Inflação é maior desafio para bares e restaurantes, diz líder do setor
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, vê recuperação no pós-pandemia, mas alerta para inflação
atualizado
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Poucos setores da economia brasileira sofreram tanto com as restrições impostas durante a pandemia de Covid-19 quanto o de bares e restaurantes. No período mais crítico da epidemia no Brasil, entre março de 2020 e julho de 2021, quase 340 mil empresas do setor fecharam as portas e mais de 1,3 milhão de trabalhadores perderam seus empregos.
Ao final de 2022, o panorama era bem diferente. Mesmo após um ano marcado por inflação e juros altos, além das dificuldades causadas pela escalada no preço dos insumos, os bares e restaurantes tiveram uma forte recuperação, especialmente no último trimestre, impulsionados pela volta dos clientes e pela Copa do Mundo.
A expectativa é que o faturamento de 2022 seja 8% maior que o de 2019 (no pré-pandemia) e 5% superior ao de 2021. Somente neste verão, o salto deve chegar a 20%, na comparação com o mesmo período do ano passado, quando a variante Ômicron do coronavírus limitou a circulação das pessoas.
Em entrevista ao Metrópoles, o presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, afirma que a recuperação do setor no pós-pandemia foi “impressionante” e que as perspectivas para 2023 são positivas. Para ele, no entanto, ainda é necessário ter atenção com o que classifica como o “maior desafio” do segmento: a inflação.
“O grande problema, não só no Brasil como no mundo inteiro, continua sendo a disparada de preços dos alimentos. Também tivemos uma pressão inflacionária grande sobre os preços de energia e de combustíveis, em alguns momentos do ano passado”, diz Solmucci.
O presidente da Abrasel relata que mais da metade das empresas do setor ainda não se recuperou totalmente do impacto econômico da pandemia. “A consequência disso é colocar empregos em risco. Em tempos normais, era possível sobreviver operando no zero a zero. Agora, o zero a zero não atende mais à necessidade de pagar as dívidas da pandemia”, admite.
Na entrevista, Solmucci lamenta a decisão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes de excluir bares do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) – por meio do qual os estabelecimentos ficavam isentos do pagamento de tributos – e pede que o governo recém-empossado adote uma política econômica responsável fiscalmente.
Leia os principais trechos da entrevista de Paulo Solmucci ao Metrópoles:
Depois de um período difícil durante a pandemia, o setor de bares e restaurantes fechou o ano passado com bons números em vendas e faturamento. A que o senhor atribui essa recuperação, especialmente no segundo semestre?
De fato, o setor teve uma recuperação de vendas impressionante. Essa recuperação foi muito rápida, não só nas vendas como nas contratações. Nós fechamos 2022 com um aumento de 8%, em termos reais, acima de 2019, e 5% acima do ano passado. Fazer o faturamento crescer em termos reais, com uma inflação como a que tivemos, não é algo trivial. O consumidor voltou com força. Uma parcela grande da população não gastou o dinheiro que tinha. Havia um volume grande de dinheiro guardado durante o período da pandemia, especialmente para gastos com lazer, bares e restaurantes. Além disso, o pico da pirâmide da sociedade deixou de viajar para o exterior e passou a gastar mais dinheiro no Brasil, especialmente nos restaurantes mais sofisticados. Para completar, também tivemos o Auxílio Brasil, que injetou dinheiro na base da pirâmide. O auxílio teve uma influência extraordinária para o setor. É injeção na veia: o cara recebe e já vai para a rua gastar conosco. Por fim, um outro fator que impulsionou o setor em 2022 foi a geração de empregos. O Brasil gerou muitos empregos (2,46 milhões de empregos com carteira assinada foram gerados de janeiro a novembro do ano passado). Quanto mais gente empregada e quanto mais dinheiro no bolso dessas pessoas, melhor para nós. Geramos muitos postos de trabalho durante o ano inteiro.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, terminou 2022 com alta acumulada de 5,79%, acima do teto da meta estipulada pelo Banco Central, mas bem abaixo dos mais de 10% de 2021. Apesar de pressionar menos a economia hoje, a inflação continua sendo uma preocupação?
