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Marfrig-Minerva: o que o negócio bilionário significa para o agro

Compra de 16 unidades de abate de bovinos da Marfrig pela Minerva mexe com o agro, afeta a bolsa e revela rumo que as empresas querem seguir

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Funcionário de frigorífico, com avental branco e luvas azuis, manipula carne embalada - Metrópoles
1 de 1 Funcionário de frigorífico, com avental branco e luvas azuis, manipula carne embalada - Metrópoles - Foto: Getty Images

O mercado frigorífico brasileiro começou a semana sob forte impacto de uma transação bilionária envolvendo duas das principais empresas do setor de alimentos. Na segunda-feira (28/8), a Minerva anunciou a compra de 16 unidades de abate e desossa de bovinos e ovinos da Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do mundo e líder na produção de hambúrgueres.

Concentrados na América do Sul, os ativos adquiridos pela companhia incluem 11 plantas no Brasil, três no Uruguai, uma na Argentina e uma no Chile. A Minerva desembolsou R$ 1,5 bilhão com recursos de caixa e financiou outros R$ 6 bilhões por meio de uma linha de crédito em parceria com o banco americano J.P. Morgan. Ao todo, o negócio movimenta R$ 7,5 bilhões – o valor final será pago depois da aprovação dos órgãos regulatórios.

Com a compra dos frigoríficos, a Minerva aumentará sua capacidade de abate de gado em 44%, para 42 mil cabeças por dia, assumindo o segundo lugar no abate de bovinos, atrás apenas da concorrente JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O número de plantas da empresa controlada pela família Vilela de Queiroz saltará de 29 para 45. A Minerva espera expandir sua produção atual em mais de 116%, para 2,6 milhões de toneladas por ano.

O que pretendem Minerva e Marfrig

De acordo com analistas, especialistas no setor do agronegócio e agentes do mercado ouvidos pela reportagem do Metrópoles, a Minerva busca incrementar as exportações de carne bovina in natura, enquanto a Marfrig pretende deixar de ser vista apenas como frigorífico, para assumir uma posição de empresa de alimentos focada em itens de maior valor agregado, como hambúrgueres e produtos da BRF, dona de marcas como Sadia e Perdigão.

Essa estratégia, que vem sendo delineada pelo menos desde 2018, foi impulsionada nos últimos meses. Em julho deste ano, a Marfrig aumentou sua posição acionária na BRF com uma oferta de ações de R$ 5,4 bilhões. Com a operação, a BRF passou a ter dois acionistas com uma participação combinada de mais de 50% do capital – a Marfrig e o fundo saudita Salic.

“Essa transação muda a Minerva de patamar. Haverá um aumento de capacidade de abate próximo de 13 mil cabeças de gado e 6,5 mil cabeças de cordeiro por dia. A empresa vai começar a competir de forma mais acirrada com a JBS”, afirma João Daronco, analista da Suno Research.

Hugo Queiroz, especialista em investimentos e diretor de Corporate Advisory da L4 Capital, tem avaliação semelhante sobre os objetivos da Minerva com o negócio. “Em termos de cadeia geral do mercado, não muda muita coisa. Mas, indiretamente, tem uma mudança significativa. Vamos ver a Minerva concentrando mais força na cadeia bovina, na qual o último grande competidor que resta na América Latina é a JBS”, afirma.

Para Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellance, o grande trunfo para a Minerva com a compra das 16 unidades da Marfrig é a ampliação da sua escala de produção. “Ela também aumenta o seu poder de compra no mercado, em especial no Brasil, com um maior poder de barganha junto aos produtores dos bovinos por preços mais baixos. E, na outra ponta, também aumenta o seu poder de exercer preço sobre quem comprar a sua carne”, explica. “É um mercado muito complicado. Quem perde é o criador do gado, que vai ser esmagado em relação aos preços e ficará em uma situação ainda mais difícil.”

