Justiça bloqueia R$ 56 milhões do “barão dos ônibus” de São Paulo
Juíza acolhe pedido liminar do Banco Sistema contra empresas de “Belarmino pai”, um dos pioneiros e gigantes dos ônibus de São Paulo
atualizado
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A Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 56,7 milhões das contas de um dos maiores empresários e pioneiro dos ônibus em São Paulo, Belarmino Ascenção Marta, o “Belarmino pai”, e de algumas das principais empresas de seu império. O bloqueio foi aplicado nas contas do empresário e de suas companhias de ônibus e confiscou R$ 10 milhões.
“Belarmino pai” é o patriarca de um dos antigos clãs portugueses que dominam o transporte público de São Paulo. Somente a Sambaíba, uma das muitas empresas do grupo, teve lucro acumulado de R$ 276 milhões entre 2019 e 2022 — o maior entre as companhias do setor. Ela é responsável por 1,2 mil ônibus, 115 linhas, e o transporte de 780 mil passageiros por dia na zona norte e no centro de São Paulo.
O empresário e suas companhias são acusados por um banco de uma fraude para se esquivar de dívidas de R$ 56 milhões que se arrastam desde os anos 1990. O Banco Sistema pede a condenação do Grupo Belarmino para quitar a dívida de outra empresa de ônibus na ação movida há 26 anos. A instituição financeira diz que ele usa um emaranhado de empresas e sócios para esvaziar empresas e blindar seu patrimônio de maneira fraudulenta contra credores.
Juíza vê “confusão patrimonial”
A juíza Maria Raquel Campos Pinto Tilkian Neves, da 6ª Vara Cível de Campinas, acolheu o pedido liminarmente e determinou o bloqueio. Ela afirma que “há fortes indicativos de confusão patrimonial entre grupo empresarial”, além de “vasta prova documental que evidencia a formação de complexa organização societária que tenta se esquivar por anos das obrigações financeiras assumidas por empresas criadas e geridas pelo grupo”.
Além dos R$ 10 milhões encontrados em contas bancárias, imóveis do grupo, como garagens de ônibus, também foram bloqueados após a decisão da juíza.
O Banco Sistema é o sucessor do antigo Bamerindus, que moveu, em 1997, uma ação para cobrar uma dívida de R$ 2,9 milhões da Campos Elíseos. A empresa era de outro mandachuva do setor, Jose Eustáquio, que ficou famoso nos anos 1990 por atirar no peito de um ex-policial militar após uma discussão de trânsito no início da década.
Os imóveis bloqueados pela Justiça não cobriram mais do que 11% da dívida. No meio do caminho, segundo o banco, a Campos Elíseos foi “artificialmente esvaziada” e seus ativos mais valiosos foram transferidos para outras empresas do Grupo Belarmino. A companhia, de acordo com o Sistema, virou um “receptáculo de dívidas sem a menor capacidade de honrá-las”.
Banco acusou fraude
O banco afirma que em 1997, os Belarmino adquiriram a Urca, outra empresa de José Eustáquio, dono da Campos Elíseos. Em um movimento paralelo, a Campos Elíseos transferiu todos os seus funcionários e ativos para a Urca por meio de um contrato particular.
“A Campos Elíseos, após essa operação, se transformou em uma casca vazia para concentração de dívidas, enquanto a parte saudável e rentável foi transferida para o Grupo Belarmino”, diz o banco.
Segundo a instituição financeira, o propósito da manobra foi “claríssimo”. “José Eustáquio pretendia vender a Campos Elíseos para o Grupo Belarmino. A Campos Elíseos, entretanto, era empresa muito endividada, com passivo elevado, o que retirava a atratividade e a possibilidade de o Executado Sr. José Eustáquio angariar um bom valor com a venda”.
Segundo o banco, a estratégia para driblar o “empecilho” foi vender a Urca em vez da Campos Elíseos e transferir a “parte saudável” da Campos Elíseos para a Urca.
“Com a manobra, os envolvidos pretenderam abandonar uma empresa apodrecida, sem ativos e atolada em dívidas, enquanto o Grupo Belarmino continuaria explorando seu potencial lucrativo, agora via Urca, sem ter que se preocupar com o pagamento das dívidas que ficaram para trás”, diz o banco.
O banco ainda usa ações do Ministério Público contra o Grupo Belarmino para provar à Justiça que eles adotam frequentemente expedientes fraudulentos. Uma delas diz respeito a uma fraude à licitação em Campinas, reduto da família.
“Vê-se, portanto, ser típico e corriqueiro a manipulação das personalidades e o vai e vem entre as empresas do Grupo Belarmino para que possam frustrar seus credores e o Poder Público”, diz o banco.
Procurado, o Grupo Belarmino não se manifestou. Quando o Metrópoles revelou a briga judicial com o Banco Sistema, em dezembro, o Grupo Belarmino afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não foi citado pela Justiça e que não teve qualquer relacionamento com o banco.
Por meio da nota, o Grupo Belarmino afirma que possui uma frota de 6,3 mil veículos e “é um dos maiores conglomerados de transporte de passageiros no Brasil, com mais de 60 anos de história”.
A empresa afirma que a reportagem supostamente “se sustenta em informações contidas em processo judicial do qual nenhuma empresa foi oficialmente citada pela Justiça”. O Metrópoles obteve acesso à íntegra do processo movido na Justiça de São Paulo.