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Mudança de meta desmoraliza combate à inflação, diz economista da FGV

Para o professor Márcio Holland, o atual debate sobre a alteração da regra é precipitado e só faz aumentar a volatilidade do mercado

atualizado

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter acertado ao menos um dos seus muitos disparos contra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Isso porque, hoje, debate-se a sério no Brasil a mudança da meta de inflação. Uma discussão que, para um grupo expressivo de especialistas, seria impensável meses atrás.

Para 2023, essa meta foi fixada em no máximo 4,75%. A estimativa de inflação, contudo, está em 5,78% – e subindo. O BC tem a obrigação de baixar esse número até recolocá-lo dentro do limite estabelecido. Para conseguir isso, ele aumenta os juros básicos, a Selic, que está em 13,75%. Com uma taxa nesse patamar, porém, a economia dificilmente vai crescer mais do que 1,5% neste ano.

Esse é o impasse e, para resolvê-lo, surgiu a ideia: para evitar que o BC aumente os juros – ou mesmo, para que possa baixá-los – que tal mudar a meta da inflação? Ou seja, na prática, o que se pretende é aumentar o tamanho do gol para facilitar a vida do atacante. E vai dar certo? “Não”, diz Márcio Holland, professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. E por que pode dar errado? É o que Holland explica a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

Por que o senhor considera um erro alterar a meta da inflação?

Porque não dá para enganar ninguém. Se você altera a meta dessa forma, a expectativa de inflação do mercado vai na mesma direção. Ela sobe. O resultado é que a própria inflação pode aumentar. Assim, a simples mudança da meta pode provocar mais inflação. E o que o Banco Central tem de fazer nesse caso? Elevar ainda mais os juros.

Existe outra consequência negativa?

Sim. O regime de metas de inflação funciona como uma âncora. Ele dá certa estabilidade para as expectativas dos agentes econômicos. E hoje só temos isso.

Como só temos isso?

Hoje, o país não tem regra fiscal (que estabelece, por exemplo, limites para gastos públicos) e não contamos com nada que possa nos ancorar. E os preços da economia, como juros, câmbio, inflação, dependem disso. E quem perde a ancoragem fiscal, tem de pelo menos manter a monetária, que está a cargo do Banco Central. Por isso, a meta da inflação tem um valor muito grande hoje no Brasil. Se tirar essa âncora, vamos ficar à deriva. Esse debate, portanto, é precipitado e altamente desnecessário. Só serve para deixar o mercado ainda mais volátil e nervoso.

Quais outras consequências a alteração da meta pode trazer?

Ela desmoraliza a meta. Ela já não foi cumprida em 2021. Naquele ano, o teto foi fixado em 5,25% e tivemos uma inflação de 10,06%. Mas houve uma pandemia. Em 2022, o limite ficou em 5% e a inflação estourou de novo, atingindo 5,79%. Aí, veio a justificativa de que era a guerra na Ucrânia. Agora, não há justificativa. Assim, a mudança da meta também desmoraliza a política monetária e o combate à inflação.

Mas é possível cumprir a meta?

Em 2024, o centro da meta será de 3%, com até 1,5 ponto percentual a mais ou a menos. Ou seja, o teto vai ficar em 4,5%. Existe uma alta probabilidade de estarmos dentro desse limite. Então, mais um motivo para perguntar: por que alterar a meta agora e desancorar expectativas. Para sinalizar que o governo é mais leniente com a inflação?

E o que o país ganha ao cumprir a meta?

O regime de metas surgiu para construir uma comunicação com o mercado e, a partir daí, fazer a ancoragem, dar estabilidade às expectativas. Ao atingir a meta, você passa a ter uma boa reputação de política monetária, o que abre o caminho para a redução da taxa real de juros. Sem essa reputação, não se consegue isso.

Se o país ficar sem essa âncora, o que acontece na prática?

Daí, acabou. Perde-se a confiança no médio prazo. Quem vai tomar a decisão de fazer um investimento, comprar ações de uma empresa? Ninguém.

O senhor definiu como precipitada a discussão sobre a mudança de meta. Por quê?

Como disse, não temos nenhum instrumento, como uma regra fiscal, capaz de ancorar expectativas além da meta. E o governo está gastando mais. A PEC da Transição foi fortemente expansionista, muito além do que era necessário. Daí, vem o discurso sobre mudança do limite da inflação e a gente começa a ficar preocupado. Ela também é precipitada porque poderia ocorrer em outro momento.

Qual momento?

O voto do Conselho Monetário Nacional (CMN) que decidi sobre uma eventual mudança da meta sempre ocorre no fim de junho. Assim, isso poderia ser discutido mais para frente.

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