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Indústria patina e cobra isonomia tributária, diz presidente do Ciesp

Para Rafael Cervone, Brasil precisa equilibrar as forças econômicas, reduzindo tributos da indústria para acelerar crescimento do setor

atualizado

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Ayrton Vignola/ Fiesp
Rafael Cervone presidente do Ciesp sentado durante entrevista
1 de 1 Rafael Cervone presidente do Ciesp sentado durante entrevista - Foto: Ayrton Vignola/ Fiesp

Não é de hoje que a indústria defende a isonomia tributária para turbinar o crescimento do setor. Em entrevista ao Metrópoles, Rafael Cervone, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), conta acompanhar de perto cada alteração no texto da Reforma Tributária que tramita em Brasília.

Ele, que se define como um “caipira de Santa Bárbara D’Oeste”, cidade no interior paulista, está longe do estereótipo de homem do campo. Pelo contrário, empresário do setor têxtil, com mais de 40 anos de atuação no ramo, este engenheiro herdou o DNA industrial e o mesmo nome de seu avô paterno, que saiu de São Paulo em 1923 para montar no interior uma indústria de fiação e tecelagem.

E é para Santa Bárbara que Cervone retorna todos os dias depois do trabalho na Avenida Paulista. Eleito em 2022 para o Ciesp por maioria nas últimas eleições da entidade, cumpre seu primeiro mandato representando cerca de oito mil indústrias associadas e 42 regionais e distritais em todo o Estado de São Paulo. É também o 1º vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que reúne 131 sindicatos patronais.

Atuar nas duas entidades, lhe garante, como ele mesmo define, uma certa vantagem. Afinal, a velocidade das demandas da indústria chegam até ele quase que de forma imediata. Confira a entrevista.

Hoje, qual o principal pleito da indústria? Segue sendo a Reforma Tributária? 

O Brasil, como é um país complexo, não tem bala de prata. Não tem mais uma única coisa como principal pleito. Temos uma importância estratégica para o país. A indústria representa 11% do PIB e é responsável por mais de um terço da arrecadação total. É preciso um reequilíbrio entre as forças econômicas. É muito peso, muita carga de tributo em cima de um setor só. Se fosse mais equalizado, todos poderiam crescer juntos. A indústria tem de longe o maior poder multiplicador entre os setores econômicos.

Mais do que o agronegócio?

Há sinergia entre o agro e a indústria. É aquela velha história: melhor exportar um grão de café ou uma cápsula de café? A indústria cria valor agregado através do agro. O agro representa 4,3% do PIB, a gente representa 11%. Costumo dizer que se o agro é pop, a indústria é rock.

Mas o senhor está satisfeito com o texto da Reforma Tributária? 

A gente tem de dizer que o ótimo é o inimigo do bom. Há muito tempo que nós estamos pensando pequeno no Brasil. A gente se conforma com coisas menores, sendo que a gente podia dar um grande passo na direção correta. Um exemplo: nós ficamos décadas parados no tempo e daí veio a revolução das telecomunicações. A gente colocava a linda do telefone no imposto de renda e, de repente, nós demos três pulos, três saltos de uma só vez. 

E o senhor esperava que isso acontecesse agora com a Reforma Tributária?

Acho que nós perdemos o bonde de dar um grande salto, a gente podia fazer uma revolução que seria um exemplo para o mundo, justamente no momento que o e-commerce está bombando. A gente podia ter dado o salto. Não deram. Mas, claro, [a Reforma Tributária] é muito melhor do que está hoje. A gente vai ter uma economia na indústria de mais de R$ 110 bilhões, e isso só com melhoria de desburocratização na questão tributária.

O texto atual da Reforma Tributária é o suficiente para gerar mais empregos na indústria?

Não, eu acho que a reforma é positiva, ela vai na direção correta, ela simplifica, ela não acumula. Mas não foi regulamentado 100%. Quando tiver uma evolução na Câmara, vai para o Senado. Mas o problema é o puxadinho e todos os dias eu estou brigando com o puxadinho.

O que o senhor considera puxadinho?

Puxadinho é quando mudam o texto para beneficiar um setor em detrimento dos demais. Por exemplo, na indústria automobilística, a BYD e a Stellantis estão pedindo vantagens no Nordeste em detrimento de toda a indústria nacional. As empresas na Zona Franca de Manaus são outro puxadinho. Isso é ruim para todos. Teremos o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mas vamos ter isenção para carne, e os produtores de vinho também vão querer. Cada setor vai atrás da isenção. Essa semana mesmo estavam pedindo isenção para o extrato de tomate. Cada um quer puxar para o seu lado.

No entendimento do senhor, essas discussões atrasam o processo?

Toda vez que um setor reclama isenção, atrasa. Nós estamos retroagindo à grande melhoria que tivemos. E toda nova discussão, abre uma janela para outros entrarem. E assim temos a falta de isonomia competitiva. A falta de competitividade do país gerou uma falta de produtividade, uma queda da produtividade da indústria.

O que o país precisa?

