Mudar regra da energia solar penaliza pequeno consumidor, alerta setor
Votação de alterações no Marco Legal da Micro e Minigeração de Energia na Aneel ficou para o dia 7 de fevereiro; entidade alerta para riscos
atualizado
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Eventuais mudanças determinadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na Lei nº 14.300/2022, que instituiu o Marco Legal da Micro e Minigeração de Energia – também conhecido como marco legal da energia solar –, seriam um “contrassenso” e penalizariam, principalmente, o pequeno consumidor residencial de baixa renda.
Essa é a avaliação de Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), uma das entidades que questionam a nota técnica divulgada pela Aneel no dia 26 de janeiro, que propõe mudanças na legislação referente à microgeração e à minigeração distribuída.
Em reunião realizada na terça-feira (31/1), a diretoria da Aneel decidiu adiar para o dia 7 de fevereiro a votação das eventuais mudanças no marco legal. A decisão pelo adiamento foi tomada após a apresentação de sugestões do setor. Ao todo, 17 profissionais de associações e empresas do setor elétrico se manifestaram durante a reunião da Aneel.
“Algumas contribuições me trouxeram dúvidas que precisam ser estudadas. Sei que minha decisão eventualmente pode frustrar quem está nos acompanhando, mas vou retirar o processo da pauta com a intenção de retomá-lo na próxima reunião”, afirmou o relator do processo na Aneel, Hélvio Guerra.
Promulgada em 6 de janeiro de 2022, a Lei nº 14.300 instituiu o novo marco regulatório da geração distribuída – termo usado para a produção própria de energia – e o Programa de Energia Renovável Social (PERS). Em linhas gerais, a nova legislação permite a consumidores produzirem a própria energia que utilizam a partir de fontes renováveis.
A Lei nº 14.300 prevê subsídio para a energia solar até 2045 e estabelece uma regra de transição para quem optar por gerar energia de forma individual a partir de 2023. De acordo com a legislação, as unidades consumidoras existentes na época da sanção da lei continuam com os benefícios concedidos pela Aneel, por meio do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), por mais 25 anos.
“A lei precisa ser regulada pela Aneel, mas fazer isso por meio da proposta apresentada é um contrassenso frente a todas as discussões que ocorreram no momento da construção da lei. É um contrassenso que eles tragam essa proposta em um momento no qual o Brasil e o mundo têm estudado cada vez mais formas de promover a transição energética e estimular a maior inserção da energia limpa”, diz Bárbara Rubim, em entrevista ao Metrópoles. “Se o Legislativo, que é o órgão soberano e representante do povo, optou por criar uma política pública com a vinda do marco legal, não pode ser a Aneel, por meio de um ato infralegal, a inviabilizar essa política.”
Os pontos que mais preocupam o setor
Segundo a Absolar, são dois os pontos principais que devem ser revistos pela Aneel em sua resolução. O primeiro se refere à tarifa denominada Fio B – parte da composição da tarifa de energia correspondente ao uso do sistema de distribuição.
“Quando a Aneel trouxe a proposta de regulação, ela sugeriu que, além do pagamento do Fio B, que é esse componente tarifário que remunera a distribuidora, o consumidor deveria continuar pagando a taxa mínima ou o custo de disponibilidade. Então, o pagamento desses dois valores juntos significa que esse consumidor vai pagar duas vezes pelo uso da rede. Seria um duplo ônus para o consumidor que decide gerar sua própria energia”, critica Rubim.
O segundo ponto contestado pela vice-presidente de geração distribuída da Absolar é a cobrança de uma terceira tarifa para o consumidor de menor porte – uma espécie de demanda contratada na usina utilizada por quem optar pela produção da própria energia.
“São consumidores de baixa renda, residenciais, agricultores que muitas vezes trabalham com agricultura familiar. Hoje, que usinas pagam pelo uso da rede? São usinas de grande porte, construídas para atender grandes indústrias ou fábricas”, diz Rubim. “O que essas propostas fazem é estabelecer uma tripla cobrança para o consumidor pequeno, de baixa renda, residencial. Isso sensibilizou o relator a retirar o processo de pauta e abrir uma semana a mais de diálogo.”
Judicialização
Outro ponto sensível é o prazo para as distribuidoras adaptarem seus sistemas de faturamento às mudanças propostas pela Lei nº 14.300. Desde o dia 7 de janeiro de 2022, há uma redução gradual de subsídios de conexão à rede dos sistemas fotovoltaicos.
Atualmente, o prazo para a entrada em operação, contados a partir da data de emissão do parecer de acesso, é de 120 dias para microgeradores distribuídos, 12 meses para minigeradores de fonte solar e 30 meses para minigeradores das demais fontes. Entretanto, há casos em que a distribuidora vê necessidade de serem realizadas obras na rede elétrica para viabilizar a conexão da geração.
Segundo o entendimento da Aneel, obras na rede não podem significar pendências que suspendam a contagem do prazo para o início de injeção do empreendimento de geração distribuída solar, que é de 12 meses. A medida afetaria, principalmente, os projetos entregues até 7 de janeiro de 2022, quando havia subsídio integral na conexão da rede.
Só em dezembro, foram mais de 100 mil pedidos de conexão à rede para distribuidoras. Estimativas apontam que o número de notificações extrajudiciais contra distribuidoras que não atenderam aos pedidos já se aproximaria de mil. Segundo associações e empresários do setor, a regulação da energia solar, caso aprovada como está, pode gerar uma permanente judicialização.
Para Bárbara Rubim, a retirada de pauta da discussão na Aneel é um sinal de que o próprio relator foi convencido por alguns dos argumentos apresentados pelo setor.
“Entendemos que isso é fruto de uma sensibilização do relator aos inúmeros pontos que precisam ser alterados na minuta de resolução, para que a Aneel consiga cumprir o que ela vem dizendo que tem se proposto a fazer, que é assegurar que a geração própria de energia continue viável para o consumidor de menor porte, de baixa renda”, afirma. “Infelizmente, com as propostas que tínhamos até então à mesa, isso não seria mais uma realidade em grande parte do país.”
Energia solar no Brasil
A energia solar é uma fonte alternativa, renovável e sustentável de energia proveniente da radiação eletromagnética (luz e calor) emitida pelo sol. Esse tipo de energia pode ser utilizado de diferentes formas, por meio de aquecedores solares, usinas termossolares e painéis fotovoltaicos, por exemplo.
A energia gerada a partir de painéis solares se tornou, no início deste ano, a segunda maior fonte do país, ultrapassando a capacidade total de produção das usinas eólicas, segundo os dados da Absolar e da Aneel.
De acordo com o levantamento, a fonte solar alcançou 23.854 megawatts (MW) de potência instalada, o que corresponde a 11,2% da capacidade nacional. A energia eólica responde por 23.754 MW (11,1%).
A energia elétrica permanece dominante no país, com potência de 109.719 MW, o que representa 51,3% do parque nacional. As outras fontes de matriz elétrica são usinas a gás natural (8,2%), biomassa (7,8%), diesel (4%), carvão mineral (1,7%) e nuclear (0,9%).