Julgamento da correção do FGTS pelo STF é “bomba nuclear” para União
Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida pela mudança no índice de correção de contas do FGTS, governo pode ter gasto extra de R$ 661 bi
atualizado
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O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, nesta quinta-feira (20/4), uma ação que pode impactar diretamente o bolso dos trabalhadores brasileiros e do governo federal. Caso não haja adiamento, a decisão poderá sair ainda hoje.
Os ministros do Supremo avaliarão o pedido feito pelo Solidariedade na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.090, de 2014. O partido pede que os saldos depositados nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) sejam corrigidos pela inflação, e não pela Taxa Referencial (TR).
Como a TR deixou de acompanhar a inflação no fim da década de 1990, a ação pode impactar os reajustes do período de 1999 a 2023.
Segundo cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o poder público na ação, mais de 200 milhões de contas do FGTS podem ser atingidas pela possível mudança. O impacto financeiro está estimado em R$ 661 bilhões, caso todo o período seja revisado.
“A diferença entre o potencial impacto ao FGTS (R$ 661 bilhões) e o seu patrimônio líquido poderia resultar na necessidade de aporte da União em aproximadamente R$ 543 bilhões”, escreveu a AGU, na defesa mais recente do caso.
Como o FGTS dispõe de R$ 118 bilhões em caixa (recursos que ficam reservados para a execução de obras de infraestrutura e outros), o governo precisaria aportar esses R$ 543 bilhões para cobrir a diferença entre o impacto total e o valor que está depositado.
TR contra inflação
A TR acumulou variação de 45% desde o início de 1999 até março de 2023. Em contrapartida, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulou alta de 366% no mesmo período, percentual equivalente a oito vezes mais que a TR. Já o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), outro indicador utilizado para medir a inflação para os brasileiros, acumula alta de 353% no mesmo período.
Atualmente, o FGTS rende 3% ao ano + a variação da TR + a distribuição de lucros do fundo. Até 2016, a poupança compulsória dos trabalhadores era remunerada somente pela taxa fixa (de 3%) acrescida da TR. Naquele ano, o então presidente Michel Temer enviou uma medida provisória ao Congresso que permitiu a distribuição de parte do rendimento extra dos recursos depositados no FGTS aos trabalhadores.
Mas nem isso garantiu que o Fundo sempre fizesse frente à inflação. Em 2021, por exemplo, a TR foi de 0,02%, e a distribuição de lucros alcançou 2,8%. Com isso, o FGTS rendeu pouco menos de 6%, frente a um IPCA de mais de 10% ao fim do ano. O dinheiro depositado para o trabalhador perdeu poder de compra em 2021, em diversos anos antes disso.
“Bomba atômica” no orçamento
Advogados ouvidos pelo Metrópoles dizem que há precedente para que o STF julgue a causa de forma favorável e contrária, o que torna a decisão final imprevisível.
No lado contrário, está o argumento econômico. A despesa extra de R$ 543 bilhões seria uma verdadeira “bomba atômica” no orçamento público. O déficit primário (diferença entre a arrecadação e as despesas) do governo federal está estimado em R$ 172 bilhões no ano que vem, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviada ao Congresso na semana passada.
Com o cobertor do orçamento curto, seria impossível absorver o gasto extra do reajuste das contas do FGTS. O resultado seria um aumento do déficit e do endividamento do governo federal, o que teria impacto direto sobre a inflação, os juros e o dólar no país.
Quem será beneficiado se o Supremo aprovar a mudança no FGTS?
No lado dos argumentos favoráveis, os analistas lembram que o STF já decidiu antes que a TR não é o indicador mais adequado para reajustar outros saldos de natureza similar.
“”Em uma decisão recente, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação da TR na correção de precatórios (dívidas judiciais da União com cidadãos e empresas) . Em outra ocasião sobre débitos trabalhistas, também com o entendimento pela não aplicação da TR, ficou definido que deve ser aplicado o IPCA-E, na fase pré-judicial, e a taxa Selic a partir do ajuizamento do ação, para que não haja perda do poder de compra”, explica o advogado Pedro Chicarino, sócio do escritório Chicarino, Quaresma e Tanaka Advogados.
Já Kristian Rodrigo Pscheidt, advogado e sócio do escritório MV Costa Advogados, lembra que a decisão pela inconstitucionalidade da TR tiraria do ordenamento jurídico a previsão de correção do FGTS por esse indicador. Ou seja: teoricamente, se a decisão for essa, todos os trabalhadores deveriam ter o saldo corrigido pela inflação desde 1999.
No entanto, o STF pode fazer ressalvas para essa situação, o que pode reduzir o impacto econômico da medida, mesmo em uma posição desfavorável ao governo.
“Isso já ocorreu antes. O STF pode determinar a modulação dos efeitos da decisão. Por exemplo: a nova correção pode valer daqui pra frente, pode valer só para casos de trabalhadores que já têm ações judiciais em curso para contestar o uso da TR no FGTS ou pode valer apenas para determinado período, considerando que a ADI em questão chegou ao Supremo apenas em 2014”, lembra Pscheidt.
Outro caminho, diz Chicarino, do Chicarino, Quaresma e Tanaka Advogados, é o Supremo decidir que cabe ao Legislativo fazer essa mudança, a exemplo do que aconteceu em 2016, quando uma medida provisória aprovada pelos parlamentares aumentou o rendimento do FGTS.
“Vale dizer que as últimas decisões do STF sobre o tema não têm sido nesse sentido, então vamos aguardar o julgamento”, finaliza o advogado.