Nós precisamos ser ousados. Nós precisamos de um projeto de Estado, não um plano de governo de quatro anos ou de oito. Precisamos pensar em 30 ou 40 anos. Há décadas que sai governo, entra governo e a gente está discutindo a mesma coisa: se a indústria é importante ou se não é importante. Se não é, que digam. Porque se a ideia é acabar com a indústria, precisa de um cliente bom para sustentar os 37% da carga tributária. Quem vai ser? Vai ser o agro? Vai ser o setor de serviços? Vai ser o governo. Quem vai pagar essa conta?

O que a indústria precisa especificamente?

Previsibilidade e segurança jurídica. Sem isso não tem investimento e hoje não temos nenhum deles. Precisamos de isonomia competitiva. O custo Brasil é de R$ 1,7 trilhão. Essa é a diferença entre  produzir aqui e produzir em outro país. A guerra fiscal, se Deus quiser, acaba em 2032. Se bem que algumas empresas já dão como líquido e certo de que não vai acabar. Essa é a visão de alguns, não é a nossa. Para nós, a pior guerra é a da informalidade, que é um câncer no Brasil.

Por que?

A concorrência no Brasil é desleal. É pirataria, contrabando, tudo junto. O empreendedor monta uma loja no centro de São Paulo, ou em qualquer lugar, e na frente da loja montam uma barraquinha vendendo sem qualquer imposto. Outro problema é a falta de linha de crédito. O crédito no Brasil é caríssimo.

E como vocês estão lidando com a falta de crédito? 

Temos o Feirão do Crédito, e trabalhamos com as instituições financeiras para ajudar quem precisa renegociar dívidas. Temos um trabalho junto com a Fiesp, com o Banco Central e a Febraban para discutir juros, para entender quais são os problemas estruturais ou estruturantes que justificam que nós tenhamos uma Selic tão alta. Até agora ninguém deu explicação nenhuma porque não há explicação. Só quem ganha com isso é o mercado financeiro. E quem perde é o Brasil inteiro

E como o senhor vê a nova política industrial anunciada pelo governo?

Temos um bom protocolo de intenções, fala-se muito de política industrial, mas falta muita coisa para que isso saia do papel. A política industrial foi anunciada há meses, mas, na prática, não temos os indicadores ainda. Temos um um foco na infraestrutura, outro no saneamento, tem a questão da descarbonização que é importante, mas falta chegar na ponta. Falta pensar no pequeno.

O que pode ser feito?

O Ciesp está focado no desenvolvimento regional, na reestruturação das cadeias regionais e globais de fornecimento que foram alteradas brutalmente durante a Covid. Depois, com as guerras de Ucrânia e Rússia, Israel e Hamas, começaram a faltar produtos. E os países estão se fechando. O Brasil não está preparado. Nós precisamos de um protocolo de colaboração em ambientes de tragédias globais.

Nesse contexto, São Paulo tem alguma vantagem?

São Paulo é o estado mais forte da federação e, com a Reforma Tributária, tem uma probabilidade muito grande de se fortalecer ainda mais. Com a guerra fiscal muitas empresas saíram de São Paulo para buscar competitividade em outros estados e, por que não dizer, em outros países. O Paraguai bombou, muita gente saiu daqui para lá.

É o que pode acontecer com a taxação das blusinhas?

Esse é um ponto que precisa ser resolvido. O varejo não está aguentando essa bucha, e vai acabar colocando um centro de distribuição no Paraguai, importar com alíquota zero e enviar para o Brasil. A Riachuelo, por exemplo, já está com uma fábrica no Paraguai por causa da guerra fiscal.

Mas o custo logístico é alto, não?

Com a indústria 4.0, a tendência, cada vez maior, é produzir próximo do consumidor final. Produzir no bairro, não na China. O custo logístico vai impactar bastante e, no Brasil, custa uma fortuna. Então, não faz sentido que, sem a guerra fiscal, a produção seja no Nordeste, sendo que 50% do consumo está em São Paulo. Estudos mostram que, no setor têxtil, por exemplo, considerando só o custo da logística, é mais barato transportar um fardo de algodão do Egito para São Paulo, do que da Bahia para cá.

Hoje, na sua avaliação, para onde a indústria brasileira está caminhando?

Eu acho que hoje ela está patinando. A gente não consegue avançar. A gente não consegue crescer, a gente não consegue investir porque não tem previsibilidade de segurança jurídica. É por isso que a gente precisa de um plano, e da garantia que o plano vai ser implementado. Temos uma tremenda oportunidade na mão. Estamos num momento em que o mundo está repensando suas compras. A gente está perdendo o bonde.

O senhor defende que o Brasil se feche mais?

O Brasil não pode ser um país fechado, como já foi. Isso prejudica o país. A gente tem que ter um mercado aberto, importar e exportar é absolutamente normal, faz parte do jogo, nós não somos obrigados a ser especialistas em tudo na vida, nós temos que buscar a globalização, isso não tem dúvida. Mas faltam acordos internacionais relevantes para isso. Precisamos de autonomia competitiva. E estamos R$ 1,7 trilhão longe disso.

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