O maior desafio do setor é a inflação. O grande problema, não só no Brasil como no mundo inteiro, continua sendo a disparada de preços dos alimentos. Também tivemos uma pressão inflacionária grande sobre os preços de energia e de combustíveis, em alguns momentos do ano passado. Principalmente a partir de junho, os preços de alimentos começaram a se acomodar um pouco. Ainda assim, nós fechamos o ano subindo o preço e essa recuperação foi toda no segundo semestre, quando a demanda permitiu mais reajustes. Mas o setor subiu os preços bem menos do que a inflação dos alimentos no período. No acumulado do ano, embora um pouco acima do índice geral (5,79%), a inflação no setor (7,47%) ficou bem abaixo do índice de aumento dos alimentos e bebidas (11,64%) e foi quase a metade do aumento registrado na alimentação dentro de casa (13,23%). Pelo lado do cliente, é bom. Mas isso mostra que não estamos recuperando totalmente as margens. Apesar de termos registrado a volta do movimento nos bares e restaurantes, o setor ainda está represando parte dos aumentos dos insumos.
Segundo dados da Abrasel, 18% das empresas do setor vêm operando no prejuízo e 37% estão no zero a zero. Apesar da recuperação em 2022, o segmento de bares e restaurantes ainda sofre os impactos da pandemia?
Esses dados que você cita significam, na prática, que 55% das empresas ainda não têm lucro para pagar suas dívidas. É muita coisa, mais da metade. Para que se tenha uma ideia: em tempos de normalidade, as empresas que operavam no prejuízo correspondiam a algo em torno de 5%. É uma enorme diferença. A consequência disso é não resolver os problemas do passado e colocar empregos em risco. Em tempos normais, era possível sobreviver operando no zero a zero. Agora, o zero a zero não atende mais à necessidade de pagar as dívidas da pandemia. É algo que preocupa e merece atenção.
Uma portaria do Ministério da Economia de 29 de dezembro do ano passado excluiu bares e lanchonetes do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado em maio de 2021 para compensar o setor de turismo e eventos por perdas financeiras resultantes das medidas de isolamento social durante a pandemia. Qual é o impacto dessa medida para os bares?
Nossa maior preocupação é com a solvência dessas empresas que não estão operando com resultado positivo. Como elas estão se mantendo no mercado? Acumulando dívidas de impostos e atrasando pagamentos com bancos, o que gera um cenário cada vez mais desafiador. Em algum momento, isso vai dar problema porque você não consegue manter um orçamento se só vai acumulando dívidas. Para a nossa surpresa, nos últimos dias do ano, o ministro Paulo Guedes, por meio da Secretaria-Executiva do Ministério da Economia, tirou os bares e lanchonetes do Perse, um programa que permitia que não se pagasse impostos por cinco anos, com alíquota zero de PIS, Cofins, IRPJ e CSSL, como foi feito com os restaurantes. O que esperamos é que se estabeleça um grupo de análise para que isso seja revisto. Ainda não temos solução para todos os problemas, como os impostos atrasados, é algo complexo. Mas é importante buscar soluções.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta desconfiança do mercado e há incertezas em relação aos rumos da política econômica, principalmente na questão fiscal. Quais são as suas expectativas para a economia sob a nova gestão? A Abrasel já fez algum tipo de contato com o novo governo?
Tivemos reuniões com a equipe de transição e discutimos algumas demandas do setor com o vice-presidente e ministro (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) Geraldo Alckmin. O diálogo com o governo está aberto. Eles têm dito que querem preservar e ampliar o diálogo. Temos as portas abertas até aqui. Entretanto, a questão macroeconômica é complexa neste momento. Nós ainda não sabemos como vai ser a política econômica que o governo pretende seguir. Entendemos que a preocupação social tem de caminhar lado a lado com a preocupação fiscal. A insegurança fiscal é muito ruim para o país. Conheço pessoas que não estão fazendo muitos investimentos, estão segurando, com receio. Mas a nossa expectativa é a de que tudo possa clarear em breve. O novo governo tem pouco mais de 10 dias. De nossa parte, estamos dispostos a contribuir para encontrarmos as melhores soluções para o país.