Segundo um relatório do banco Citi, a transação envolvendo Marfrig e Minerva pode trazer bons resultados para ambas as empresas. “A Marfrig operaria um negócio simplificado de carne bovina na América do Sul, com uma redução estimada de 55% nas vendas do segmento. Essa mudança permite maior foco no mercado americano de altas margens, onde há maior concentração de processadores de carne bovina, e no negócio de marca brasileira (BRF), que também apresenta margens estruturais mais altas”, diz um relatório enviado pelo banco a clientes. A Minerva, por sua vez, poderia ampliar suas vendas em até 53% e duplicar sua presença na América do Sul, diz o Citi.

Diminuição da dívida

No caso da Marfrig, além de um reposicionamento no mercado, um dos objetivos principais com a operação é reduzir a alavancagem financeira – ou seja, diminuir a dívida. A alavancagem é o uso de determinados recursos para aproveitar oportunidades de multiplicar os resultados. Em linhas gerais, ela funciona como um limite de crédito, possibilitando investimentos de valores maiores do que se tem em conta, o que gera endividamento.

“O setor foi fortemente prejudicado pelo aumento no custo dos insumos. Além disso, também tivemos um momento de elevação da taxa de juros e grande parte das empresas estão muito alavancadas, precisando de um certo alívio no curto prazo. Foi o que a Marfrig buscou ao fazer essa venda”, diz João Daronco, da Suno.

“Já no caso Minerva, a empresa assumiu um risco de se alavancar em um momento difícil para o setor. Só o tempo dirá se foi uma decisão acertada”, prossegue o analista. “Nesse negócio, o movimento mais conservador certamente foi o da Marfrig, que vendeu alguns ativos para pagar a dívida e diminuir um pouco a despesa financeira para os próximos trimestres. A Minerva assumiu mais riscos.”

Hugo Queiroz, da L4 Capital, entende que a preocupação com o endividamento é um dos fatores que explicam o negócio, mas não o preponderante. “A Marfrig poderia rolar a dívida. Ela tem caixa para fazer frente a esse endividamento no curto prazo. Não foi estritamente o risco financeiro de insolvência que levou a essa decisão”, afirma. “A dívida está bem equacionada. O fato primordial é que, diante de uma boa proposta pelos ativos, ela preferiu antecipar um movimento estratégico. Imagino que os executivos da Minerva, percebendo esse caminho estratégico da Marfrig, se sentaram à mesa para fazer a proposta.”

Por que ações da Minerva despencaram e as da Marfrig subiram

O mercado financeiro reagiu rapidamente ao acordo bilionário entre as duas gigantes do setor frigorífico. As ações da Minerva, que comprou as unidades da Marfrig, despencaram logo no dia seguinte ao anúncio do negócio. O temor sobre o endividamento da companhia fez os papéis derreterem mais de 18% e, em um único dia, a empresa perdeu R$ 1,2 bilhão em valor de mercado. Em sentido oposto, o movimento da Marfrig de reduzir a exposição em commodities e focar em produtos de maior valor agregado foi bem recebido pelos investidores e fez as ações dispararem mais de 10%.

“O aumento do endividamento e do risco é um dos fatores que explicam essa queda forte das ações da Minerva, assim como os possíveis impactos desse endividamento no fluxo de caixa”, explica Hugo Queiroz. “Com pressão no fluxo de caixa e aumento de risco, obviamente o mercado reage de forma contundente.”

De acordo com o especialista da L4 Capital, no entanto, a preocupação dos investidores foi excessiva e não há motivo para grandes temores. “Ambas as companhias estão com caixa robusto e dívidas alongadas, o que torna o risco financeiro baixo. Isso afasta qualquer possibilidade de insolvência. Ambas vão entregar crescimento e vão desalavancar mais rápido. Devem, portanto, voltar a distribuir dividendos em um futuro próximo”, projeta Queiroz. “O mercado exagerou demais na precificação por excesso de risco financeiro, que é bem equilibrado neste momento.”

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