. Muito menos.

Qual pode ser o resultado desse quadro?

O governo está agravando tendências pré-existentes no país. Fizemos uma reforma da Previdência severa, mas não foi realizada para reduzir as despesas. Na verdade, elas continuam aumentando. A reforma foi feita para diminuir a velocidade de crescimento dos gastos. E ela vai aumentar à medida que os efeitos da reforma se diluírem ao longo da próxima década. A essa realidade demográfica, que já era extremamente desafiante, o governo está adicionando uma bomba de tempo.

Qual bomba?

A política de salário mínimo. Ela aumenta a aposentadoria de dois em cada três beneficiários, com as novas regras que foram aprovadas nesta semana. Essa questão combinada com tendências demográficas (envelhecimento da população, por exemplo) atenta contra o sucesso do arcabouço. Não no curto prazo, mas no médio.

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