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Marco fiscal não encerra debate sobre gastos, diz Sergio Vale

Marco fiscal aprovado na Câmara não se sustenta ao longo do tempo sem discussão mais profunda sobre estrutura dos gastos, diz economista

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1 de 1 imgem colorida economista Sergio Vale - Metrópoles - Foto: Divulgação

A aprovação do marco fiscal na Câmara dos Deputados não encerra o debate sobre as medidas fiscais necessárias no Brasil, argumenta Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

O marco, que substitui o teto de gastos atual, foi aprovado na madrugada desta quarta-feira (24/5). Em linhas gerais, o formato estabelece que os gastos podem crescer no mínimo 0,6% e no máximo 2,5% acima da inflação, a depender de se o governo cumprir a meta estipulada.

Para Vale, o marco fiscal aprovado adia o debate mais profundo sobre as contas públicas e tem de ser visto sobretudo como uma medida temporária, que “não se sustenta ao longo do tempo”. “A discussão sobre o ajuste fiscal do Brasil não acaba após esse arcabouço”, diz ele.

“É uma regra que dura os quatro anos desse governo, de certa forma, mas que não vai ter condição de estabilizar a dívida. A regra terá de ser refinada no próximo governo”, diz.

Despesas obrigatórias devem comprimir as demais

Uma das principais questões não resolvidas, na visão do economista, é a discussão dos gastos obrigatórias na Constituição, como para educação, saúde e pagamento de emendas parlamentares.

Tais gastos estão sob os limites do novo marco mas, para Vale, as despesas são incompatíveis com a meta fiscal traçada, o que mostra uma falha no desenho da regra.

“Saúde, educação e emendas vão crescer de acordo com a Constituição, e o resto terá de se ajustar. Mas o ‘resto’ é investimento, salário de servidor”, diz ele.

“De alguma forma, talvez o marco fiscal seja ainda mais agressivo para comprimir essas despesas do que o teto de gastos [do governo Temer]. Isso vai ser muito pressionado, e já vejo questionamentos sobre isso no ano que vem e o governo tentando passar algo para driblar.”

Marco temporário

A leitura de Vale é que o governo está “postergando” discussões de estrutura do gasto e, enquanto isso, tentará fazer um ajuste fiscal pautado na arrecadação, com pouco corte de despesas. Esse foco na arrecadação para cumprir as metas fiscais terminará invariavelmente com algum aumento de carga tributária, diz Vale.

Enquanto isso, Vale avalia que os dois primeiros anos do governo Lula (2023 e 2024) não terão o marco fiscal funcionando na prática, uma vez que o ano de 2023 teve alta de despesas possibilitada pela emenda constitucional na PEC da Transição e, para 2024, há ainda um momento de transição para o novo marco.

Já nos dois anos finais do governo, diz o economista, o debate tende a ficar restrito à eleição e com um aumento de despesas, como ocorreu no governo Jair Bolsonaro (PL) antes da eleição de 2022. “Ou seja, é uma regra temporária na prática”, diz Vale.

Falta modelo anti-cíclico

Para o médio prazo, Vale avalia que o Brasil terá de discutir uma regra “anti-cíclica”, isto é, com freio nos gastos quando o país cresce e, na outra ponta, possibilidade estímulo com aumento de gastos quando a economia não vai bem.

Uma crítica de parte dos economistas ao teto de gastos aprovado no governo Michel Temer era seu caráter “pró-cíclico”, que proibia estímulos do governo à economia em momentos de crise. A promessa da equipe de Haddad era de que o novo marco fiscal elaborado pela Fazenda teria travas em momento de crescimento acelerado e estímulo em momentos de crise.

Mas a regra aprovada, embora segure o aumento real dos gastos em até 2,5% nos anos de crescimento da receita e permita uma expansão de 0,6% nos anos de retração, “segue sendo muito pró-cíclica”, diz Vale, que cita como um exemplo de regra anti-cíclica o modelo que é usado do Chile, também altamente dependente de commodities e que busca usar os momentos de bonança no ciclo para fazer reservas. “No Chile, fez-se uma regra que esquerda, direita, todos cumprem, há 20 anos”, diz.

Otimismo no mercado

Apesar das incertezas ainda no horizonte, o texto aprovado do marco na Câmara levou algum otimismo inicial aos agentes do mercado financeiro nesta quarta-feira, como o Metrópoles mostrou. O dólar iniciou o dia em queda após a aprovação.

O substitutivo do relator Claudio Cajado (PP-BA) começou a ser discutido em Plenário na terça-feira (23/5) e foi votado na madrugada. Foram 372 votos favoráveis e 108 contrários. O texto começa agora a tramitação em comissões do Senado.

Uma mudança no texto-base bem vista pelo mercado foi a limitação no crescimento de gastos para 2024, que voltou a ficar como no formato original enviado pela Fazenda. O relator, anteriormente, havia dado um espaço fiscal extra para o ano que vem, mas voltou atrás antes da votação.

Agora, a regra aprovada estabelece que o governo poderá aumentar despesas em 2024 em até 70% do crescimento da receita do período anterior (entre meados de 2022 e meados de 2023), com teto de aumento de até 2,5%, como já estava definido no texto original. A leitura é de que a mudança foi positiva do ponto de vista da estabilidade fiscal no curto prazo.

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